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Simplesmente Acontece

01

O MOMENTO em que Sarah Bells percebeu que tipo de festa era aquela, era tarde

demais para partir.

Afinal, tinha mentido e trapaceado a fim de ir àquele lugar promíscuo, com objetivos não tão honestos, portanto seria hipocrisia condenar os convidados pelo comportamento imoral deles.

E, vestida de maneira tão provocante, era difícil culpar alguém pelo tipo de atenção ofensiva que estava recebendo. Fingir-se de mulher fatal tinha sido parte essencial de seu plano, mas infelizmente tal plano a levara a uma situação com a qual não se sentia preparada para lidar.

Pelo menos, estava usando roupas íntimas, consolou-se, o que era mais do que podia dizer sobre algumas garotas que haviam sido convidadas para a festa!

Sarah pegou os drinques no bar, desviando os olhos de uma travessa de cristal cheia de pílulas sendo oferecidas de maneira imprudente por um jovem com um brinco de diamante na orelha. Ela não podia negar que estava chocada pela sordidez das coisas que aconteciam lá. Se aquele era o modo como os ricos e não famosos se divertiam atrás de portas fechadas, não era de se admirar que a sociedade estivesse corrompida!

Duvidava de que os donos ausentes da luxuosa mansão na praia, no bairro dos milionários de Auckland, tivessem dado permissão ao filho para fazer uma festinha agitada, enquanto estavam num cruzeiro pelo Mediterrâneo. Mas, considerando o esnobismo deles, provavelmente ficariam mais desgostosos pelo status social duvidoso dos convidados do que pelo álcool e pela promiscuidade sexual. Michael e seus amigos obviamente gostavam de temperar a vida privilegiada escolhendo um caminho perigoso.

Alguns seguranças da festa tinham tatuagens e usavam jeans rasgados e jaquetas de couro. Tudo que acontecia ali deu a Sarah um sentido de urgência renovado sobre a sua missão. Precisava apenas controlar os nervos por mais um tempinho...

Forçando um sorriso, foi para o salão de bilhar, segurando dois copos cheios acima da cabeça enquanto se espremia entre pessoas que tentavam falar umas com as outras apesar da música alta.

Suas esperanças de uma rápida escapada haviam desaparecido, e a cabeça começava a doer com o barulho e a tensão de fingir estar se divertindo, os cachos castanhos que normalmente emolduravam-lhe o rosto em formato de coração murchavam com o calor claustrofóbico. A fumaça fazia arder os olhos azuis e tirava-lhes o brilho. A única coisa que queria agora era voltar para o anfitrião semi-incoerente, fazer o que tinha de fazer e partir.

Michael lhe oferecera um tour ao redor de

uma área privada da casa, longe dos convidados, e no exato momento em que Sarah finalmente colocou os olhos em seu objetivo, foi enviada de volta para atuar como garçonete!

Ela passou pela porta do banheiro, onde antes tinha encontrado duas garotas que tiravam um conteúdo suspeito da bolsa e ouvira ruídos de um casal anônimo em um dos cubículos. Mentalmente afastando a lembrança sórdida, Sarah seguiu para a entrada do salão, onde um DJ estava aumentando o volume da música. Um cotovelo perdido golpeou-a no rim e ela tropeçou, colidindo com um homem suado, que aproveitou a oportunidade para tocá-la.

02

Com as mãos carregadas, Sarah ficou momentaneamente indefesa pelo ataque. Virou a cabeça de lado quando o estranho tentou beijá-la, emitindo um grito de protesto enquanto tentava se desvencilhar. Ninguém parecia notar o que estava acontecendo e, por um terrível momento, Sarah pensou que não conseguiria sair dali.

Medo e raiva a colocaram em ação, e ela ergueu um dos joelhos, satisfeita em atingir o ponto mais sensível do homem com força total. No momento em que recuou, diversos cubos de gelo caíram dos copos em cima da cabeça das pessoas ao redor, incluindo a do homem atrevido.

— Desculpem — gritou Sarah, aliviada por ser tirada da confusão por uma grande mão que a envolveu pela cintura e levou-a para um canto menos congestionado do corredor.

Ela abaixou os braços doloridos e sorriu agradecida para seu salvador, agarrando os copos junto ao peito parcialmente exposto, longe do impecável terno preto e da camisa branca do homem. Com 1,70 metro de altura, Sarah não se considerava baixa, mas, mesmo de salto alto, tinha de erguer o pescoço para ver além do maxilar bonito e barbeado acima do colarinho imaculado.

— Obrigada — disse ela ofegante, ainda abalada pela recente luta; por causa da fumaça, teve de piscar para poder focá-lo apropriadamente.

Conseguiu, um segundo antes de ele virar-se

e partir, e, chocada, registrou a expressão de desprezo nas feições do homem. Foi um balde de água fria, tirando-lhe o sorriso do rosto e fazendo Sarah sentir-se embaraçada.

Por   alguns minutos  depois que  ele desapareceu, ela ficou parada no lugar, tentando se convencer de que não lera corretamente a expressão do homem, mas o desdém revelado nos olhos azuis permaneceu vivo em sua memória.

As faces de Sarah queimavam como se tivesse levado um tapa. Ele não esperara nem o bastante para reconhecer o agradecimento dela. Talvez tivesse se arrependido de tê-la salvado. Ou talvez concluísse que ela provocara o homem até fazê-lo perder o controle. Provavelmente achara que o fato de Sarah piscar e estar ofegante fazia parte de algum jogo sexual.

Mas essa não sou realmente eu!, ela queria correr atrás dele e gritar.

Então, repreendeu-se. Que importância tinha o que qualquer pessoa daquela festa desprezível pensasse sobre sua aparência do momento? Afinal, nunca mais as veria.

Sarah agarrou os copos escorregadios com renovada determinação e foi em direção aos fundos da casa. Certo, talvez tivesse exagerado um pouco com sua meia preta, seus saltos altos e finos e seu vestido curto e justo, mas sabia que não podia confiar em sua aparência comum e suas maneiras antiquadas para conseguir o que necessitava naquela noite. Já havia tentado a aproximação refinada e não obtivera sucesso. Não podia esperar mais tempo.

Aquela noite era literalmente sua última chance de pagar o enorme débito de gratidão ao avô. Se tivesse sucesso, a humilhação temporária valeria a pena, e se não tivesse... bem, pelo menos saberia que tinha tentado.

Com isso em mente, reuniu coragem para encarar o homem imenso e musculoso que tentou impedi-la de entrar no pequeno hall que levava à ala familiar da casa.

— A festa é lá — murmurou ele, plantando uma bota preta na parede diante dela, barrando-lhe o caminho com a perna, e apontando com uma garrafa de cerveja sobre o ombro de Sarah.

— Estou na festa privada — argumentou ela. — Saí para buscar mais drinques, lembra?

— Oh, sim, era você — murmurou ele, abaixando a perna num movimento brusco. — Por que demorou tanto?

Ela imaginou-se derramando a cerveja sobre a cabeça dele e deu-lhe um sorriso estonteante.

— Havia uma longa fila para a toalete.

— Hã? — Os olhos dele se iluminaram com um sorriso perverso. — Oh, entendo. Trouxe o bastante para mim?

Oh, Deus, ele havia entendido errado!, percebeu Sarah, o sorriso desaparecendo.

— Desculpe, talvez na próxima viagem — disse ela afobada, indo para a porta sólida de metal no fim do corredor.

Não havia alto-falantes instalados lá, e o som

da festa mal penetrava as paredes grossas e portas pesadas da sala de “proteção” mobiliada com opulência.

3

Os olhos dela foram diretamente para a mesa lateral contra a parede, oposta ao sofá de couro branco. O frasco “peregrino” de porcelana chinesa ainda estava lá, pequeno e modesto, sua beleza delicada não notada pelos outros quatro ocupantes da sala iluminada pelo abajur.

Sarah se aproximou do homem relaxado no sofá. Sabia que ele tinha trinta anos, mas Michael Watson, ou “Ryan”, parecia anos mais jovem, o rosto fino quase sem forma em sua falta de personalidade. Ele aceitou a bebida que Sarah lhe entregou, com um sorriso tolo e mão trêmula.

— Desculpe fazê-lo esperar, mas está uma loucura lá fora — murmurou ela.

— Sem preocupações, querida. — Ele pegou a garrafa de cerveja também, e Sarah o estudou. Ryan estivera apenas bêbado quando ela partira, mas agora estava bastante alterado, julgando pela expressão do seu olhar. Havia uma loira de cabelos pintados sentada em seu colo, que a fitou com superioridade e apontou para o drinque na mão de Sarah.

— Eu fico com esse — disse.

Ryan fez um brinde incoerente com a garota em seu colo, e com a ruiva e a morena, uma de cada lado... as três mulheres com quem vinha se divertindo a noite toda. Tipicamente, parecia não lembrar do nome de nenhuma delas, mas dirigia-se a todas como “querida”. Ele ergueu o copo e disse:

— Saúde, garotas!

Todos riram, exceto Sarah, que percebeu que havia perdido algo que a tornara a estranha do grupo. No momento, todos a ignoravam, mas ela não sabia se podia confiar em que aquilo duraria. Pelo menos, tinha certeza de que nenhum deles poderia ser considerado testemunha confiável, se algo desse errado.

Consciente de que ainda tinha de fingir,

Sarah assumiu uma expressão zangada e moveu-se sobre a bolsa que deixara atrás de uma poltrona branca. Fez uma grande encenação de irritação enquanto cuidadosamente vasculhava a bolsa, murmurando dentro do couro preto abafado. Quando achou um batom barato e um espelho compacto, Ryan tinha começado uma de suas histórias sem sentido, e as três mulheres estavam em volta dele como cobras. Sarah aproximou-se mais da mesa com o frasco.

Bloqueando a vista do sofá com suas costas, abaixou a bolsa aberta ao nível da superfície polida. Como coração disparado, enfiou a mão e retirou a tampa da caixa do centro da bolsa com uma grossa almofada de plástico-bolha. Seus nervos estavam à flor da pele, mas ficou orgulhosa ao ver que a mão estava firme. Acostumada a manusear objetos finos e frágeis, seus dedos delgados removeram as camadas de lenço de papel e ergueram o pequeno frasco branco e azul de seu ninho macio.

Com um movimento suave que praticara repetidas vezes no estúdio de sua casa, colocou o frasco abobadado no topo da mesa com delicada precisão, e quase simultaneamente pegou o que estivera ali. Era pequeno o bastante para caber na palma de sua mão, mas mesmo assim segurou-o com a ponta dos dedos. Com um tremor, seus olhos profissionais encontraram e traçaram uma linha quase imperceptível que indicava uma rachadura restaurada inadequadamente. Já estava começando a desbotar, e com o tempo ficaria óbvio até para os leigos. A raiva a assolou momentaneamente enquanto olhava para a evidência da traição que sofrerá.

Percebendo um súbito silêncio atrás de si, rapidamente guardou o frasco na caixa preparada dentro da bolsa, olhando de lado para encontrar um par de olhos azuis familiares que a observavam da porta, condenando-a.

O pavor congelou-lhe o semblante, enquanto seus dedos continuavam a trabalhar cegamente, embrulhando a porcelana em camadas de lenço de papel e recolocando a tampa na caixa. Ela viu o estranho olhar do frasco sobre a mesa para sua mão, quando esta foi retirada de dentro da bolsa, inocentemente segurando um porta-batom.

Havia quanto tempo ele estava parado lá e o quanto vira realmente? Aqueles olhos gelados haviam assistido ao processo inteiro da troca, ou ele acabara de chegar e percebera apenas seus movimentos furtivos?

Infelizmente,  ele parecia estar completamente sóbrio, porém, as   aparências podiam enganar. Devia ter cerca de trinta anos, quase dez mais velho que Sarah, e as feições pálidas e angulares eram repletas de arrogância.

Ele seria tão austero e tedioso quanto a aparência sugeria? Se assim fosse, o que estava fazendo numa festa como aquela?

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