Prólogo
Seis meses antes - Julho de 2014.
Já faz meia hora que estou esperando a droga do motorista. Não sei por que Lucas insiste que eu ande com essa merda de motorista, se toda vez que eu preciso que me busque, ele me deixa esperando. Estou na frente do restaurante com duas sacolas nas mãos, passei no shopping para comprar o presente de aniversário da minha sogra e aproveitei para almoçar. Pedi ao motorista que voltasse em duas horas para me buscar, e cadê o infeliz? Já liguei três vezes para ele e nada! Argh!!
Tento chamar um táxi, mas parece que todos estão ocupados. Droga! Fecho os olhos e levanto a cabeça, rogando a Deus por paciência. Sinto algo cair em minha testa, abro os olhos e vejo mais uma gota de chuva em meu rosto. Era só o que me faltava!
Antes que a chuva aumente, ando com passos largos em direção ao ponto de ônibus mais próximo. Se Lucas sonhar que entrei em um ônibus, ele enfarta.
Não que eu ligue para isso, sempre gostei de andar de ônibus quando ia para a faculdade, era o único meio de liberdade que eu tinha. Ser de família tradicional e rica é um saco!
Ando mais ou menos uns cem metros, e com os saltos que eu estou, meus pés precisarão de um banho de sais.
Quando faltam uns dez metros para o ponto de ônibus, vejo caminhando em sentido contrário o homem mais lindo que eu já coloquei os olhos na vida.
Nesse momento parece que o tempo fica em câmera lenta, as pessoas em volta, o barulho dos carros, tudo some em questão de segundos. Cabelo castanho claro, que um dia já foi loiro, com certeza, olhos verdes, nariz afilado, sem barba, uma boca rosada. Parece ter um metro e noventa de altura, mesmo de terno dá para perceber que seu corpo é definido, malhado na medida certa.
Perco o fôlego e meu coração perde uma batida. Por um segundo paro de caminhar, mas rapidamente volto a fazê-lo. Percebo que ele está me encarando também com um sorrisinho lindo naquela boca. Meu Deus! Ele tem em uma das mãos uma pasta preta e na outra um celular. Quanto mais próximos ficamos um do outro, mais encantada fico por sua beleza. Ele realmente é lindo.
Passamos um pelo outro sem desviar o olhar, mas assim que ele sai do meu campo de visão, o tempo volta a correr normalmente, e consigo pensar na besteira que estava fazendo. Como pude ficar encarando um homem assim, tão descaradamente? Balanço minha cabeça de um lado para o outro e continuo seguindo o meu caminho. Olho para trás e o vejo caminhar na direção de um carro de luxo preto, suas costas largas e pernas torneadas me chamam a atenção.
V olto a caminhar e em cinco minutos chego ao ponto de ônibus, onde pergunto ao fiscal qual ônibus vai para Ipanema, ele me indica o ônibus e eu sigo para ele. Entro na fila pequena à minha frente, pago a passagem e consigo achar um lugar do lado direito e na janela, sento e nessa hora meu telefone começa a tocar, olho o visor e é o motorista! Atendo ao telefone.
— Senhora! Mil perdões! Estou chegando ao restaurante em quinze minutos!
— Jorge, já não estou no restaurante.
E eu falei para você voltar quarenta minutos atrás e não agora. Já estou em um ônibus. V olte para casa, daqui a pouco estarei lá.
— Senhora, eu tenho uma explicação!
— Tudo bem, Jorge, quando eu chegar, você me conta — encerro a ligação.
O ônibus começa a andar, aproveito para apreciar a vista. As únicas coisas ruins em andar de ônibus é que eu passo mal com tanto balanço, e ele demora para chegar ao destino com as muitas paradas nos pontos, mas fazer o quê? De repente, ouço uma buzina, mas não presto atenção porque meu celular começa a vibrar com uma mensagem do Lucas.
Lucas: O que você está fazendo dentro de uma lata de sardinha, Helena?
Detesto o modo como ele se refere ao meio de transporte da maioria da população brasileira. Ultimamente, tenho odiado muita coisa nele.
Mais duas buzinadas.
Eu: Estou dentro de um ônibus, pois o seu adorado motorista me deixou esperando por quarenta minutos.
Lucas: Não me interessa! Já disse para você parar com essa mania de pobre! Quando eu chegar em casa vamos conversar.
Não respondo, guardo o celular na bolsa, Lucas conseguiu me deixar irritada. Escuto mais três buzinadas seguidas. Meu Deus! Que motorista chato! Mais buzinas.
V ejo que todos os passageiros olham para o lado direito do ônibus, não sou curiosa, mas esse motorista está enchendo o saco. Quando vejo quem é, quase caio para trás! Ainda bem que já estava sentada. É o homem que encarei descaradamente. O que será que ele quer? Mais buzinas. O motorista do ônibus liga a seta para esquerda, e segundos depois encosta o ônibus na lateral da pista.
O bonitão de terno para o carro também, desce e vem na direção da janela do banco em que eu estou. Jesus!!
O que eu faço? O motorista começa a gritar um monte de palavrão, mas no momento me concentro no belo homem caminhando em minha direção. Mais uma vez fico hipnotizada de tal forma, que não consigo desviar o olhar quando ele para à minha frente. Como estou dentro do ônibus, ele tem que levantar a cabeça para olhar em meus olhos. Sorri o mais lindo dos sorrisos, tira um cartão do bolso e o estende para mim.
Fico em dúvida por alguns segundos entre aceitar ou não. Mas quando olho em seus olhos novamente, tomo minha decisão. Colocando o braço para fora da janela, pego o cartão, mas nem olho para o papel em minha mão, já que meus olhos estão presos no verde dos seus.
Sem desviar o olhar, guardo o cartão em minha bolsa.
— Qual é o seu nome? — sua voz grave e rouca me faz tremer dos pés à cabeça.
Quando vou responder, o motorista liga o motor do ônibus. Ele se afasta um pouco, mas continua esperando a minha resposta.
— Helena — consigo dizer, mas já era tarde, o motorista saiu em disparada.
Pego o cartão em minha bolsa e leio em voz alta o seu nome.
Marcos Assunção.
Belo nome. Assim como o dono.
Janeiro de 2015
Levanto e mais um dia não tenho nada para fazer, desde que me casei com Lucas que não trabalho. E isso é um tédio! V ou ao banheiro tomar um banho e pensar no que farei hoje para me distrair e enquanto a água cai sobre meu corpo, penso em como deixei minha vida se tornar tão vazia.
Trabalhei com meu pai por pouco tempo em sua empresa, e foi lá que o conheci. Nunca tinha visto homem mais bonito e educado que ele, até então.
Eu, recém-formada em administração, estava há um ano trabalhando diretamente com meu pai, Carlos Fontes, na C.F . Importação e Exportação Ltda. E foi em uma reunião que conheci Lucas Montenegro. Sua beleza e porte físico com quase dois metros de altura me impressionaram.
Mantinha um sorriso educado nos lábios, e sem querer me peguei analisando sua figura. Cabelo cor de mel em uma bagunça sexy, olhos na mesma cor do cabelo, barba por fazer, um corpo grande e definido vestido com um terno de três peças preto, uma camisa branca, gravata preta e sapatos sociais. Estava extremamente elegante e bonito.
Ruborizei no momento em que percebi que ele notou que eu estava admirando-o. Meu pai nos apresentou e durante toda a reunião, Lucas não tirou os olhos de mim. Eu me sentia constrangida e não estava gostando de como ele me olhava. Não consegui me concentrar, mal prestei atenção na pauta discutida na sala. Assim que terminou a bendita reunião, peguei meus pertences e me dirigi para a minha sala, que era ao lado da sala do meu pai. Coloquei meu tablet e minha agenda em cima da mesa e fui ao banheiro lavar as mãos que estavam suadas de tão nervosa que fiquei. Olhei-me no espelho e meu rosto estava vermelho como um tomate, fechei os olhos e respirei fundo. Em meus vinte e três anos nunca tive um namoro firme, minha mãe sempre quis que eu fosse como ela, que encontrasse um homem rico e me casasse para nunca precisar trabalhar. Nunca pensei ou agi dessa forma, sempre acreditei que quando me casasse seria por amor, e que meu marido e eu lutaríamos por nossos sonhos. Ledo engano.
Assim que abri a porta do banheiro, eu o vi sentado na cadeira em frente à minha mesa. Fechei a porta e ele, ao ouvir o barulho, se virou em minha direção e sorriu. Não sabia o que fazer ou falar, aquele homem enorme e eu, na minha sala, era intimidante, mas não o deixaria perceber o quanto me afetava.
Suspirei baixinho, ele era muito bonito.
Levantou-se, estendendo a mão esquerda em forma de cumprimento.
— Oi. Desculpe entrar em sua sala sem avisar, mas gostaria muito de me apresentar formalmente, senhorita Fontes. Sou Lucas Montenegro, é um imenso prazer, enfim, conhecê-la.
Toquei sua mão com a minha e senti um arrepio, pensei que fosse de excitação. Ele sorriu abertamente para mim e esperou que eu falasse algo.
— Prazer em conhecê-lo, senhor Montenegro. Sou Helena Fontes, mas você já sabe disso. Sente-se, por favor.
Indiquei a cadeira em que ele estava sentado há poucos minutos, dei a volta em minha mesa e sentei em minha cadeira. Queria a todo custo me manter longe dele, só não sabia o motivo.
— Obrigado. Mas me chame apenas de Lucas, por favor — ele respondeu, enquanto se acomodava na cadeira.
— Em que posso ajudar, Lucas?
Imagino que tenha um motivo para você estar em minha sala?
— Sim, tem um motivo, Helena. Vim convidá-la para almoçar.
— Agradeço o convite, mas terei que recusar. Tenho um compromisso.
— Tudo bem. Então, que tal jantar?
Às oito horas, pode ser?
Percebi que se não aceitasse, ele ficaria insistindo. E além do mais, não vi mal algum em jantar com um colega de trabalho.
— Tudo bem, às oito.
— Fico feliz que tenha aceitado.
Passo em sua casa mais tarde.
E foi assim, aos poucos, que ele me conquistou com seu jeito despojado e extrovertido, romântico ao extremo, e muito educado. Começamos a namorar e em pouco tempo me apaixonei perdidamente por ele. Ele parecia estar apaixonado por mim também, então quando me pediu em casamento três meses depois, eu aceitei. Nos casamos em menos de dois meses, tínhamos pressa em estarmos juntos. Eu realmente acreditava que seríamos felizes para sempre. Aos poucos, ele foi se mostrando ser ciumento, mas era com coisas pequenas e eu sempre achei que fosse uma forma de ele demonstrar que me amava. Eu até gostava, achava bonitinho. Depois de um ano de casada, Lucas implorou que eu deixasse de trabalhar e eu cedi. Eu o amava tanto, que tudo o que me pedia, eu fazia. Ele dizia que não queria a esposa trabalhando, e que queria sempre me encontrar em casa quando chegasse do trabalho. E eu boba e apaixonada, aceitei. Se arrependimento matasse!
Olho à minha volta, para o nosso quarto, e suspiro triste. Decido dar uma volta, já que hoje é domingo e o meu marido, que era para estar comigo, está em mais uma reunião de trabalho. Então escolho um vestido longo de tecido leve, morar no Rio de Janeiro tem suas vantagens. Coloco umas pulseiras no braço direito, no esquerdo um relógio, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo, e vou comer alguma coisa.
Depois calço uma rasteirinha, pego meus óculos e bolsa, e saio da cobertura. É o único apartamento do andar, o elevador é particular, então nunca encontro os meus vizinhos. Até o estilo do apartamento foi escolhido para me manter isolada de tudo e de todos.
Meu pai se afastou de mim drasticamente, assim que me casei, ele assumiu o namoro com Maria Luísa, a recepcionista da empresa. Maria Luísa tem vinte e três anos, é uma mulher linda, mas totalmente fútil e invejosa.
Hoje estão casados e ela faz de tudo para que meu pai se afaste cada vez mais de mim.
Não tenho mais amigas próximas, não tenho ninguém além de Lucas. V ejo meu pai e sua esposa em algumas ocasiões sociais da empresa ou em alguma festa chique que eles inventam.
Saio do prédio e não sei para onde ir.
Na verdade, não tenho para onde ir. Sigo para a orla da praia, onde eu caminho um pouco. Paro em um quiosque a duzentos metros da cobertura, sento na cadeira de madeira e coloco minha bolsa em cima da mesa. Peço uma água de coco e fico olhando o mar. Suas ondas ora são calmas, outras agitadas.
Queria que minha vida fosse assim, que tivesse movimento, que tivesse frescor.
Mas minha vida está mais parecida com um rio, sem mudar o percurso, sempre seguindo a calmaria. Estou casada há cinco anos e mais parece cinquenta, não sei como isso foi acontecer.
A moça do quiosque traz meu coco com um canudo e eu volto ao presente por uns instantes. Pego-o nas mãos, me recosto na cadeira e continuo contemplando o horizonte, e pensando.
No início do casamento éramos felizes, apaixonados e estávamos sempre juntos, viajando, fazendo programas de casais.
Já não sei quanto tempo que não fazemos mais isso, aos poucos, Lucas passou a ter menos tempo para mim, principalmente quando deixei de trabalhar. Nunca tem tempo para sair, nunca está em casa, sempre em reuniões importantes. Passou a ser menos carinhoso, menos romântico. Achei que fosse natural acontecer isso com os casais, mas comecei a olhar em volta. E todos os que eu conhecia eram diferentes, pelo menos pareciam ser diferentes. Até esse momento, ele ainda reservava o domingo para passar comigo. Agora, nem isso mais. Passo sete dias da semana sem ter com quem conversar. A única conversa que ele quer é na cama. Sexo. O que não é sempre, já que ele mal me procura. É só nesse momento que temos alguma intimidade, e sempre que terminamos, ele parece voltar a ser aquele homem que conheci. Mas basta acordar no dia seguinte, que tudo volta ao que se tornou normal.
Além disso, passei a perceber que ele é muito arrogante e autoritário. Tudo tem que ser feito da forma que ele quer, não importa o que eu penso. Ele diz que toma essas atitudes pensando no meu bem-estar, mas são poucas as vezes que concordo com isso. Também passou a ser muito ciumento, mais do que já era, controla tudo a minha volta, inclusive a mim. Controla o que eu como, o que visto, onde vou e com quem vou.
Controla com quem falo, foi assim que ele conseguiu afastar todas as minhas amigas. Ele me controla através do motorista, Jorge. E quando Jorge não está comigo, rapidamente me liga para saber o que estou fazendo, me mandando voltar para casa imediatamente. Nunca fez cenas de ciúme em público, também nunca foi violento. Sempre achei que essa era uma forma de mostrar que me ama, mas hoje já não sei mais.
Depois de mais de duas horas sentada olhando o mar sem falar nada, apenas pensando muito, e de duas águas de coco, resolvo que tenho que tentar mudar essa situação. Ainda gosto de Lucas, não sei se o suficiente para amá-lo novamente, mas ainda assim gosto dele. Pergunto-me se ainda quero salvar nosso relacionamento. Sim, eu quero e acho que temos chance de voltar a ser o que éramos antes. Então preciso mudar de atitude, parar de ficar acomodada com a nossa situação e tentar mudá-la de alguma forma. Um pouco mais animada com essa nova perspectiva, pago minha conta e vou almoçar em algum restaurante perto de casa mesmo.
**** Após o almoço, pego um táxi e vou ao shopping. Ligo para Lucas para avisar onde estou, antes que ele o faça.
Pergunto como está a reunião e ele me diz que está produtiva, pergunto também se vai demorar para chegar e ele me diz que no máximo às sete da noite estará em casa. Ótimo! Dará tempo de fazer tudo o que eu preciso. Chego ao Shopping Leblon, pago ao taxista e entro. V ou olhando as lojas com calma até me deparar com o que eu queria.
Uma loja especializada em lingeries.
Entro e logo uma vendedora sorridente vem me atender.
— Boa tarde, senhora. Posso ajudá-la em algo?
— Sim. Preciso de uma lingerie extremamente sexy, mas romântica ao mesmo tempo. V ocê tem aqui?
— Sim, senhora. Por favor, me acompanhe até uma sala reservada — ela vai à frente, mostrando o caminho.
Abre a porta para mim e faz um gesto para que eu entre. — Aguarde um momento, por favor, já trago o que a senhora pediu.
— Tudo bem.
Espero alguns minutos, poucos minutos. Escuto a porta ser aberta e a vendedora prestativa entra com nada menos do que trinta lingeries diferentes, de todas as cores e modelos. Ela vai mostrando uma por uma. Sutiãs e calcinhas, espartilhos, camisolas e baby dolls estão sobre a mesa, enquanto olho um por um, tentando me decidir qual levar. Depois de uma hora olhando e experimentando, opto por três lingeries diferentes; um conjunto de sutiã e calcinha na cor vermelha; uma camisola branca com a parte do sutiã em tecido e o restante em renda e uma calcinha pequenina combinando; um espartilho preto com cinta-liga e meia-fina. Pronto!
Quando chegar em casa, decido o que usar. Faço o pagamento das minhas compras, saio do shopping, já ligando para o SPA. Preciso ficar bonita e relaxada para o meu marido. Pego um táxi e enquanto estou indo ao SPA, ligo para a casa.
— Casa dos Montenegro, boa tarde — Joana atende com sua voz firme.
— Oi, Joana, sou eu. Por favor, peça para a Ângela para que prepare o prato preferido do Lucas, uma sobremesa também. Separe, por favor, um vinho que combine com o jantar. Deixe tudo preparado no deque da piscina, e coloque velas, mas deixe que eu as acenderei na hora certa. Preciso disso tudo pronto às sete horas em ponto, tudo bem?
— Sim, senhora Montenegro. Mais alguma coisa?
— Sim, Joana. Prepare meu quarto também com velas e rosas vermelhas.
Estarei em casa às seis horas.
— Tudo bem, senhora. Estará tudo pronto.
— Obrigada, Joana. Até daqui a pouco.
Encerro a ligação. V ou para o SPA mais do que ansiosa, quero que tudo dê certo e que esse seja o primeiro passo para o nosso recomeço.
Chego à cobertura às seis e meia da noite. A tarde que passei no SPA foi maravilhosa. Fiz esfoliação, massagem no corpo todo, banho de ouro e mais algumas coisinhas. Saí de lá com a pele reluzente, como eu queria estar, com a pele macia e sedosa. Lucas vai adorar.
Assim que abro a porta, sou acometida pelos aromas mais divinos que já senti. Ângela é uma cozinheira de mão cheia, não há nada nesse mundo que ela não saiba fazer. E se ela não souber, aprende em dois tempos. V ou até a cozinha verificar se está tudo como pedi. Assim que entro na cozinha, vejo Ângela finalizando o prato preferido de Lucas.
— Boa noite, Ângela. Nossa! O aroma está lá na entrada! Fez o que eu pedi?
— Boa noite, senhora. Sim, fiz o que me pediu. Como entrada fiz uma salada crocante, que tem como ingredientes muçarela de búfala, tomates cerejas, rúcula, pão de forma sem casca, mostarda Dijon e mel, azeite e sal. Para o prato principal, fiz Lagosta ao Thermidor, a refeição preferida do senhor Montenegro.
— E para sobremesa?
— Fiz petit gateau, sei que a senhora gosta — ela responde, sorrindo docemente.
— Perfeito. V ou ligar para o Lucas e confirmar o horário que ele vai chegar — falo, já saindo da cozinha indo em direção à minha bolsa que deixei na sala.
— Tudo bem, senhora. V ou manter a refeição aquecida.
Chego à sala e pego o celular que estava em minha bolsa em cima do aparador. Desbloqueio a tela e ligo para o meu marido. No quarto toque, ele atende.
— Oi.
— Oi, Lucas. Só estou ligando para confirmar o horário que vai chegar — falo receosa, não quero que ele perceba que estou preparando uma surpresa para ele.
— Devo chegar aí às sete e meia, mais tardar oito horas. Por que quer saber?
— Por nada. É que hoje é domingo e queria um pouco da sua companhia.
Escuto seu suspiro através do aparelho. Fecho os olhos. Silêncio.
Alguns segundos depois escuto sua voz mais suave.
— Ok, Lena. Daqui a pouco estou aí.
Sorrio feliz.
— Tudo bem, estarei te esperando.
Encerro a ligação. Corro até a cozinha e aviso a Ângela para manter a comida aquecida, que Lucas chegará mais tardar às oito horas. Como está tudo ok na cozinha, vou até a varanda e encontro a Joana arrumando a mesa do deque, como eu pedi. Elogio seu trabalho, ela me fala que já arrumou o quarto, agradeço a sua dedicação e vou me arrumar. Na sala, pego minha bolsa e as sacolas com as minhas lingeries e sigo para o quarto.
Assim que entro no quarto, me surpreendo. Joana fez mais do que eu pedi. Além das velas brancas, largas e redondas colocadas em posições estratégicas próximas à cama, deixando o ambiente a meia luz, há também pétalas de rosas vermelhas em formato de coração na cama e algumas jogadas grosseiramente pelo chão do quarto.
Essa noite promete. Guardo minha bolsa e as sacolas no closet e sigo para o banheiro. Tiro a roupa rapidamente, prendo meu cabelo em um coque e tomo um banho lento e suave, já estava limpa devido aos tratamentos no SPA, mas não poderia ficar sem tomar mais um banho.
Seco meu corpo com calma e visto meu roupão branco. Pego no closet a sacola com as minhas armas da noite e escolho a que mais combina comigo. A camisola branca de renda com a calcinha combinando. Visto um robe de seda branco por cima da camisola e um chinelo próprio para usar depois do banho, ele é todo felpudo e macio.
V erifico as horas no relógio, são sete horas e vinte minutos da noite. Passo meu perfume suave, solto meu cabelo, dando uma leve bagunçada, o deixando com uma aparência mais selvagem.
Agora sim, estou pronta. Saio do quarto levando comigo uma muda de roupa para Lucas tomar banho, todos os dias ele já chega indo direto se refrescar, fecho a porta e deixo a roupa no quarto de hóspedes. Encontro com Ângela e Joana na cozinha, peço a elas que deixem a comida na bandeja aquecida, cada prato com sua tampa de inox.
Dispenso as duas, aviso que não precisarei mais delas por hoje, então elas se despedem e cada uma vai para o seu quarto, que ficam atrás da cozinha na ala dos empregados.
Repasso as coisas na minha cabeça.
Comida preferida? Ok.
Vinho gelado? Ok.
Mesa no deque? Ok.
Quarto lindo? Ok.
Eu e minha lingerie mais que perfeita? Ok.
Tudo está do jeito que eu queria, basta agora esperar por ele.
Encho uma taça com vinho e me dirijo para a sala. Paro em frente ao aparelho de som a fim de escolher uma música bem suave, coloco a taça na estante e pego os CDs. Olhando-os com calma, escolho um da Isabela Taviani.
Coloco o CD para tocar, pego minha taça e vou para o deque, onde me deito na espreguiçadeira próxima à mesa, que está linda, por sinal. Fecho os olhos pedindo a Deus que eu esteja no caminho certo, que tentar melhorar meu casamento seja a coisa certa. Tomo mais um gole de vinho e após algum tempo começo a prestar atenção nas músicas que tocam. Uma em particular mexe comigo, sinto que fala da minha vida.
Não demora agora Há tanto pra gente conversar Eu desejo e vejo, a rua, você atravessar E os seus passos largos já não me incomodam Não te acompanho mais, caminho do meu modo Seus olhos turvos e pouco sinceros Não me atormentam quanto mais eu enxergo Eu e você, podia ser Mas o vento mudou a direção Eu e você e esta canção Pra dizer adeus ao nosso, ao nosso coração Será que o nosso tempo já passou e não fizemos nada? Suspiro. V ou tentar, tenho que tentar. Hoje mudarei essa situação. Era isso que faltava, uma atitude minha. Estou determinada a nos dar mais uma chance, não é possível que um casamento tão novo, com um casal tão jovem não tenha mais conserto.
Lucas é um bom marido, exceto pelo controle excessivo e pelo trabalho.
Nunca me deixou faltar nada, exceto atenção e carinho. Será que isso é culpa minha? Sempre fiz o que ele me pediu, larguei minha carreira, me afastei dos meus amigos. Vivo para ele. O que nos falta, meu Deus?
Tá na minha frente Não se perturbe verdade é pra falar Sei que vai morrer um pouco Mas ainda há tanto pra lembrar Teu sorriso lindo, indefinido Suas mãos tão quentes atravessando o meu vestido Palavras que falávamos simultaneamente No meu ouvido o seu discurso indecente Às vezes o amor Escorre como areia entre os dedos Não tem explicação para tantos erros É melhor partir Antes do último grão cair Fico tanto tempo deitada pensando, que não percebo que o CD já acabou e a casa está em um silêncio esmagador.
Levanto para trocar o CD, aproveito para verificar a hora. Levo um susto, já são nove horas e Lucas não chegou.
Coloco outro CD, pego meu celular na mesinha da sala e volto para o deque.
Encho minha taça novamente, me sento, desbloqueio o celular e ligo para o meu marido. A ligação vai para a caixa postal, ligo mais uma vez e acontece o mesmo.
Respiro fundo, me deito e relaxo, o jeito é esperar. Deposito minha taça na mesa e fico perdida no tempo, olhando para o céu. Não percebo quando, mas caio no sono.
Sinto frio, abro os olhos devagar e percebo que ainda estou deitada na espreguiçadeira no deque. Levanto meio sonolenta e vou para dentro de casa, não antes de ficar uns instantes olhando para a mesa arrumada. V ou direto para a cozinha, bebo um copo de água e aproveito para guardar toda a comida.
Balanço a cabeça triste, mais uma tentativa em vão. Por onde passo, vou desligando as luzes, então olho para o relógio e vejo que já é meia-noite.
Que raios de trabalho é esse que ele precisou do domingo inteiro para isso?
Meia-noite? Sério? Eu já vinha desconfiando há algum tempo, não queria acreditar, mas está na cara de quem quiser ver. Lucas tem uma amante.
Só pode ser isso. Nenhum homem deixa sua esposa jovem, sozinha, para trabalhar os sete dias da semana. Meu Deus! Hoje é domingo! Não acredito nisso.
Enquanto vou andando para o quarto, fico pensando em uma forma de ter certeza que meu marido me trai. Abro a porta do quarto e acendo a luz, e aí a decepção se torna maior ainda ao olhar para o quarto todo arrumado de forma romântica. Fecho a porta e me dirijo ao quarto de hóspedes, onde me deito triste, sozinha e chorando, e acabo dormindo novamente.
Acordo às nove da manhã na segunda-feira, fico deitada de lado com as mãos embaixo da cabeça pensando no que fazer. Essa hora Lucas já saiu para trabalhar, então somos eu e os empregados. Levanto quinze minutos depois, decidida a descobrir tudo o que Lucas me esconde. V ou para o nosso quarto, tomo um banho e coloco um vestidinho de alcinha florido que vai até o meio das minhas coxas, faço uma trança lateral intercalada com uma fita de cetim branca, calço meus chinelos e vou tomar meu café da manhã.
Passo a manhã lendo um livro, não tenho muito o que fazer em casa, não tenho amigas para convidar para sair, nem família que se preocupe comigo.
Meu pai está vivendo a vida dele com Maria Luíza, minha mãe, dona Antônia Albuquerque, vive viajando. Agora, ela está na Turquia com seu novo namorado, nunca gravo o nome deles. Ela troca de namorado como troca de roupa, não dá nem tempo do meu cérebro processar a informação. Enfim, estou sozinha.
Estou almoçando quando o telefone toca, Joana atende e me passa o aparelho dizendo que é Lucas.
— Alô.
— Helena, tenho um jantar de negócios hoje à noite. Preciso que esteja pronta às oito horas em ponto. Chegarei em casa um pouco antes para tomar banho e me arrumar.
— Boa tarde para você também, Lucas.
— Desculpa, Helena. Estou muito ocupado, com a cabeça quente.
— Hum, imagino.
— Mais tarde nos falamos.
E desliga.
Perdi o apetite, deixo a comida de lado, cruzo as mãos na altura do meu queixo e apoio a minha cabeça ali.
Depois de muito pensar, não vejo outra saída além de contratar um detetive. Eu me levanto decidida, entro no escritório e vou direto para o notebook. A minha única opção é fazer uma boa pesquisa no Google para achar um detetive decente, não tenho para quem pedir ajuda.
Depois do que me pareceram horas, consigo o nome e demais informações de três detetives. Anoto tudo em uma folha, desligo o notebook e saio do escritório, indo para o quarto. Eu me sento na cama, pego o telefone e faço as ligações necessárias. Falei com os três, porém, só um me passou confiança, então marquei de me encontrar com ele amanhã, na parte da manhã. Espero que isso me ajude.
Já são quatro horas da tarde, quando pego a minha bolsa e saio do quarto, encontrando Joana no corredor. Peço a ela para avisar ao Jorge que estou de saída. Digo que estou indo para o salão e que qualquer coisa é só ligar para o meu celular. Na garagem, Jorge abre a porta do carro para mim, agradeço e digo para onde quero que ele me leve.
Duas horas depois, estou com o cabelo escovado e preso em um penteado, unhas e sobrancelhas retocadas, então Jorge me busca na porta do salão e vamos para a casa. Ele é como um segurança, não me deixa sozinha por nada, tenho que pensar como dispensá-lo amanhã.
Lucas chega às sete e meia, o horário que disse. Por que não fez o mesmo ontem? Enfim, quando ele chega, eu já estou vestida com um robe branco, falta apenas a maquiagem. Ele vai direto para o quarto de hóspedes tomar banho e se vestir. Às oito em ponto eu saio do quarto e ele já está na sala me aguardando. Assim que me aproximo, ele me olha dos pés à cabeça e um pequeno sorriso brota em sua boca.
— V ocê está linda.
Sorrio, boba. Faz muito tempo que ele não me elogia. Ele deve ter realmente apreciado o meu visual.
Coloquei um vestido que ele me deu de presente no mês anterior em comemoração ao nosso quinto aniversário de casamento, um tubinho preto de corte quadrado, com comprimento abaixo dos joelhos, nos pés um scarpin altíssimo preto. Para completar o visual, coloquei o conjunto de brincos e colar de diamantes que ele me deu junto com o vestido. Na minha mão direita, eu seguro a minha clucht preta, dentro já está meu celular, identidade, cartão de crédito e um batom.
— Obrigada, você também está lindo — ele se inclina e me beija suavemente.
— Todos morrerão de inveja. Tenho a mulher mais linda da empresa.
Pronto, meu sorriso foi embora. É só para isso que sirvo, para ser a esposa troféu?
— V amos? — Lucas coloca a palma da sua mão em minhas costas e me guia porta afora.
Chegamos à garagem do prédio em silêncio, Lucas concentrado no seu iPhone digitando furiosamente, enquanto caminhamos em direção ao BMW estacionado em nossa vaga, com Jorge à nossa espera. Ele abre a porta traseira, diz polidamente um boa-noite, que respondo e entro no carro, em seguida, Lucas entra.
Uma música suave está tocando baixinho, Lucas continua com a cara enfiada no telefone e eu me sentindo um peixe fora d'água. O que com certeza acontecerá várias vezes durante a noite.
Depois de vinte minutos que pareceram horas, Lucas enfim larga o celular. Olha para mim sorrindo, faz um carinho na minha bochecha e depois deposita sua mão em cima da minha perna.
— Como tem sido seus dias? — pergunto genuinamente interessada, já que quase não nos vemos.
— Cansativos. Muito trabalho.
— Hum, imagino, já que ontem seu trabalho o prendeu até depois da meia-noite — não consegui me segurar.
— Helena, não começa — Lucas suspira, começando a ficar irritado.
— Não começa? Sério, Lucas? — ele fecha os olhos e suspira mais uma vez.
— V ocê tem trabalhado mais que o normal ultimamente, o único tempo livre que tem é quando está dormindo. V ocê não conversa, não fica mais comigo e nem mesmo tem me tocado.
— Lena, escuta... — eu o interrompo.
Tenho que falar tudo o que está entalado há meses.
— Escuta você, Lucas! — Respiro fundo e me controlo. — Eu liguei para você, avisei que estava te esperando. Eu ainda acredito no nosso casamento, Lucas — suspiro. — Eu ainda quero acreditar, mas você torna tudo difícil.
Por que não ligou dizendo que não viria?
— Aconteceu um imprevisto.
— Imprevisto? Que tipo de imprevisto, Lucas? Ontem era domingo, era suposto você ficar em casa comigo.
O imprevisto foi você ter saído para trabalhar às nove da manhã e chegar de madrugada. V ocê vai ter coragem de me dizer que estava trabalhando até altas horas em um domingo?
— Basta! — Ele grita e eu me assusto. Ele nunca havia levantado a voz para mim. — Olha, Helena, isso não é conversa para termos agora, depois falamos sobre isso.
— Mas Lucas...
— Depois, Helena.
E a conversa foi adiada, mas não por muito tempo.
**** O jantar foi enfadonho como sempre.
Lucas e os outros três empresários passaram a noite falando de negócios, até porque esse era o objetivo do jantar.
Enquanto as mulheres só sabiam falar de joias, viagens e de quanto gastam por ano com plásticas. Um tédio sem fim. Eu cheguei muda e saí calada, apenas sorri e cumprimentei os presentes e falei esporadicamente quando me perguntavam algo. Fora isso, não interagi muito. A conversa era chata, as pessoas tediosas e fúteis, e a comida insossa. Minha noite não podia ser melhor!
Ao fim do jantar de negócios, às onze horas da noite, já estava exausta de tanto sorrir e fingir ouvir o que falavam.
Minha vida estava seguindo um rumo que eu nunca quis. Estava sendo o que minha mãe queria que eu fosse, uma mulher sem conteúdo, vazia, casada com um homem rico e distante. Nos despedimos de todos e voltamos para a cobertura. Quando enfim coloquei o pé dentro da minha sala, senti toda exaustão que o jantar me proporcionou. Nem força para discutir eu tinha, porém Lucas...
— O que foi que te deu hoje?
— Oi? — estou tão cansada que não consegui acompanhar o raciocínio dele.
— V ocê não participou das conversas, ficou lá no mundo da lua. E só falava quando alguém perguntava alguma coisa a você.
— Lucas, estou cansada. Amanhã conversamos, pode ser?
— Não, não pode. Quero saber o que há com você? — ele fala, vai à cozinha e retorna com um copo de uísque.
— Já que você quer conversar, vamos começar pelo assunto que está pendente — fico ereta e o encaro.
— Que assunto? — pergunta e bebe um gole da sua bebida, nitidamente desconfortável.
— Sobre você trabalhar sete dias da semana? Ter passado o domingo todo fora? Esse é o assunto pendente.
— Eu já disse que estava trabalhando, merda! — Lucas se exalta, passa a mão pelo cabelo e ela desce pelo rosto.
— E você quer que eu acredite nisso?
— Eu já disse, aconteceu um imprevisto.
— Me diga que imprevisto foi esse que o fez deixar a sua mulher esperando a noite toda. Huh? V amos, Lucas, fale!
— Cruzo os braços e espero sua resposta.
— Não tem como conversar com você, Helena — ele vira o conteúdo do copo todo de uma vez na boca, coloca-o na mesinha de centro e sai apressado para o banheiro.
Antes de ele passar por mim, eu digo.
— Sei. Não tem como conversar ou você não quer conversar?
Ele não me responde, passa por mim resmungando qualquer coisa. Estava tão cansada mentalmente e por consequência, fisicamente, que tiro os meus sapatos e os deixo na sala mesmo, minha bolsa deixo no aparador. Lucas ainda fala algo que eu não consigo ouvir lá do quarto de hóspedes, e nem quero saber o que é. V ou para o nosso quarto, tiro o vestido e depois de tirar a maquiagem e uma ducha rápida, coloco a primeira camisola que vejo pela frente, então me deito na cama.
Lucas logo se junta a mim e como sempre, quando trabalha até tarde no dia anterior, nem sequer encosta em mim.
Viro de lado agarrada ao travesseiro, fecho os olhos e o último pensamento que tenho antes de dormir é que amanhã começarei a desvendar seus segredos, Lucas Montenegro.
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