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Coração Acorrentado

Massacre de Kiun

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Aquele dia estava diferente dos anteriores. Jade deveria se sentir mais feliz, seu casamento seria no dia seguinte! Seu vestido finalmente estava pronto e ela o experimentava pela última vez sabendo que não seriam mais necessários ajustes. Ela estava perfeita, estava linda e tinha certeza disso. Théo iria ficar encantado, o dia de amanhã seria marcante em suas vidas...

Mas... Parece que havia algo errado.

— Tudo bem, Jade? Você não gostou de alguma parte? — Denise a perguntou vendo seu rosto pensativo.

Denise era uma boa amiga, a ajudou a fazer seu vestido e comprou várias pedrarias para colocar no corpete. Havia ficado lindo, Jade sabia que com suas mãos envolvidas ficaria perfeito! Ela sempre esteve com a mais nova desde criança, foram criadas praticamente juntas. Quando o pai de Jade morreu, ficaram apenas ela e sua mãe, e Denise as estendeu a mão ajudando a arranjar um emprego em um bar na cidade. Kiun era grande, era uma cidade muito boa de Tórus e Jade definitivamente amava viver ali. O rei Zian era um bom homem, não havia do que reclamar. Mas... Depois de alguns anos, a garota perdeu sua mãe também e quando achou que sua vida não tinha mais sentido, ele apareceu... Théo chegou de mansinho, e conquistou seu coração com seu jeito querido... Lhe trazia flores quase todo dia, a levava para comer e tentava preparar doces para Jade sabendo que adorava. Ele a tirou do abismo que ela estava e a colocou lá em cima... Jade sabia que devia muito a ele... E agora finalmente iríam se casar e viver felizes até seus últimos dias... Nada poderia estragar seu amor...

— Eu adorei, Denise. Obrigada... Não poderia ser mais perfeito! — A respondeu se virando de costas para enxergar a parte de trás.

— Ah, espera, falta o véu! — Denise exclamou correndo para pegar o que estava guardado em um pequeno baú no canto da sala.

Com todo o cuidado, ela o retirou e o ergueu mostrando à noiva a beleza daquele tecido... Ao ver o conjunto por completo, Jade sentiu seus olhos quererem lacrimejar, e ali  em frente ao espelho, teve a certeza de que estava perfeita. Théo merecia a ver assim, e ela tinha certeza de que iria acontecer.

Jade pediu para sua amiga retirar o véu e o guardar para que ela pudesse tirar o vestido e ir ver como os preparativos da festa estavam. Com todas as economias do casal, planejaram fazer a festa perto do rio, que ficava perto da cidade. A moça queria ir até lá para ver se tudo estava sendo arrumado exatamente como ela e Théo tinham pedido, mas antes que pudesse fazer isso, ela sentiu um arrepio percorrer pelo corpo, e uma sensação ruim a invadir...

O que era isso? Ela devia estar nervosa pelo dia de amanhã... Era isso... Só podia ser...

Procurando suas roupas antigas que deveriam estar em cima da cama, ouviu gritos vindos do lado de fora. Um tremor no chão fez suas pernas sentirem o medo, e sua mente sentia a dúvida fazer seu corpo querer ir para fora ver o que estava acontecendo. Denise veio atrás dela e colocou a cara na porta. Viram pessoas correndo desesperadas pegando suas crianças e suas coisas indo para qualquer lado. Eram muitos ao mesmo tempo fazendo isso, e Jade se perguntava o que estava acontecendo...

— Meu Deus... O que é isso? — Denise perguntou saindo da porta parando em sua varanda segurando com força seu vestido marrom simples.

— Por que todos estão correndo assim? — Perguntou nervosa a noiva sentindo seu coração bater mais rápido a cada segundo que passava.

Até que viram o que os fazia correr. Havia muitos homens em cavalos e alguns a pé com suas espadas sangrentas matando todos que estavam a sua frente.

Era o terror... Eles invadiram Kiun e estavam correndo atrás das pessoas cravando violentamente nos habitantes sem piedade alguma.

Os olhos da garota não acreditavam no que viam, queria fechá-los e fingir que tudo não passava de um pesadelo, mas cada vez que ela os abria, parecia pior. Jade pegou na mão de Denise e começou a correr com ela para fora dali. Precisavam salvar suas vidas, não importando mais nada.

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2

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Todos caídos ensanguentados, uns ainda tentavam andar feridos mas sabiam que logo morreriam por um daqueles monstros. Jade tentava encontrar sua amiga, correndo desesperada batendo nas pessoas que também tentavam salvar suas vidas. As duas haviam se soltado e se perdido acidentalmente no meio daquela confusão, e não conseguiam se encontrar...

Até que de repente Jade ouviu seu nome sendo gritado por uma voz que ela bem conhecia.

Théo...

Ela gritava de volta querendo o encontrar, mas quanto mais corria, mais o perdia... Ela precisava encontrá-lo, precisavam sair dali e fugir o quanto antes...

Cansada de olhar para todos os lados e ver o desespero das pessoas, sentia que o seu só crescia ao não ouvir mais seu amado gritar por ela... Porém  continuava chamando por seu nome...

— Théo! Théo! Por favor Théo onde você está? Théo! — Usava suas mãos para fazer o som sair mais alto, gritando por todos os lados.

Mesmo não o ouvindo mais, Jade continuava gritando, precisava acreditar que ele também estava a procurando... Mas quando viu que um dos soldados a avistou e começou a correr em sua direção, foi obrigada a correr para longe e tentar se esconder.

Atrás de um compartimento com várias coisas e sacos entulhados em cima, Jade tentava controlar sua respiração com os olhos fechados sentindo seu rosto receber as lágrimas quentes que rolavam contra a sua vontade. Era necessário fazer silêncio, aquele homem não podia lhe ver de maneira nenhuma... Por uma fresta naquele esconderijo, a garota resolveu espiar para ver se conseguia o enxergar, entretanto viu algo muito pior do que sua própria morte...

Seu corpo sentiu a falta de ar como se ter visto Théo jogado no chão tivesse tirado o que ela mais precisava. Seus olhos estavam em choque, suas lágrimas secaram imediatamente e seu coração recebeu um choque doloroso que a fez cair sentada para trás. Ali ela ficou até sentir as lágrimas voltarem a preencher seus olhos. Tudo o que Jade conseguia fazer era mover os lábios com dificuldade e sussurrar para o nada um "não...". Ali seu mundo desabou. Ela não se importava mais se eles a pegariam. Todos aqueles que Jade amava a deixaram... Ela deveria ser amaldiçoada a viver sozinha... Ou a morte deveria lhe esperar também.

Encostada na parede úmida e gelada, estava ela com o olhar vazio e a boca seca, relembrando cada momento em que vivenciaram juntos... Talvez até ela se fazia acreditar que estava delirando e que tudo não passava de um terror inventado pela sua própria cabeça. Mas não conseguia se atrever a olhar novamente por aquela fresta e ter a certeza de que... Era real...

Depois de muito tempo parada ali, percebeu que os gritos já tinham cessado, provavelmente aqueles malditos já haviam matado todos... Até que os ouviu entrando nas casas vazias para provavelmente observar bem o local... Ou ainda matar os que se esconderam...

Jade não conseguia se levantar dali, talvez nunca mais levantasse, realmente não se importava mais...

Porém quando se deu conta, um homem apareceu em sua frente, ele pareceu surpreso ao ver que ainda tinha alguém vivo, e com isso rapidamente pegou sua espada apontando para ela. A moça com o coração despedaçado subiu o olhar lentamente até ele, sem vida alguma.

Ele porém, a encarou nos olhos por alguns segundos, até escutar pela primeira vez a voz da garota:

— Me mate... Vocês já me tiraram todos os motivos que tinha para viver. — Seus olhos estavam baixos, não queria o olhar de volta.

O ouviu guardar sua espada depois de alguns segundos em que disse para ele a matar. A dúvida lhe veio fazendo Jade ficar apreensiva, pensando no que ele seria capaz de fazer. Aparentemente ele não iria tirar sua vida. Ele a pouparia? Com certeza não por bondade, ele faria isso sabendo que depois do que ela disse a vida seria pior do que a morte.

Jade subiu o olhar até ele novamente vendo sua expressão séria, ele parecia pensar olhando para os lados, até virar apenas os olhos para ela. Com uma ordem a garota pôde ouvir sua voz. Seu tom grave a mandava levantar, e sentindo o medo a tomar novamente, fez como ele mandou.

De repente percebeu que estava com medo de morrer, mesmo depois de tudo. Olhando para baixo, apertava suas mãos amassando seu vestido olhando firmemente para a espada dele que estava guardada. Ela queria pegá-la e o matar, mas entre alguém experiente e outra que nunca tocou em uma arma, como  poderia conseguir isso? Sem contar que os outros a matariam logo em seguida... E se ela corresse? Conseguiria ir longe? E se...

— Você vem comigo. — Sua voz forte porém mansa soou aos ouvidos da moça interrompendo seus pensamentos. O que ele queria?

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3

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A pegando pelo braço, ele a guiava até seu cavalo, enquanto Jade tentava se soltar, mas ele era mais forte do que ela e portanto a impossibilitava de fazer tal coisa.

— Você não tem esse direito! Vocês mataram todos eles! Levaram tudo o que eu tinha de mais precioso na minha vida! Eu... — Dizia até ser interrompida.

— Quieta, fique feliz que foi poupada. — Ele disse chegando com ela até seu cavalo.

— Não pode me obrigar a ir com você. — Disse o olhando séria.

Sua mão ainda estava a segurando e com o olhar pesado sobre ela, o viu levantando a cabeça num tom desafiador. Seu rosto mostrou um pequeno sorriso como se estivesse demonstrando que adorava ser desafiado, e abrindo a boca, Jade pôde novamente ouvir sua voz.

— Vamos ver.

— O que é isso? O rei Tark mandou matar todos os moradores de Kiun! — Outro homem apareceu junto de mais três com suas mãos apoiadas no cabo da espada.

— Tomamos essa cidade, ela agora é nossa, e... Essa bela moça é de Kezer, nosso reino, vocês não se lembram? — Ele disse irônico dizendo para todos que era assim que o rei deveria pensar.

Com a ajuda daqueles outros miseráveis, colocaram à força a antiga noiva em cima daquele cavalo e rapidamente o dono dele subiu atrás dela. Suas mãos estavam amarradas, mas estava sendo segurada pelo homem que a raptou, fazendo aquele momento se tornar ainda pior.

Para onde ela iria? O que aconteceria com ela? Lhe dava calafrios só de pensar no que aquele homem sombrio poderia lhe fazer. Não conseguia conter suas lágrimas, o choro veio e ela abaixou a cabeça esperando o pior, sabendo que ele já estava acontecendo.

Demorou algum tempo até que conseguíssem avistar alguma coisa. Era um castelo alto, rodeado por muralhas que pareciam não ter fim. Era um reino grande, mas a garota não sabia sobre ele, pois nunca saiu de Tórus... Talvez ali fosse Kezer.

Em poucos minutos os cavaleiros adentraram naquele lugar passando por seus enormes portões. Os soldados estavam carregando algumas coisas que trouxeram de Kiun, talvez para mostrar ao rei. O lugar era bonito, tinha casas coloridas, árvores bonitas e tudo parecia grandioso e majestoso, e isso fazia a jovem Jade se perguntar o que queriam com Kiun, eles tinham muito mais do que eles...

— Bem vinda a Kezer. — Disse o homem atrás dela a fazendo ter um arrepio do lado esquerdo do corpo, por onde ele se aproximou falando em seu ouvido.

Então ali era mesmo Kezer. O reino que destruiu a vida daquela garota cheia de sonhos prestes a se casar, ter uma família e ser feliz... O que fariam com ela agora?

Os dois eram os primeiros da fila de cavaleiros, e talvez isso significasse que o homem que a levava era alguém importante. Mas isso pouco lhe importava, Jade queria que todos estivessem mortos...

De repente todos pararam, e ela o viu sinalizar para que os demais continuassem o caminho, enquanto ele guiava o cavalo para o lado direito.

Enfim a garota se deu conta de que os outros estavam indo em direção aos portões do castelo, percebendo que possivelmente ela estava sendo levada para a casa do homem. Pensando um pouco, ele desceria do cavalo e em seguida iria a ajudar a descer.

Era aí que ela precisava agir.

Quando ele descesse, Jade planejava pegar as cordas do cavalo e o fazer cavalgar para longe dali. Era a única chance de fugir e ficar longe desses assassinos.

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