São quatro da manhã e o silêncio grita em todo o ambiente, começo novamente de forma rítmica batendo o dedo indicador na mesa do escritório da minha casa, e esse é o único som que escuto, tum, tum, tum...
Esse som me acalma, sempre me acalma, principalmente quando estou com algum problema e fico pensando tentando resolver, é claro que nem sempre consigo chegar à algum lugar nas minhas conclusões, mas quase sempre encontro uma solução que seja plausível.
O problema é que o dia já vai amanhecer e eu eu não encontro uma saída possível, estou um pouco desesperado porque tudo aponta para um caminho que eu não quero seguir, o que faço?
Encosto minha cabeça na cadeira, estiro minhas pernas, começo a girar a cadeira, pra lá e prá cá, continuo batendo o dedo na mesa de forma contínua e imagens dela começam a encher a minha mente e lembro do nosso primeiro encontro...
Estava chovendo bastante, olhei pelo vidro da janela do meu quarto e pensei como vou chegar intacto nesse casamento?
Meu primo casa-se hoje, e eu sou o abençoado padrinho portanto não posso me atrasar, bem que eu poderia ter ido me arrumar lá no sítio da família onde aconteceria o casamento, me arrependo agora, poderia ter deixado programado de lá mesmo, mas eu sabia que seria difícil me concentrar, certamente haveria uma algazarra de gente fazendo um monte de coisas não seria um ambiente tranquilo para trabalhar e infelizmente hoje era o prazo final da entrega do trabalho, me pergunto como consegui me atrasar desse jeito?
Não sei, eu presto serviço para várias empresas e sou conhecido por entregar o trabalho adiantado e por isso mesmo sou bem procurado no meu ramo, mas como diz minha tia Lúcia sempre tem a primeira vez para tudo, sorrio ao me lembrar da sua voz arrastada, 9lho aquela torrente de água confiro às horas, falta duas horas para a ocasião, decido que é melhor eu ir logo, vou gastar meia hora no caminho com essa chuva talvez 1 hora, é melhor deixar para se trocar lá, do que acabar molhando aquele terno caro, me movo rapidamente para sair logo.
Já estou quarenta minutos dentro do carro, e agora pelo menos cai uma garoa fina, falta um pouco mais de três quilômetros, estou quase lá, já cantei todas as músicas que gosto do Roupa Nova, então coloco a minha preferida para tocar novamente Sapato Velho, e quando chega no refrão eu começo a cantarolar:
"É, talvez eu seja simplesmente como um sapato velho
Mas ainda sirvo, se você quiser
Basta você me calçar
Que eu aqueço o frio dos seus pés."
Já vejo a porteira do sítio, suspiro aliviado, se eu atraso Marco não me perdoará, hoje é um muito importante para ele, ele planejou esse casamento nos mínimos detalhes com noiva a Gisele gente fina, eles serão muito felizes tenho certeza, diminuo a velocidade e passo pela porteira toda enfeitada, ainda bem que eles colocaram pedregulhos, se não esta estradinha seria pura lama, começo a saculejar um pouco e acho graça, percebo que estou de bom humor, é como dizem a felicidade das pessoas que você ama é a sua também, tá aí uma verdade...
Paro em frente a casa, e fico indeciso se estaciona ali mesmo ou deixo o carro no estacionamento que foi preparado do lado esquerdo, acho que é melhor estacionar no lugar certo, dou à ré e viro o volante para a esquerda, quando piso no acelerador uma criança sai correndo em disparada de dentro da casa, piso imediatamente no freio e puxo o freio de mão, meu coração acelera um pouco mas sei que não vou atropelá-la, e do nada uma mulher vestindo um roupão rosa sai correndo atrás da criança que deve ter seus 5 anos, abro um sorriso largo, quando lembro que também não fui santo quando pequeno. A mulher está com algumas coisas redondas no cabelo, e ela coloca a mão para segurá-los enquanto corre, então ela acelera um pouco mais se estica e pega o braço do menino arteiro, que estava sorrindo mas ligo faz cara de bravo, quando o para e o coloca em seus braços, ela vem dando um sermão no Miguel, logo descobri seu nome porque ela não para de repetir:
--Miguel, Miguel, como você pôde desobedecer? A tia é responsável por você, porque sua mãe está se maquinando, e eu Miguel estava, perceba estava no verbo passado maquiada...
Desço do caro, paro em frente à ela e pergunto:
-Está tudo bem?
Ela ergue seus olhos pra mim, e eu penso ual, mas nada transparece na minha face, ela responde
-- Desculpe senhor pelo infortúnio, e obrigada por ter o reflexo rápido, Miguel acha que tudo é brincadeira, não é mesmo? Ela encara a criança e ordena, pede desculpas ao senhor hum como você se chama por favor?
--Eu me chamo Samuel, mas não precisa pedir desculpas, está tudo bem...
Ela parece que não me escuta, por que ela olha insistentemente para o pequeno que logo diz:
--Deculpa Samel... Que fofo, logo falo desculpado, mas obedece a titia... como é seu nome? Encaro a moça e nem pisco quando perguntou, ela responde meio sem graça.
--Samira, obrigada e logo ela sai apressada.
Volto ao carro com um sorriso maior ainda.
Tudo saiu como o esperado, apesar dos contra tempos, todos estavam prontos no horário certo, e enfim Marco e Gisele casaram, no quintal foi armada uma tenda enorme, transparente, tinha um palco e alguém estava lá comandando o som, nessas festas a gente se socializa com aqueles parentes que tem século que não vemos, eu comprimento um aqui e acolá, conversso um pouquinho aqui, pergunto outra coisinha ali, até que sou puxado para trás e vejo tia Lúcia me repreendendo:
--Rapaz tu anda comendo o que? Parece cada dia mais alto, e como você deixou Marco lhe passar a perna? Ele é três anos mais jovens que você e está Ca-sa-do. Ela soletra pra mim, contando as sílabas no dedo, acho graça e falo a abraçando:
-- Bom te vê também tia, senti falta dessas cobranças tóxicas da sociedade à qual a senhora planteia. Ela me abraça e começa a reclamar...
-Lá vem você de novo com esse palavreado difícil, ela coloca a mão na testa e continua. Você não sabe, mas tem uma amiga da Gisele que fala assim como você, e eu fico perguntando o que você quis dizer? E o que isso significa? Ela responde, mas meu filhos porque você não fala normal?
Eu começo a rir, minha tia deve ter uns 60 anos e é um amor de pessoa, respondo:
-- Tia, a gente fala normal, tem muitas palavras que podemos usar para falar ou expressar, algo é acontece que as vezes o cérebro escolhe uma que é usada com menos frequência, vamos dizer assim ham... ela faz bico mas alfineta.
-- Ela é bonita sabia? Muito educada também, mas não vou dá uma de casamenteira porque vocês não dariam certo, são iguais, é como diz aquele ditado, os opostos se atraem, não é o caso de vocês, uma pena.
--Meu Deus! Tia!!! Lá vem a senhora e seus ditos populares. Eu reviro os olhos e ela me dá um tapinha no ombro, eu reclamo e falo que doeu, mas estou curioso, porque achei estranho a Samira ter falado infortúnio, uma mente inteligente me atrai e eu pergunto:
--Como chama essa menina bonita tia Lúcia?
Ela abre um sorriso enorme antes de responder.
--Samira, até que combina com o seu nome, ela gargalha e diz, você se interessou?
-- É lógico, não foi a senhora que disse que a moça é inteligente?
--Eu disse isso? Acho que eu disse que ela é chata falando igual à você. Ela me encara segurando o riso, eu não aguento e rimos juntos. De repente ela fica e diz:
-- Você quer que eu te apresente ela? Eu faço cara de paisagem, e ela continua.
--Sabe Sam, a tia brinca mas eu só quero o seu bem viu? Faz tempo que não vejo você se interessar por ninguém, você sabe sua mãe não faz segredo de nada sobre você, ela anda um pouco preocupada depois que você se mudou para a cidade e vive lá sozinho, ela disse que você só pensa em trabalho, trabalhar é bom meu filho, mas é só uma parte da vida, existe outras coisas para somar...
Eu suspiro, faz seis anos que deixei o interior e a casa dos meus pais, eu gosto muito daqui, mas prefiro a vida urbana, eles aceitaram mas não entendem...
--Eu sei tia das suas boas intenções, e eu agradeço de verdade, mas eu só tenho 29 anos, não tô no fim da vida hein... eu cutuco ela e começamos a rir de novo, alguém me abraça pelas costas e eu reconheço aquelas mãos, me viro exclamand:
-Mamãe?? Ohh mãe, a senhora já não me beijou o suficiente hoje? Quase não consigo ir me trocar para vim no casamento, não é verdade? Eu a abraço e ela me beija de cada lado da bochecha reclamando:
--Sabe Lúcia os filhos são tão ingratos, veja essa criança fica meses sem vê quem lhe deu à Luz, e eu não posso nem compensar com beijos o tempo perdido. Ela faz cara de pesar...
--Eu sei Hellen muito bem, mas acredite vai ficar quando ele começar começar namorar. Ela então aponta para o Marco que está cumprimentando alguns convidados logo à frente. Elas começam a rir e eu falo:
-- Vocês são muito dramáticas...
Minha mãe me encara diz
--Nós somos o que Samuel? Ela bate o pezinho no chão, ela é muito bonita, eu amo muito a minha mãe, agora preciso sair dessa enrascada...
-- Vocês são Damas lindas!!! Elas riem ainda mais, da minha saída inteligente, de repente sou puxado pelas pernas e quando olho para baixo meus encontram aquele sorriso arteiro do fofo Miguel...
O pequeno Miguel, agarrava-se em minhas pernas, me balançando levemente, eu digo:
--Oi de novo, e passei a mão em seus cabelos, ele tinhas os olhos brilhantes sabia que estava em apuros, mas parecia não se encomodar, ele levantou os bracinhos sugerindo que eu o pegasse, e foi o que eu fiz, assim que ele pousou nos meus braços eu ergui o olhar e dei de cara com ela a Samira, que foi logo dizendo:
--Miguel! de novo não, ela estende as mãos para pegá-lo, mas ele esconde seu rosto em meu pescoço e eu falo:
--Sem problemas Samira, deixe ele aqui um pouco... mas antes de terminar de falar minha mãe me interrompe.
--Miguel, você é um amor, Samira fique calma, porque não aproveita para comer uns docinhos, melhor ainda, não vi você curtir a festa, vamos resolver isso, e ela se vira pra mim, pega o Miguel do meu colo, ele prontamente rodeia com os bracinhos o seu pescoço, e ela continua falando..
--Vai meu filho, chama a moça para dançar... dessa vez eu que não deixo ela terminar, me direciono a ela e falo...
-- Poderia me dá a honra desta dança senhorita Samira? Eu estendo minha mão em sua direção, ela segura respondendo:
--Seria uma honra, senhor Samuel...
Meus olhos encontra-se com seus e sorrimos um para o outro, com a nossa formalidade fora de moda, poxa ela faz o meu tipo totalmente.
Eu não sou um exímio dançarino, mas dou pro gasto, dois pra lá e dois pra cá, serve pra todos os ritmos penso eu...
Está tocando evidências do Chitãozinho e Xoróro, eu sou bastante eclético no meu gosto musical, parece que ela gosta também iniciamos nossos passos, então percebo que ela obviamente não está usando aquele robe rosa, mas é um vestido rosa também, todo esvoaçante, muito provavelmente ela usa saltos, mas mesmo assim sua cabeça não alcança meu queixo, lembro de tia Lúcia quando outro ditado invade minha mente: Todo homem alto tem a sua baixinha, será que encontrei a minha? Sorrio e lhe pergunto:
--Então Samira, além de tia babá, você costuma trabalhar de quê? Sorrio gentilmente, ela corresponde e fala..
--É complicado, toda festa que minha irmã precisa ir, ela me chama, mas o Miguel nunca facilita, ela sorri e continua, mas eu normalmente trabalho de técnica de nutrição numa churrascaria perto de casa. E você?
--Pensei que fosse óbvio Samira, todo mundo fala que eu tenho cara de nerd, apesar de não usar óculos, ela gargalha...
--Poxa, deixa eu vê, ela escaneia o meu rosto com seu olhar, e fala: Hum acho que meu visor está quebrado, de primeira assim eu não diria que você fosse um nerd, tá com cara mais de... ela pausa pensa um pouco e fala: Cara de médico!
-Médico!!!!! Nada a haver Samira, porque você acha isso?
--Achei que você era Pediatra, você ficou super calmo hoje com aquele quase acidente e agora percebi vendo você com o Miguel, que você sabe lidar com crianças... ela começa rir, mas me diz errei feio?
--Total! lhe informo, eu sou programador, lido com programas infernais, que consomem todo o meu QI, mas eu gosto de crianças, apesar de ser filho único a minha família é numerosa, e sempre tem pelo menos um bebê ou uma criança pequena entre nós, acho fofo! Eu a encaro sorrindo e pergunto: E você gosta de dessa área de nutrição?
--Eu pensei que gostasse, agora acho que não gosto tanto, ando meio confusa nessa área profissional... ela olha para baixo... parece que esse assunto a deixa desconfortável, então as pessoas começam a cantar o refrão da música, o povo tá animado, as vozes vão ficando cada vez mais alta, então eu praticamente grito quando pergunto:
--E a vida sentimental, também tá confusa? Eu a olho nos olhos, que são de um castanho dourado intenso, muito mais lindos do que os meus, que são pretos sem graça, pelo menos eu acho...
Ela arfa surpresa, oras ela achou o que? que eu ia ficar enrolando a noite inteira? Estou interessado e ponto, preciso saber o estado civil dela, enquanto ela pensa eu pergunto de novo:
-- Você é solteira?
Agora seus olhos se abrem um pouco mais, mas ela responde educadamente...
--Sim sou solteira, e sem confusão, ela se descontrai e sorri, devolvendo a pergunta:
--E você?
Eu demoro um pouco pra responder, seu rosto fica um pouco avermelhado e eu acho graça quando digo:
--O que você acha? Ela parece se irritar, porque diz:
--Essa é a segunda vez que você não responde diretamente, vou ter que ficar tentando adivinhar tudo a seu respeito? Ual, ela me encara sem sorrir, eu quero rir mas agora não posso se não ela vai achar que estou debochando, eu suspiro para evitar o riso e respondo:
--É mania minha Samira, de ficar respondendo sempre com outra pergunta, mas se você quer que eu seja direto, então por você eu serei, sim estou solteiro, desde de sempre...agora eu dou risada e ela me segue, a tensão se dissipa, e a música termina, pego em sua mão e saímos da pista, avisto no canto direito a mesa dos doces e nos direcionamos para lá, pego um brigadeiro e pergunto você gosta? ela balança a cabeça indicando que sim, então vou colocando num pratinho os doces que ela vai apontando, seguro na sua mão novamente, localizo a minha mesa que está vazia e nos sentamos, mal ela morde um docinho e eu a chamo:
--Samira! Ela levanta seus olhos e eu pergunto: Você vai me dar o seu número?
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