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Agente Do F.B.I

Sinopse/Prólogo

Quando Rowan deixou o FBI para dedicar-se a escrever novelas de suspense,

acreditou que começava uma vida muito mais tranqüila e relaxada.

Equivocava-se: um assassino em série está recriando em suas vítimas os crimes dos livros que ela escreve,

passo a passo, fundindo realidade e ficção em um pesadelo do qual a jovem não pode escapar.

Forçada a aceitar a proteção da equipe formada pelos irmãos John e Michael,

Rowan se dá conta de que a chave para encontrar o assassino está oculta em seu próprio passado,

em uma infância que não se atreve a recordar.

E enquanto enfrenta seus demônios interiores,

a relação com os dois homens que têm que protegê-la se complica inesperadamente…

UMA EX-AGENTE ATORMENTADA PELO PASSADO…

O passado de Rowan antes de sua entrada na academia do FBI é um mistério: só consta que mudou de nome e foi parar em um orfanato. Sinais mencionam um acontecimento terrível em sua infância, de uma ferida profunda que lhe deixou a pessoa que deveria tê-la querido e protegido mais que ninguém. Agora sabe usar uma arma, tem sucesso, é uma mulher forte, segura de si mesma. Mas de novo tem que enfrentar o medo, a ameaça que se infiltra em seus momentos mais vulneráveis. Um demônio do seu passado retornou na forma de assassino. Para vencê-lo, terá que aprender a confiar em outras pessoas e enfrentar seus fantasmas mais horrorosos.

… E DOIS HOMENS DISPOSTOS A TUDO POR PROTEGÊ-LA

Antigo membro do corpo de elite Delta Force, John agora ganha a vida em um negócio familiar de segurança, junto a seus irmãos Michael e Tess. Recém-chegado de uma missão na selva colombiana, descobre que seu irmão tem um interesse mais que profissional pela mulher a quem deve proteger, Rowan Smith. Não é raro que isso aconteça a Michael, o namorador. O estranho é que o próprio John, muito a contragosto, seja também seduzido pela formosa e independente escritora. Um perigoso triângulo de emoções, sobre tudo quando um desumano assassino em série ronda a jovem e ameaça qualquer um que esteja perto dela.

PRÓLOGO

Observou-a de longe. Objetivamente, como um cientista contemplaria um micróbio interessante. Inclusive dessa distância, era uma mulher atraente.

Cabelo loiro e comprido recolhido em um coque compacto. Um perfil aristocrático. Um nariz como um ponto pequeno e afunilado. Os ossos do rosto poderiam parecer traços de nobreza, embora ele os considerasse muito angulosos. Tinha um corpo magro e atlético, discretamente musculoso. Nenhum de seus traços era suave.

Exceto os olhos.

Estavam ocultos atrás de óculos de sol John Lennon, mas ele lembrava que eram da cor do mar, da cor cinza azulada do oceano Atlântico em um dia limpo. Sim, tinha olhos suaves porque neles se adivinhava a emoção, e por isso os ocultava atrás desses óculos horríveis. Ela queria ser tão dura quanto parecia, mas por dentro era suave. Frágil. Uma mulher.

Veria esses olhos pela última vez no momento antes de matá-la. Encheriam-se de medo, porque entenderia a verdade. Com o coração pulsando com força, sentiu que o sangue lhe subia à cabeça. Sim, quando ela entendesse a verdade, ele teria se libertado. Sorriu.

Ela pensava que ele não podia tocá-la. Será que pensava nele alguma vez? Não sabia. Mas antes que acabasse o jogo, pensaria nele, teria-lhe medo, sentiria a força de sua vingança.

Matá-la não era o princípio e, certamente, não seria o final. Muitas outras também mereciam morrer.

Mas a morte dela seria a que lhe proporcionaria maior satisfação.

Enquanto a olhava, observou que hesitava ao abrir a porta de sua Mercedes cupê preto e olhava a seu redor. O coração lhe acelerou ligeiramente. Será que o pressentia? Ela não podia vê-lo e, se por acaso o visse, lembraria-se? O seu era um rosto normal e comum, o rosto de um cara qualquer. Ela sabia o que era a loucura, mas ele não estava louco. Sabia o que era o terror, mas ele não era aterrorizador. Agora, não. Sabia dissimular habilmente sua excitação, sua raiva, sua fúria.

Era muito divertido brincar com ela! Um último olhar. Olhou-o, embora não o visse. Entretanto, provavelmente intuísse algo porque subiu rapidamente no esportivo e o pôs em funcionamento. Com o coração galopante e os punhos apertados, ele imaginou que a agarrava pelo pescoço longo e magro e o quebrava.

Não, não lhe quebrarei o pescoço. Muito fácil. Muito rápido.

Ao contrário, estrangularei-a pouco a pouco. Afogarei-a. Ficarei olhando enquanto fica azul. Então a soltarei, que respire algumas vezes. Que pense que tem uma possibilidade, que há uma esperança.

E depois voltarei a apertar.

Veria como seu olhar se enchia de entendimento, de medo, e de uma vaga esperança cada vez que ele a deixasse respirar. E, finalmente, a consciência de que toda esperança era inútil. Só a morte. E quando esses olhos claros o olhassem, ela entenderia que tudo era culpa dela.

Devia ter morrido anos atrás.

Ficou olhando a estrada um bom tempo depois que o carro desapareceu de sua vista. Devolveu com cuidado os binóculos ao estojo.

Ela não iria a nenhuma parte. Tinha todo o tempo do mundo para matá-la. Voltou para seu carro caminhando e lançou um último olhar para a casa antes de dirigir-se ao aeroporto. Esperava-lhe muito trabalho nas próximas vinte e quatro horas, mas voltaria a tempo para ver o seu rosto quando lhe contassem o que tinha feito.

Tinha chegado o momento de pôr mãos à obra.

1

Rowan Smith se inteirou do assassinato de Doreen Rodriguez pelos repórteres que invadiram seu jardim. Foi na segunda-feira pela manhã.

Ouviu a porta de um carro que se fechava violentamente e despertou assustada. Procurou instintivamente a pistola, que já não estava sob seu travesseiro, e enquanto procurava entre os frescos lençóis de algodão, lembrou que a tinha deixado em sua mesinha de cabeceira. Hesitou um instante, mas em seguida agarrou a Glock e sentiu o metal frio nas mãos. Não conseguia pensar em um bom motivo para pegar sua pistola, mas se sentia bem empunhando-a.

Havia dormido usando uma calça de moletom e uma camiseta, um velho costume de estar preparada para qualquer coisa. Desceu descalça as escadas e da janela de seu escritório olhou para ver quem a visitava tão cedo da manhã. O som surdo de uma porta de furgão deslizandoe até fechar lhe fez pensar que os visitantes eram mais de um. Com o dedo, apartou um pouco as venezianas para olhar.

Pelas suas roupas amassadas e cadernetas, soube que eram repórteres da imprensa. Os da televisão cuidavam muito mais da indumentária e aspecto. Haviam se juntado três caminhonetes e dois carros na entrada de sua casa alugada em frente à praia. Rowan odiava os jornalistas. Já tinha se relacionado muito com eles quando trabalhava no FBI.

Soou a campainha, e ela teve um sobressalto. Embora de seu escritório pudesse ver o jardim, não conseguia ver a porta da entrada. Ao que parecia, um dos repórteres mais ousado se armou de coragem para tocar a campainha.

O que queriam? Acabava de conceder uma entrevista a respeito da estréia de Crime de Paixão fazia dois dias. Esperava que agora não pretendessem realizar uma entrevista coletiva.

Foi até a porta e então se deu conta de que levava a arma. Imaginou as manchetes: ex-agente se apresenta armada a uma entrevista. Guardou a pistola na gaveta de sua mesa de trabalho e se dirigiu a passo rápido à porta, sem quase dar-se conta do frio que estavam os ladrilhos que pisava.

Ao mesmo tempo em que a campainha repetia seu odioso ding-dong, soou o telefone. Genial. Os jornalistas a espreitavam de todas as partes. Já tinha tratado com eles, e teria que voltar a fazê-lo. Não foi até que abriu a porta que teve a intuição de que tinha acontecido algo ruim e que provavelmente não deveria falar com eles.

Muito tarde.

— Você tem algum comentário a fazer a respeito da morte do Doreen Rodriguez?

— Não conheço Doreen Rodriguez — disse ela, sem vacilar, embora o nome a pôs em alerta. Resultava-lhe familiar, mas não conseguia situá-lo nesse instante. Enquanto tentava atar fios, uma sensação desagradável a foi invadindo. Quando ia fechar a porta, escutou outra pergunta.

— Não sabe que assassinaram uma mulher de vinte anos chamada Doreen Rodriguez em Denver no sábado à noite, da mesma maneira que assassinam sua personagem Doreen Rodriguez em sua novela Crime de Oportunidade?

Rowan bateu a porta. Não temia os repórteres que se apresentavam sem terem sido convidados. Denunciaria-os por violação de propriedade privada sem pensar duas vezes. Só queria que seu definitivo e sonoro «Sem comentários» se ouvisse alto e claro.

Afinal, o telefone deixou de soar. E em seguida, ao fim de trinta segundos, reiniciou-se o incessante ring-ring. Voltou correndo a seu escritório e olhou na tela do aparelho. Era Annette, sua produtora.

Levantou o fone e perguntou:

— Que diabos está acontecendo? — Assim que perguntou, ouviu que na frente da sua casa se detinha outro carro com uma freada.

— Já estás sabendo.

— Há um montão de repórteres na frente da minha casa, e enquanto falamos estão chegando mais. — Voltou a olhar pela janela. Uma das caminhonetes era de uma cadeia de televisão. Rowan levou uma mão ao ventre. Tinha a sensação de que estava acontecendo algo muito grave.

— Um jornalista de Denver me deu os detalhes — disse Annette com pressa, pondo o acento em certas palavras. — Na noite de sábado assassinaram uma garçonete de vinte anos de nome Doreen Rodriguez. Ontem encontraram seu corpo em um contêiner frente a, e cito, «um pequeno café italiano perto do South Broadway que poderia se qualificar de pitoresco se não fosse pelas manchas de sangue nas paredes brancas da fachada».

Rowan escutou as palavras que tinha escrito anos atrás. Esfregou as têmporas e, pela primeira vez desde que renunciara a seu posto no FBI fazia quatro anos, desejou ter um cigarro à mão.

— Deve ser uma brincadeira de muito mau gosto.

— Sinto muito, Rowan.

— Meu Deus, não posso acreditar que ocorra algo assim. —Fechou os olhos com força, tentando assimilar o que Annette acabava de lhe dizer. Ficou sem fôlego e levou uma mão à boca. Tinha que ser uma casualidade. Algum repórter sem escrúpulos que informava sobre um crime violento e tentava criar uma notícia sensacionalista comparando-o com uma de suas novelas.

Teve uma fugaz imagem do corpo ensangüentado e esquartejado de Doreen Rodriguez. Abriu os olhos imediatamente. Sua visão do assassinato era muito real porque ela a tinha criado. Não podia ser um crime similar. Certamente era só uma coincidência de nomes.

— Rowan, mataram-na com um facão contra a parede do restaurante, e atiraram o corpo em um contêiner. — A voz de Annette tinha adquiriu um tom febril. — Trabalhava em Denver e nasceu em Albuquerque. Algum louco copiou o crime exatamente como você o escreveu.

Rowan pressionou a têmpora com força. Alguém tinha copiado seu crime fictício? Não podia ser. Como o assassino tinha encontrado alguém tão parecido a seu personagem de ficção?

E, ainda mais importante, por que?

Ficou de joelhos no chão junto a sua mesa e afundou o rosto entre os braços, enquanto sustentava o telefone com o ombro. Voltou a respirar fundo e segurou a respiração. Antes de mais nada, tinha que controlar-se, e então veria como chegar ao fundo do assunto.

Tinha que haver um engano.

— Você está bem? — Havia verdadeira inquietação na voz de Annette.

— O que você acha? — respondeu com um sussurro rouco.

— Estou preocupada com a sua segurança, Rowan.

— Eu sei como cuidar de mim mesma.

— Vou para aí em seguida.

Quase sorriu ao pensá-lo. A pequena Annette O'Dell, de cinqüenta e tantos anos, produtora de Hollywood, corria para proteger a sua escritora estrela de um maço de malvados repórteres. Rowan sacudiu a cabeça.

— Não, vou sair para dar uma corrida e depois tenho que ir aos estúdios. Marquei com o diretor para falar sobre repetir a rodagem de uma cena.

— Os repórteres a seguirão. É provável que já estejam reunidos lá.

— Ao diabo com os repórteres! Não farei comentários, e pronto. Nada, zero. Não quero que fale disto com ninguém, nenhuma palavra. Vou aos estúdios e cumprirei com meu trabalho. Não sou polícia. Que eles se ocupem disto. — Já não queria continuar brincando de polícia. Não queria mais sangue em suas mãos.

Entretanto, aí estava o sangue. Limpou as mãos na calça e lhe veio à mente a figura de lady MacBeth, tentando desesperadamente lavar as mãos de um sangue que não via.

Doreen Rodriguez. Ela não tinha matado essa pobre mulher, mas em certo sentido tinha causado sua morte.

— Rowan, me deixe contratar um serviço de segurança…

Rowan cortou Annette com um «clique» quando devolveu o fone a seu lugar.

Demorou um minuto para recuperar o controle e erguer-se do chão. Viu que lá fora chegava outro carro, mais abutres espreitando. Era uma grande cópia do original, pensou, ironicamente. Um autêntico caso de novela policial trazida à realidade: O Imitador de ficções. O assassino Imitador. Na realidade, dava a impressão de que a imprensa gostava dos assassinatos. Sobre tudo os crimes mais escabrosos. Não havia nada de emocionante em uma típica briga doméstica, um roubo ou um tiroteio rotineiro entre bandos rivais. Mas que a vítima fosse esfaqueada com um facão contra a parede de um pitoresco restaurante italiano…

Sacudiu a cabeça. Será que ela era melhor? Escrevia histórias policiais violentas. Embora seus cadáveres fossem obra de ficção, não fazia ela o mesmo que os repórteres? Aproveitava-se do interesse das pessoas pelos crimes escabrosos? A fascinação do homem pela morte remontava a milhares de anos atrás. Os violentos mitos gregos e romanos tinham atenuado o temor dos seres humanos ante o desconhecido. Desde então, havia constância de práticas tão horrorosas em todas as gerações.

Doreen Rodriguez. Era possível que o assassinato tivesse as mesmas características que ela havia descrito? O ritmo do coração lhe acelerou ao imaginar a dor e o horror que tinha sofrido aquela moça.

Não lhe serviria de nada pensar na vítima agora. Rowan recordou os mais de dez anos de treinamento que tinham lhe ensinado a manter distâncias com as coisas. Quando uma história se convertia em algo pessoal se cometiam erros.

Ignorou a campainha da porta e do telefone. Entrou na Internet e encontrou a página do jornal local de Denver. Ainda tinha a esperança de que se tratasse de um engano, de um mal-entendido. Mas o assunto já estava nas manchetes. As más notícias viajam rápido, e a prova disso era o bando que havia se instalado na entrada de sua casa.

Tudo o que Annette tinha lhe contado estava na tela. Rowan se perguntou que tipo de detalhes ocultava, na realidade, a notícia. Calculou quanto tempo a polícia demoraria em vir interrogá-la. Se a imprensa tinha mostrado interesse pela coincidência, a polícia não podia estar longe. Já conheceria os detalhes quando viessem procurá-la.

Não. Não podia implicar-se. Dentro de duas horas tinha uma reunião nos estúdios. Tinha criado uma vida nova para si mesma, uma vida tranqüila. Por nada deste maldito mundo deixaria que um assassino louco controlasse seu futuro. Pela segunda vez.

Dirigia-se a seu quarto para vestir-se quando na porta soou uma chamada familiar. A polícia.

Ora, chegaram rápido.

—Senhora Smith — chamou uma voz abafada. — Senhora Smith, é a polícia. Temos que falar com você.

Voltou-se para a porta. Tudo tinha começado.

Sentaram-se ao redor da mesa da sala de jantar, em frente à janela com sua imagem de postal que emoldurava as águas verdes do Pacífico. De lá, a cerca de seis metros acima da linha da praia e uns bons trinta metros para o interior, ainda podiam se ver as ondas, uma atrás de outra, com suas cambalhotas, agitadas por um ligeiro vento. Havia maré baixa e a praia estava vazia.

Rowan pôs duas xícaras bem cheias de café quente ante os inspetores e abriu a janela. Respirou fundo e o ar penetrante e salgado a relaxou. Tinha que estar tranqüila e alerta mas, sobre tudo, tinha que saber controlar-se.

Sentou-se em frente aos inspetores com sua própria xícara de café entre as mãos.

Ben Jackson era um homem baixo e magro e a cor de sua pele era igual a do café forte de sua taça. Seu rosto de pôquer não conseguia dissimular olhos inteligentes. Por sua postura rígida e músculos que se percebia debaixo de seu impecável casaco, Rowan pensou que o cara estava em forma e levava seu trabalho a sério. Tinha voado de Denver de madrugada para falar com ela.

Pelo visto, o Departamento de Polícia de Denver não poupava esforços. Era evidente que acreditavam que o assassinato de Rodriguez estava vinculado a sua novela.

Jim Barlow pertencia ao Departamento de Polícia de Los Angeles. Era maior e, comparado com Jackson, a cor de sua pele era a de um fantasma. Tinha o aspecto do policial modelo, com um ligeiro sobrepeso. O tipo de policial que vestia calças amassadas e jaqueta esportiva muito justa com remendos de couro nos cotovelos. Com seus olhos de cor azul clara parecia não perder nem um detalhe, enquanto fazia gestos com a mão como se tivesse um cigarro entre os dedos. Um ex-fumante, pensou Rowan, com um reflexo de simpatia.

Os dois lhe causaram boa impressão. Seu instinto lhe dizia que podia confiar neles.

— Está ciente do assassinato de Doreen Rodriguez — disse Jackson, fazendo um gesto vago para a entrada da casa. Os repórteres começavam a sair. A ameaça dos policiais de detê-los por violação à propriedade privada tinha seu peso, pensou, o qual lhe arrancou um ligeiro sorriso.

— Li a notícia no site da Web do jornal de Denver — assentiu Rowan.

— Você trabalhou no FBI.

— Seis anos.

— É provável que ganhou alguns inimigos. Assim foi em meu caso.

— O que quer dizer?

— Acredito que sua vida corre perigo e que deveria contratar um serviço de segurança.

— Sou uma ex-agente do FBI, inspetor. Tenho experiência e sei como me defender.

— Sim, é provável. E é provável que ainda durma com uma pistola sob o travesseiro. — Jackson assentiu com a cabeça e percebeu uma ligeira reação em seu semblante. E continuou. — Foi um crime brutal e está dirigido a você. Claro que deve ter refletido sobre as semelhanças entre a vítima e um personagem de sua novela.

— Eu lhe disse que li a notícia.

Era a única coisa que Rowan podia fazer para manter o contato visual. Não queria aceitar o fato de que aquele assassinato tivesse algo a ver com ela. Entretanto, seu instinto lhe dizia justamente o contrário. Tratava-se de um assunto pessoal.

— Eu não me apressaria a tirar conclusões — disse ela. — Se houver outro crime, pode ser que este maníaco decida imitar outro escritor. Mas, se lhe tranqüiliza que o diga, terei muito cuidado.

Maldita seja, a frase soava como um sarcasmo embora não fosse sua intenção. Puseram-se à defensiva.

Jackson fez uma pausa antes de falar.

— Você conhecia a verdadeira Doreen Rodriguez? Utilizou-a para sua novela?

— Inventei o nome — replicou ela, sacudindo a cabeça. — Tinha que pôr um nome no personagem.

— Há uma coisa que não contamos à imprensa — disse Jackson. — O sacana deixou um livro seu debaixo do cadáver.

— Meu livro? — A voz de Rowan era apenas um sussurro. Tomou um gole de café, pensando que esse gesto de normalidade lhe ajudaria a ordenar as idéias.

— Crime de Oportunidade — confirmou o inspetor. — E como se fôssemos muito estúpidos para nos dar conta, deixou sublinhado o fragmento onde se descreve o assassinato da Doreen Rodriguez fictícia. — A voz estava carregada de raiva, o tipo de raiva que os policiais se esforçam para controlar.

Sua novela na cena do crime.

— Alguma outra coisa? Alguma nota dirigida a mim, algum comentário, ou algo que faça pensar que voltará a matar?

Jackson se inclinou para frente.

— Só os fragmentos sublinhados. O que pensa?

Rowan olhou fixamente para Jackson e sacudiu a cabeça.

— Já não trabalho para o FBI e, quando trabalhava, a minha especialidade não eram os perfis. Se quiser uma opinião perita, chame a eles.

Entretanto, seus pensamentos já se dispararam. Alguém a tinha identificado pessoalmente? Era possível que algum dos criminosos que tinha metido atrás das grades executasse uma ardilosa vingança contra ela? Podia conseguir cópias de todos os casos em que tinha trabalhado e revisá-los atentamente, embora ainda recordasse até o último crime violento que tinha contribuído a encerrar.

Barlow falou pela primeira vez desde que se apresentaram.

— Tenho lido seus livros, senhora Smith. Suponho que se poderia dizer que sou um leitor fiel. Suas histórias são bastante aterradoras. Autênticas — acrescentou, e fez uma pausa. — Acredito que voltará a agir. Estamos investigando os ex-namorados de Doreen Rodriguez em Denver, amigos, colegas — disse, quase sem lhe prestar importância. — Mas o fato de que seu livro tenha aparecido dispara os alarmes.

Rowan respirou fundo, mas se manteve em silêncio. A ela também tinham disparado os alarmes. Em sua cabeça ressonava toda uma orquestra de advertências.

— Meus superiores já se puseram em contato com os Federais — disse Jackson. — Esperam certa colaboração. Mas nos ocorreu que talvez você tenha alguma idéia especial, de modo que decidi falar com você. Algum dos criminosos que deteve saiu da prisão? Alguém a ameaçou?

Rowan não pôde evitar começar a rir, mas o som vazio de sua risada não tinha graça.

— Me ameaçar? Você trabalhou mais tempo que eu de polícia. Certamente que a algum de seus detidos não agradasse muito que o prendessem. — Sacudiu a cabeça e seguiu: — Quando alguma das pessoas contra quem testemunhei ou que detive obtém a liberdade condicional, comunicam para mim. Devo dizer sinceramente que todos os que detive estão mortos ou na prisão.

Jackson fez uma careta que parecia um sorriso.

— Eu gostaria de poder dizer o mesmo — disse. — Uma trajetória impressionante.

Ela respondeu encolhendo os ombros.

— Na realidade, não. Não fui eu quem pegou a todos esses malditos assassinos — disse.

— E em relação aos familiares desses condenados? Alguém que pretenda vingar-se porque você pôs entre grades um pai ou irmão, um primo, um amante?

— Não sei — disse ela, negando com a cabeça. — Teriam que rever os relatórios dos meus casos. Não me ocorre ninguém em especial, mas não tenho aqui minhas anotações e não pensei muito nisso.

Entretanto, sabia que a partir de agora seus dias e noites estariam marcados pela obsessão com aqueles velhos casos até que descobrissem o assassino. Ela mesma se encarregaria de conseguir uma cópia de seus casos. Ela iria garantir que não tinha ignorado algum detalhe de seus sete anos no FBI. Ignorar alguma coisa que havia custado a vida de Doreen Rodriguez.

Talvez nunca o descobrissem. E embora só tivesse matado a uma pessoa, ao menos segundo as informações que tinham, algo dizia a Rowan que voltaria a agir.

E que não demoraria.

— Poderia tratar-se de um admirador? Alguém que tenha escrito ou telefonado, ou inclusive tentado visitar?

— Um admirador que se propõe a recriar meus assassinatos fictícios? — Era uma possibilidade, mas não lhe parecia provável, e o disse a Jackson. — Este assassino não é um admirador meu.

— Por que diz isso? — inquiriu Barlow.

— Ele quer converter meus assassinatos fictícios em realidade. Em sua opinião, não fui o bastante longe, então ele irá. Tem que demonstrar sua própria genialidade, que é capaz de atos de muita mais substâncias que uma simples escritora de novelas.

— Então se trata de um maluco?

— Não — disse ela. — É uma pessoa saudável.

— Como chega a essa conclusão?

— Foi planejado com perfeição. — Deixou a xícara na mesa, levantou-se e foi até a janela aberta. Mas não viu as ondas do mar nem as gaivotas que passavam grasnando. Ao contrário, imaginou o mal. — Procurou uma mulher com o mesmo nome e profissão que um de meus personagens, e a matou da mesma maneira em um cenário similar. Dedicou muito tempo a planejar e investigar para que todos os detalhes estivessem em seu lugar. A perfeição. Continuando, deixou meu livro junto ao cadáver. Arrogância. É inteligente, mas acredita que os todos outros são estúpidos, e por isso tem que explicar o porquê ou, de outra maneira, nunca o descobririam. Não foi um crime passional nem um crime por dinheiro… foi um crime de oportunidade. — Assim que o disse, deu-se conta de que era o título de seu livro. — Foi premeditado. E isso é uma prova de sua saúde mental. Atreveria-me a dizer que tem um plano, algo que não tem nada que ver com as vítimas.

— Terá a ver com você? — perguntou Barlow, e Rowan teve um leve estremecimento.

Por muito que quisesse negar, tinha que ter alguma relação. A menos que cometesse outro assassinato, usando como orientação o livro de outro autor. Encolheu os ombros e olhou aos policiais com o rosto inexpressivo, sem delatar-se em nada. Não queria falar até que pudesse refletir mais sobre isso.

— Não sei.

— É provável que o FBI entre em contato com você.

— Certamente.

Rowan já o estava temendo. Alguém tinha se proposto a brincar com ela, e ela não sabia nem quem nem por que. Embora tivesse controlado suas emoções durante toda a entrevista, agora sentia como um torvelinho em seu interior. Mas ela era uma profissional consumada, e saberia manter a compostura. Ao menos até que estivesse a sós.

— Você recebeu alguma ameaça?

— Não.

— Tem certeza? E sobre as cartas de seus fãs?

— Minha agente lida com a minha correspondência. Eu recebo relatórios do que me escrevem. Suponho que me avisaria se houvesse uma ameaça. — Ela mesma ia descobrir.

Jackson tomou algumas notas.

— E sobre os estúdios cinematográficos? Os atores do filme que estão rodando? Alguém recebeu ameaças, ou notou algo estranho?

— A produtora é Annette O'Dell. Seu escritório é nos estúdios. Eu não trabalho lá, só me dedico à adaptação do roteiro. — Rowan pensou que de lá também não provinha a ameaça. Annette o teria dito.

— E o que lhe parece algum motivo pessoal? Algum ex-namorado que tenha optado pela violência? Alguém que se sinta desprezado por seu êxito?

— Para lhe ser franca, não tive uma vida pessoal muito intensa desde que cheguei a Califórnia faz dois meses para trabalhar neste filme. — Voltou a sentar-se e tomou seu café, já morno. Caiu-lhe como uma bola de chumbo. — Inclusive antes, acabei o roteiro e comecei a trabalhar em meu novo livro. Estou tão ocupada agora como quando trabalhava no FBI.

— Já publicou quatro livros, não é mesmo? — perguntou Jackson.

Ela assentiu com a cabeça.

— E o quinto será publicado nas próximas semanas.

— E este é seu segundo filme?

— O terceiro. O segundo sairá dentro de duas semanas. Este não estará em cartaz até o final do próximo ano.

— Saiu-se muito bem desde que deixou o FBI.

— O que quer dizer? — perguntou Rowan, irritada. Queria colaborar, mas essas perguntas eram irrelevantes. Queria sair para dar uma corrida como todos os dias e depois tomar uma ducha. Sobre tudo, necessitava de tempo para pensar.

— Estamos tentando reunir todos os detalhes.

Os inspetores trocaram um olhar que significava que tinham acabado. Quase se pôde ouvir o suspiro de alívio de Rowan.

Acompanhou-os até a porta. O inspetor Jackson virou-se para ela.

— Você deveria pensar em tomar medidas de segurança extraordinárias. Tem um sistema de alarme instalado?

— Sim, inspetor, e o utilizo.

Ele assentiu para dar sua aprovação e lhe estendeu a mão. Rowan a estreitou, e sentiu calor e força.

— Me chamo Ben. Somos da mesma equipe. Jim ou eu lhe telefonaremos mais tarde para dar notícias. Eu volto para Denver esta tarde. Enquanto isso, tome cuidado.

— Obrigado, isso farei. — Fechou a porta, virou-se e se apoiou contra a sólida porta de carvalho. Deixou-se cair lentamente até derrubar-se no chão frio de ladrilhos, e escondeu o rosto entre as mãos.

Um brutal assassinato a mil e quinhentos quilômetros de distância tinha destruído em questão de minutos a paz relativa que tinha forjado com tanta ilusão. A idéia de ser cúmplice daquele crime era insuportável. Levou a mão ao ventre em um gesto nervoso. Como podia viver consigo mesma se sua imaginação havia se manifestado em um fato tão cruel? Embora fosse outro quem tivesse segado uma vida, a fórmula do mal era obra dela, ela a tinha ideado. Sua decisão casual de chamar Doreen Rodriguez à primeira vítima de Crime de Oportunidade, tinha tido como conseqüência a morte de uma Doreen Rodriguez real, de Albuquerque. Aquilo era perverso e cruel.

Rowan tinha aprendido uma e outra vez que a morte era injusta e brutal. Abria um talho de miséria nos corações de todos os que tocava. E a morte não era cega. Via a dor, o coração ressentido, e se fazia mais forte.

Tudo tinha começado quando tinha dez anos, e não tinha aspecto de que ia acabar.

2

Michael Flynn seguiu as instruções que Annette O’Dell tinha lhe dado para chegar à casa de Rowan Smith, embora não precisasse conhecer o endereço exato para saber qual das grandes casas em frente à praia era a dela. Inclusive agora, um dia depois de tornar-se pública a notícia, uma dúzia de carros e caminhonetes, mais uma solitária moto — todos com credenciais de imprensa — estavam estacionados em frente ao número 25450.

Conduziu seu SUV preto pela encosta da entrada. A casa, a partir da fachada principal, decepcionou-lhe pelo tamanho e comum que era, embora as casas de Malibu, neste bairro fossem espaçosas e aproveitassem ao máximo a vista que tinham do mar. A casa de Smith se encontrava no final de uma fileira de construções que compartilhavam uma praia privada. Se não recordava mal, várias daquelas casas tinham sido destruídas há vários anos por uma forte tempestade. Como prova da destruição, viu os reforços de concreto que seguiam a linha do barranco em torno das casas para evitar os deslizamentos de terra, principais causadores dos danos às propriedades do litoral.

Trancou o carro se por acaso algum membro da imprensa predatória se interessasse por sua identidade. Claro que haviam sido advertidos sobre a violação da propriedade privada porque, apesar de perceber a sua chegada, ficaram na rua, e na margem da propriedade.

Flynn respirou fundo, e lhe agradou o penetrante ar salgado. Pensou que poderia acostumar-se a um lugar como aquele.

Olhou ao redor da casa e franziu o cenho. Era difícil proteger as propriedades que estavam na primeira linha de mar. Não havia grades nem cercas entre as casas, e podia chegar a elas por qualquer um dos quatro lados. Entretanto, um dos lados da casa de Smith se encontrava com as paredes de um barranco. Era virtualmente impossível que alguém pudesse ter acesso à propriedade a partir daquele ponto.

Restavam três lados desprotegidos.

De repente, um Fusca amarelo chegou quase voando até a entrada e se deteve atrás de sua caminhonete. Michael franziu o cenho ante essa maneira imprudente de Tess tinha de dirigir. Ele tinha sido surpreendido com a aprovação dela no exame para obter a licença de dirigir na primeira tentativa. Agora a viu sair do carro com seu laptop na mão e aproximar-se dele com pressa, com seu cabelo preto e encaracolado agitando-se na brisa. Flynn sacudiu a cabeça. Sua irmã sempre transbordava energia.

— Lamento chegar tarde — disse, e ao sorrir apareceram em suas bochechas duas covinhas.

— Não chegaste tarde. Se presume que você não tem motivo para estar aqui.

— O que você quer dizer? Sou sua sócia.

— Eu trato com os clientes. Você se ocupa do escritório.

O pouco que conhecia do caso o inquietava. Não queria pôr em perigo a vida de sua irmã. Afinal, Tess era perita em informática, não guarda-costas.

Ela suspirou com um ar melodramático.

— Desta vez não, Mickey. John está fora da cidade, de modo que tens a mim, você goste ou não. — Tess sorriu e piscou um olho.

Michael não pôde evitar um sorriso. Tess se ocupava de tudo o que ele e John lhe ordenassem fazia dois anos. Estava disposta a freqüentar cursos de defesa pessoal e de manejo de armas, tinha lido todos os livros que eles lhe passavam, e suportava os exercícios espontâneos que eles ideavam para ajudá-la a preparar-se para o trabalho de campo. Mas nem ele nem John iam deixar que sua irmã menor trabalhasse na rua, ainda que tivesse se convertido em um membro cada vez mais importante da equipe. Quer dizer, do escritório.

— Só por esta vez — ele disse, e se notou a advertência em sua voz. — Pelo que Annette me disse, acredito que teremos que lançar mão de sua genialidade com os computadores.

Tess deu um tapinha em seu laptop e voltou a sorrir.

— Vamos lá.

— Mas lembre-se de quem é o chefe.

— É John, mas está na América do Sul.

— Tess — advertiu Michael, franzindo o cenho.

Ela se apoiou na ponta dos pés e o beijou na bochecha.

— Não esquecerei, chefe.

Rowan fechou as venezianas de seu escritório, o que lhe impedia de ver as duas pessoas que conversavam na entrada da casa. Pensou que se tratasse da equipe de segurança que Annette queria contratar. Estupendo. Sua produtora, que agora rondava próxima da porta de seu escritório, esperava que aceitasse a proteção de um cara que não tinha visto um cabeleireiro em meses, e a sua mulherzinha saltitante, ou namorada, ou o que fosse, que conduzia um fusca de cor amarela gritante. Um modelo de discrição.

Rowan tinha se encerrado no escritório há dez minutos, farta de que Annette a tratasse como uma menina. Olhou a pistola Glock que agora sustentava com ambas as mãos.

Às vezes desejava ter morrido no exercício do dever porque, para ela, acabar com sua própria vida não era uma opção.

Havia dado voltas e voltas no assunto com sua produtora. Annette tinha boas intenções, mas se encontrava fora de seu contexto habitual. Plantou-se na casa no dia anterior e se recusava a sair. Parecia quase emocionada com tudo o que estava acontecendo, o qual desanimava Rowan, embora soubesse que era simplesmente a maneira de ser de Annette. Ela tinha insistido inclusive em dormir no quarto de hóspedes, apesar de que a pequena produtora estava muito mal preparada para defender a alguém. Tampouco Rowan pensava por um instante que necessitasse de proteção.

Rowan não sabia a que se devia a sorte de ter uma amiga tão fiel, e agradecia os seus sentimentos. Mas Annette a estava deixando louca.

No final, com o telefonema de seu ex-chefe na noite anterior, se havia resignado que se não aceitasse a segurança que lhe ofereciam os estúdios, o FBI lhe atribuiria uma equipe para sua proteção.

— Você está bem? — perguntou-lhe Roger quando ela atendeu a chamada em seu escritório.

Ela ouviu o medo em sua voz, e o coração lhe acelerou. Não queria que ele se preocupasse. Roger era mais que seu ex-chefe. Tinha-lhe salvado a vida.

— Estou bem, Roger.

— Está mentindo. Como vais estar bem?

— Você está informado dos detalhes.

— Até o último detalhe. Pedi para a polícia de Denver que me enviasse um fax com uma cópia do relatório. Há quatro agentes designados à revisão de seus antigos casos em busca de alguém capaz de algo assim, sobre tudo amigos e parentes homens.

— Bom. Quero uma cópia de todos os processos. Talvez eu me lembre de alguma coisa, algo que tenha passado despercebido, uma entrevista, um familiar, homem, não sei. —Respirou fundo e em seguida soltou o ar lentamente. — Não posso ficar sentada sem fazer nada.

— Entrarei em contato com o diretor do FBI em Los Angeles e eles baixarão os arquivos. Pode recolhê-los amanhã pela tarde.

— Obrigada — disse, e esclareceu garganta. — Ei, você não está pensando que… quero dizer, eu presumo que não há maneira de que meu pai possa…?

— Liguei para Bellevue. Macintosh continua nas mesmas condições.

— Obrigada. — Lhe quebrou a voz e fechou os olhos. Depois de tanto tempo, deveria controlar melhor minhas emoções.

Não esperava que, depois de vinte e três anos, seu pai recuperasse a sanidade mental, embora desde que os inspetores Jackson e Barlow se despediram no dia anterior, não parava de pensar nele. Tranqüilizava-lhe saber que o velho seguia preso em sua própria mente. Esperava que seguisse vivendo no inferno.

— Gracie e eu estamos preocupados contigo. Volta para Washington. Sempre terá um quarto disponível em nossa casa.

— Eu sei — murmurou ela. Detestava pensar que Roger se preocupava com ela. Não queria dar mais sustos a seu maltratado coração. Não depois de tudo o que ele e Gracie haviam feito por ela. — Mas não posso sair daqui.

— Enviarei uma equipe para te proteger.

— Não — disse, com o tom mais alto do que era sua intenção.

— Droga. Li os relatórios. Esse cara está te buscando.

Imaginou Roger de pé atrás de sua velha e escura mesa, esticando a mandíbula quadrada, os olhos escuros entrecerrados e as rugas de angústia lhe sulcando a testa.

— Isto não sabemos — replicou ela. — Terá que deixar que a polícia continue com sua investigação. Pode ser que não tenha nada a ver comigo. — Na realidade, não acreditava, embora às vezes os ex-namorados ou os maridos violentos chegavam a extremos para dissimular seus crimes. Talvez fosse isso o que tinha acontecido com Doreen Rodriguez.

— É evidente que você não tem as coisas claras se te opõem. Esse cara vai até você, e não descansarei até que encontrar o safado. Vou te proteger, mesmo você não goste da idéia.

— Roger, por favor não mande ninguém. Dificilmente o departamento possa pagar com o escasso orçamento que tem o depois de onze de setembro. — Ainda assim, Rowan sabia que o tom de Roger não deixava lugar a negociações. E o conhecia bastante bem para encontrar uma alternativa aceitável para os dois.

— Os estúdios contrataram uma empresa de segurança.

— Você está me dizendo a verdade?

— É o que quer minha produtora, Annette O'Dell. Eu disse a ela que não queria ninguém, mas…

— E aceitarás, não é? — Roger não se conformaria com um não.

— Sim, aceitarei — disse ela, resignada. — Amanhã Annette enviará alguém para uma entrevista.

— Será melhor que sejam bons, Ro, que não seja um desses guardas de supermercados que vão colocando o nariz por toda parte.

Rowan não pôde evitar um sorriso.

— Conhecendo Annette, serão bons. E discretos. Não quero que a imprensa farejando além da conta, que é o que têm feito até agora. — Era pouco provável que alguém xeretasse em seu passado. Não queria reviver esse pesadelo em público, embora vivesse com ele cada dia de sua vida.

— Se te der a impressão de que a equipe não é boa, faça-me saber e eu conseguirei uma autorização do diretor do FBI em Los Angeles. Combinado?

— Parece justo.

— Te amo — disse Roger, em voz baixa. — Por favor, se cuide.

Ela reprimiu um soluço. Seria tão fácil voltar para Washington e deixar tudo nas hábeis mãos de Roger. Deixar que Gracie a mimasse. Ou, melhor ainda, esconder-se em sua cabana. Tinha saudades dos bosques de pinheiros, das noites frias, do ar puro de sua casa no Colorado.

Mas não podia fazer isso. Era impossível sair quando tinha tantos compromissos e responsabilidades.

— Prometo — disse.

Depois do telefonema dessa noite, um pesadelo perturbou o sono de Rowan. Levantou-se cedo para dar uma corrida na praia, muito antes que o sol despontasse nas colinas de Malibu, e dedicou-se a fundo na corrida. Depois de tomar banho, meteu-se no escritório enquanto Annette se ocupava de assuntos pendentes na sala de jantar.

Um violento assassinato fazia três dias e, depois, nada. A calma antes da tormenta. Aquela idéia a fez estremecer.

Rowan estava sentada ante sua mesa de trabalho encerrada em seu escritório, sentindo-se culpada por um crime que não tinha cometido. De repente, ouviu chegar os carros. Ninguém se aproximou da porta, de modo que olhou por entre as venezianas e viu os dois agentes de segurança conversando. A linguagem corporal dava a entender que se sentiam bem juntos. Uma equipe.

Ela nunca tinha gozado disso. Inclusive com seus colegas no FBI, nunca havia se sentido perto de alguém. Não podia. E se algo acontecesse com eles?

Soou a campainha. Necessitava de alguns minutos mais para recuperar a compostura. Queria muitíssimo a Roger mas a conversa da noite passada, somada a todo o resto, havia lhe trazido lembranças que tinha que voltar a enterrar, ao menos até que se encontrasse de novo a sós.

—Bonito lugar — disse Tess.

Michael olhou a seu redor, franzindo o cenho. Apreciava a beleza do lugar mas agora lhe preocupavam mais os aspectos relacionados com a segurança.

— Há muitas janelas. Onde estão as cortinas?

— O proprietário nunca as pôs no lado de oeste. — Annette sacudiu seu cabelo escuro com um sutil movimento da cabeça. Annette era uma mulher elegante e atraente, de olhos azuis e inteligentes. — É muito excêntrico. Assim às vezes pela tarde faz calor. — A produtora sempre falava com acentuadas flexões. Às vezes era irritante.

— Acreditava que Smith era uma mulher.

— É. O proprietário é meu amigo, um ator que está rodando um filme na Austrália. Aluga a casa a Rowan.

Michael olhou a seu redor, assimilando a distribuição do espaço.

Tudo era branco e deslumbrante, e havia muito vidro. Os móveis, a pintura das paredes, os tapetes. A única cor visível era a de alguns quadros abstratos de cores primárias em tons fortes que decoravam as paredes aqui e ali. Estéril. Frio. Ele não viveria em um lugar assim, disso tinha certeza.

Estavam em uma sala ampla, em um nível inferior do primeiro andar. Três grandes janelas moldavam a vitrine do mar. À direita havia uma sala de estar, uma espécie de biblioteca com um bar em uma parede. À esquerda estava a sala de jantar, em um nível mais elevado, também com vista para o oceano. As três salas tinham portas janelas de duplo batente que davam à sacada.

Aquela casa era um maldito aquário.

— O que acontece? — perguntou Annette.

— Temos que fazer alguma coisa com estas janelas — disse, com um movimento do braço.

— Como o que?

— O que for.

— Mas ninguém pode ver de lá de fora. A casa está orientada em direção ao mar.

Michael procurou responder discretamente.

— É verdade, mas alguém poderia estar lá fora de noite, na sacada, e ver todo o interior, com a casa acesa como uma árvore de Natal, e ninguém nem sequer se daria conta. — Jogou um olhar a seu redor. — Onde está a senhora Smith?

— Está em seu escritório — disse Annette. — Irei buscar-la.

Está sozinha?, pensou Michael. Já começava a não gostar do clima daquela missão. Não sabia nada a respeito de Smith exceto que era uma ex-agente federal convertida em escritora. Agora trabalhava em um roteiro para Annette e vivia em uma casa de vidro. E, certamente, sabia o que tinha lido nos jornais sobre o assassinato em Denver.

Michael seguiu à produtora com a vista enquanto se afastava pelo corredor e se detinha ante a primeira porta de batente duplo. Conhecia Annette e confiava nela, mas tomou nota mentalmente para pedir a Tess que fizesse uma breve e discreta investigação sobre a produtora e sua empresa. Embora nunca tivesse ouvido falar de assassinatos perpetrados para conseguir publicidade, mas sabia de casos montados para chamar a atenção sobre uma jovem estrela ou sobre um filme com crítica ruim.

— Rowan? — disse Annette, do corredor. — Chegaram os seguranças.

Ouviu-se uma resposta ininteligível.

Annette se voltou para Michael com um meio sorriso.

— Sairá em alguns minutos.

— Ouça, não pode estar aí sozinha. Se alguém tiver se proposto a matá-la, deveria estar visível a todo momento. —Passou junto a Annette e chamou com força à porta. — Senhora Smith, sou Michael Flynn. Por favor, saia.

— Eu disse cinco minutos — respondeu ela do outro lado.

— Não, não está segura aí dentro.

Ouviu-a rir, e a esse som seguiu outro, perfeitamente reconhecível, de um carregador que se introduzia em uma pistola. O coração lhe acelerou. Estava sozinha? Tentou abrir. Estava trancada. Então viu que uma das maçanetas girava lentamente. Encostou-se contra a parede. A porta mal se abriu e Michael esperou que ela saísse. Quando não apareceu, deslizou-se junto à parede e abriu a porta totalmente.

No meio do escritório havia uma loira alta com olhos da cor do mar. Tinha o olhar ausente, inexpressiva, e usava o cabelo recolhido para trás.

Apontava uma pistola para peito dele.

— Bang, você está morto.

— Abaixe essa maldita pistola! Que diabos acredita que é? O que está fazendo?

— Estou me protegendo.

Michael girou sobre seus calcanhares e se dirigiu à porta.

— Tess, vamos embora.

— Michael — disse Tess, mordendo o lábio.

— Agora. — Dizer que estava furioso seria pouco. Michael não tolerava que ninguém lhe apontasse uma arma. Será que estava louca?

— Por favor, Michael — disse Annette, pondo uma mão sobre seu braço. — Rowan está muito abalada. Escuta. Ela precisa de você.

Michael olhou para Annette e em seguida para a loira que saía do escritório com os braços cruzados, sustentando em uma mão uma Glock com gesto descontraído, apontando para o chão. Via-se que estava muito tensa, o qual contradizia sua atitude relaxada. Era muito magra, mas Michael percebeu músculos bem cuidados por debaixo das mangas curtas de sua blusa. Estava pálida mas, ainda assim, era uma mulher bela. Tinha a mesma expressão perdida de quando tinha apontado com a maldita pistola. Entretanto, a intensidade de seus olhos o dissuadiu de abrir a porta e ir embora. Acabava de entender o sentido da frase «Os olhos são as janelas da alma». Os olhos de Rowan Smith diziam que estava assustada, mas que era uma mulher forte, angustiada mas atrevida. Era uma combinação cativante.

— Vou lhe dar dez minutos para explicar-se — disse Michael, entre dentes.

Demorou vários dias para encontrar a loja de flores adequada. Teria sido muito mais fácil se ela tivesse lhe dado um nome.

As mãos enluvadas abriram o livro pela página que tinha marcado.

A fachada da singela floricultura o recordava o bairro onde tinha crescido. Uma janela grande emoldurada por um toldo branco e verde, e as armações metálicas transbordavam com uma variedade de rosas vermelhas como o sangue recém derramado, samambaias que acabavam de ser orvalhados, gotejando lágrimas de água.

Perfeito, até as vermelhas rosas e as samambaias regadas.

Ele abriu a porta de vidro e uma campainha soou por cima de sua cabeça. Acolheu-o o aroma fragmentado de flores, de terra e de plantas, e um jovial «Olá, no que posso servi-lo?»

Respirou a essência da terra enquanto observava alguns arranjos de Primaveras de tons claros junto à porta. Esperou que duas mulheres tagarelas recolhessem seus pedidos no balcão e saíssem.

Um dos arranjos chamou sua atenção. Era um ramo triangular desenhado com excelente gosto, com maravilhosos esporões rosa e lilás rodeadas por um conjunto de narcisos de uma intensa cor amarela, cravos brancos e rosa e lírios cor púrpura tremendo sob o ar condicionado da loja.

Teria sido perfeito para ela em qualquer outra ocasião, mas não para um funeral. Era uma lástima.

Procurou outra página no livro murcho. Embora tivesse decorado a passagem de cor, agradava-lhe ver as palavras. Ele procurava um prazer que quase o enjoava, como se lesse inclinado sobre seu ombro enquanto ela o teclava no computador.

Lírios de Casa Branca, cravos, rosas, moluccellas, dragones, gipsófilas, todas de branco impoluto, emolduravam o arranjo floral funerário, e umas folhas de plumosus brindavam o contraste com seu verde suave, realçando a intensidade do branco. As flores, cheias de sua fragrância, tão viva, nunca deveriam ter-se instalado junto ao ataúde fechado, um ataúde que continha o corpo inerte e esquartejado de uma vida segada prematuramente.

— No que posso lhe servir?

Ele girou-se e sorriu para a jovem atendente que se aproximou para atendê-lo. Menos de trinta anos, loira. Felizmente, o texto não abundava na descrição de outros traços. Embora houvesse centenas de floriculturas em Los Angeles, teria sido difícil encontrar a conjunção de cenário e vítima se a autora tivesse incluído mais detalhes. Tinha demorado seis meses em encontrar uma garçonete que se chamasse Doreen Rodriguez em Denver.

Seu vôo para Portland sairia em menos de duas horas.

— Sim, eu gostaria de comprar uma coroa funerária. —Observou que os outros clientes saíam da loja, conversando, alheios a ele. Não tinham nem idéia de que acabavam de cruzar-se com um deus. Essa duplicidade o encheu de energia, e sorriu à simpática empregada.

— Lamento a sua perda — disse a moça. Na identificação que tinha presa dizia «Christine».

Doreen não tinha sido uma grande perda. Na realidade, nem sequer havia oposto uma grande resistência, mas ele não tinha intenção alguma de comentar esse detalhe com sua próxima vítima.

Fechou o livro e descreveu as flores que queria para a coroa. Christine tentou fazer algumas sugestões e mostrar outros belos arranjos, com muito verde, explicando que as coroas estavam fora de moda. Ele escutou educadamente.

— Isto é o que ela teria gostado — explicou.

— Eu compreendo — disse ela, com um sorriso caloroso, e a dose justa de simpatia em seus belos olhos azuis.

Era uma lástima que tivesse que matá-la.

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