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Skies Red (Vol 1)

Until Break

— Vai, vai. Anda logo, entrem aí dentro — Sussurra Paul, junto com seu grupo de sobreviventes, ele segura uma espi#garda. Todos entrou numa sala, com medo.

— Olha, não sei o que está havendo lá fora, mas vamos sair dessa — Paul encoraja o grupo, tentando manter a calma. Todos estão com medo e apavorados.

— Essa merda de fumaça preta — disse Jason, chutando a porta com toda sua raiva.

— Mantenha a calma!

— Calma? Calma numa situação dessa, Paul? Não foi sua esposa que achou essa fumaça "linda" e entrou nela como se fosse o jardim de infância?!

— Olha, ninguém sabe o que está acontecendo aqui, tá legal? — Paul aponta o dedo no peito de Jason.

— Dane-se a calma! E tira sua não de mim!

— Você tem razão Jason. Todos aqui tem razão de estar com medo e com raiva, mas não vamos mudar nada se ficarmos assim, ok? Já faz um dia que a cidade foi tomada por essa fumaça negra, e estamos juntos desde ontem. Ainda bem que tivemos sossego agora... Ninguém sabe o que está acontecendo, muita gente morreu, se estamos aqui, conseguiremos vencer.

— Ah sim, vamos sim — Debocha o Jason, diretamente para o Paul.

— Parece o seriado "O Nevoeiro", mas no lugar da névoa, é uma fumaça — disse um jovem, chamado Richard, refletindo sobre a série, sua voz está distante

— Ok rapaz...

— Não podemos deixar essa fumaça nos envolver, ela nos atrai, nós enxergamos como algo...bonito... — disse uma moça, Laura.

— Como assim, Laura?

— Não perceberam como Mary e Steve morreram? Eles foram atraídos para a fumaça, dizendo coisas como "É aqui que devo ficar" ou "Isso é lindo", sabe, foi... Assustador. É como se enxergassem a melhor coisa da vida deles. — Em tom reflexivo, Laura se encolhe pensando em seus amigos.

— Isso, a Laura tem razão. Eu vi de perto, mas não podia me aproximar muito, eu estava sentindo algo estranho dentro de mim, um sentimento... Bom... Mas sabia que se eu fosse para lá, eu mo#reria. Eu não sei explicar, gente — Disse Richard, um pouco assustado ao pensar naquelas lembranças.

— Então as pessoas veem coisas "boas" na fumaça, mas na verdade, essas

coisas "boas" é a própria mor#e? — Questionou Paul.

—  Ao que tudo indica: sim, Paul —Laura responde.

— Então temos que ter cuidado para não entrar na fumaça.

— Como Paul? É ela que atrai, mesmo que não queira, você é simplesmente puxado por ela.

—  Só não podemos ficar perto dela.

—  Nossa Paul, esse é o plano? — Debocha Jason.

— Jason, fica na sua, para de reclamar.

— Estamos sem comida, esse quarto é pequeno, alguma hora temos que sair e procurar por comida. — Jason está sem paciência, irritado com tudo e com todos.

— Estamos em seis aqui: Richard, Jason, Laura, Mia, Alexandra e eu, um de nós vai sair e procurar por comida, mas, menos as mulheres, elas ficam. Quem vai é um homem,  apenas um— Paul explicou com confiança.

— Tudo bem — Disseram o restante das pessoas.

Eles sorteiam o nome, e tiram o nome de Jason.

— Eu te dou a minha arma, Jason. — Disse Paul, entregando a espingarda.

— Para atirar numa fumaça? — Questiona Jason, impaciente.

—  Melhor não arriscar.

— Não vai servir para me#da nenhuma isso aqui. — Jason, com uma grande arrogância, joga a a#ma no chão. Paul, sem graça, pega a arma e a encostra na parede.

— Olha, a uma quadra daqui tem uma lanchonete, ela se chama Burguer Xtreme.

— Estamos em um hotel, não é mais fácil ir até a cozinha que tem aqui no prédio e pegar comida? — Pergunta Jason.

— Antes de me unir a vocês, eu fui na cozinha, e vi que já haviam pego toda a comida. Então, talvez a lanchonete ou um mercado tenha, mas o mercado nessa ilha é longe, o mais próximo é a lanchonete — responde Richard

— Tá, eu me viro. — Jason abre a porta e fecha. Ele se encontra no corredor do hotel sozinho. Parecia normal, mas estava bagunçado.

Quando Jason Chegou na rua a passos lentos, ele observou que há carros capotados, pessoas mort#s, um verdadeiro caos, e não há

corpos no chão. Durante os poucos segundos que ele está parado, a fumaça aos poucos aparece e começa a perseguir o rapaz. Jason anda para trás, se movimenta e corre em direção à lanchonete.

— Mas que merda!

   Ele corre, entra na lanchonete, tenta trancar a porta, mas não adianta.

— MER#A, MER#A, MER#A!

    A fumaça o envolve, e toda aquela raiva foi diminuindo ele respira fundo, se encontra muito cansado, a fumaça o atraiu, e com seus olhos fixos nela, de repente, tudo na lanchonete se torna um cenário totalmente novo, tudo bem arrumado. Agora há pessoas conversando nas mesas e garçonetes servindo-as. Jason se sente confuso e perdido. E na mesa à frente, uma moça muito bonita o chama pelo nome, ela é ruiva, e ele senta na mesa onde a mulher se encontra. Seu coração acelera, ele conhecia a moça.

— Você — Disse Ele

—  Sim, sou eu.

— Como veio parar aqui, Rita?

— Vi que você e sua família vieram para cá, não queria deixar você sozinho com eles, tenho que ser amante com excelência, não é mesmo?!

— É você mesmo? E a fumaça que estava aqui? Você a viu?

— Fumaça? Que fumaça? — Ela diz tomando o copo de vinho, olhando diretamente nos olhos dele. O batom vermelho em sua boca e seus olhos cor de mel, faziam o coração de Jason ser tomado pelo desejo.

— A fumaça, Rita. A lanchonete na deveria está assim. Eu, estou confuso. É  isso o que atraía as pessoas? — indagou, mas não falando com ela diretamente, apenas pensando alto.

— Elas vêem o que elas querem ver, Jason, você queria me ver.

— Não, não queria.

— Você me procurava porque sua esposa não satisfazia você. Eu sou a coisa linda que há dentro de você, garotão. É isso que a fumaça lhe revela? — Ela levanta o copo de vinho, com sorriso maléfico em seu rosto, e toma com um gole só. — Ah, que delícia de vinho, aproveite Jason

— Você não é real, não é real. — Jason está suando frio, tendo calafrios em seus corpo. Ele se levanta assustado, e o cenário torna a ficar sombrio de novo.

— Eu posso não ser real, mas a culpa é sua, Jason. — Ela dar uma risada, uma risada elegante e potente.

— Cala a boca!

— Sempre covarde...

—  Você acabou com a minha vida.

— Eu acabei com a sua vida? Você que acabou com ela, não fiz nada, a escolha foi completamente sua.

— Para! Eu mudei, tá?Eu mudei.

— Coitado, se destruiu, não foi? Adult#rio, luxú#ia... Engraçado, Jason, com você estou trabalhando diferente; com os outros, mostrei o que eles queriam ver, mostrei o que eles desejavam, e eles foram atraídos por aquilo que os governavam. Mas você, hum, você... Estou sentindo uma diferença, sei o que tem dentro do seu coração. Está louco para me ver na cama, toda sua não é?!

— Cala a boca, cala a boca!

— Dói não dói?

— Eu me arrependo, eu nunca devia ter feito essas coisas, fazia porque...

porque... se eu pudesse trazê-la de volta...

— Maldito remorso… Isso não me convence. Cadê sua esposa, hein, Jason?

—  A maldita fumaça ma#ou ela!

— Não, Jason, você que a matou.

— O que?

— Não lembra? Sua mente apagou as verdadeiras lembranças de sua memória? — A expressão de Rita é de um completo sarcasmo e diversão.

— Do que você está falando?

— O que segura em sua mão? — Aquela arma que ele jogou no chão quando estava na sala do hotel, apareceu de repente em suas mãos.

    Um resquício de memória surge em sua mente e, ligeiramente, Jason se vê no quarto, as mãos e as roupas sujas de sangue, mas, logo após, ver a lanchonete novamente.

— O que foi isso? Que merda você fez? Ela estava comigo, aqui, na ilha!

— Certeza?

— O que vai fazer comigo? Para quê tanta enrolação? Se for para me mat#r no final me ma#a logo! Eu sei que sou um m#rda de homem, que trair a minha esposa…  Pode me chamar de qualquer coisa, eu sei que sou, mas não um assassino. EU NÃO A MA#EI! — Jason se rasga em sua voz, em desespero e medo.

— Não é isso que eu vejo

— Chega disso...

— Por que? Por que eu disse a verdade, Jason? Eu conheço uma pessoa que no meu lugar o perdoaria, mas, eu não. Eu quero destruir, matar e acabar com você. — A voz de Rita ganha um eco sombrio, Jason dá uns passos para trás.

Jason, sem jeito, aponta a espingarda que apareceu em sua mão um minuto atrás e atira em Rita. A bala atravessa o corpo, mas não a machuca.

— Merda.

— Sei tudo sobre você.

— Você não sabe de nada.

— Você sabe quem é você então, Jason? Quem é você? — Jason fica calado, ele não consegue encontrar uma resposta para isso, porque está confuso e assustado..

— Ainda não acabou, ainda tem coisas para acontecer.

E ela desapareceu.

Ainda atordoado, ele lembra do que foi fazer ali e pega os lanches, ele saiu da lanchonete com vergonha de si mesmo, pelo o que aconteceu, no entanto, ao sair, é surpreendido por pessoas andando na rua. De repente, o lugar parecia normal. Jason paralisa, olha para tudo em sua volta, achando completamente estranho..

— Mas o que é isso? — Ele se pergunta.

As pessoas olham para ele na rua, estranhando o fato dele está segurando uma arma.

— Mas o que...  — Diz ele consigo mesmo, olhando para todos os lados e vendo toda aquela ilha linda e bela.

    Ele caminha lentamente pela rua. Não há nenhum carro capotado, e as pessoas não estavam com medo: está tudo normal.

— Mas que merda está acontecendo?

De repente, um homem misterioso aparece e fala com ele.

— Você está na ilha que viajou com a sua família tempos atrás, o grupo de pessoas que você viu no hotel são seus amigos, os quais que você perdeu ao longo de sua vida. Você envelheceu com culpa e falta de perdão Jason, e está sozinho.

— Mas o que? Quem é você? O que está falando?

— Siga o seu caminho.

— E essas pessoas? — A agonia na voz de Jason se instala.

— São pessoas que não se resolveram, elas continuam aqui, vivendo uma

ilusão. Elas acham que tudo está normal, mas não está. Se não solucionar os seus problemas, você acabará igual a elas. — O homem misterioso o encara, Jason se sente confuso.

— O que preciso fazer?

— Você verá...

— Que droga! O que eu vou ver?!

— Você verá, Jason. — A firmeza na voz do senhor fez Jason baixar o tom de sua voz na hora.

— Se eu me resolver, não vou salvar Paul e o grupo, não é? Eles ainda estão lá, esperando por comida. Droga! Por que não pegou o Richard ou o Paul, cacete?

— Você sabe o que deve ser feito — O senhor não responde suas perguntas, apenas aponta para uma casa. — É para lá que você deve ir.

Jason, mesmo um pouco inseguro, anda em direção a casa e abre a porta, ele fica espantado com o que vê. é a sua esposa está, no sofá, segurando um bebê.

— Olha, o papai chegou.

Jason fica confuso, ele sabe que nada é real, mesmo assim, sem hesitar, a primeira coisa que faz é ir correndo até ela.

— Joyce, me perdoa... — Lágrimas saem de seus olhos,

— Você entendeu, Jason? Pode parecer que nada disso faz sentido, mas lá fundo, eu sei que você enxergará a explicação. O que acontece aqui, é para mostrar que mesmo com a culpa do que você fez, há perdão. — A voz de Joyce é doce, angelical, suave. — Não importa o que as pessoas falem, sempre haverá perdão, não importa as circunstâncias. — A voz de Joyce é doce, angelical, suave.

— É a maneira de acabar com essa fumaça toda?

— Não, mas é a maneira de mudar você.

— Quem é você?

— Sua Joyce.

— O que faço agora?

— Arrependa-se, e se perdoe.

— E o grupo?

— Você os verá de novo, mas ainda não é tempo.

Jason fica de joelhos, em lágrimas, na frente de sua esposa que ainda está no sofá, segurando o seu bebê e sorrindo para ele, o rapaz olha para ela e sorri de volta. Ele fica de pé, e anda até a porta da casa.

— Há muita coisa que precisa saber, Jason, principalmente sobre você... — Disse o homem misterioso, que o esperava na porta. Jason olha para a Joyce mais uma vez.

— Esse bebê, é meu mesmo? — Pergunta Jason.

— Ela tinha o sonho de ser mãe. — Aquela resposta pesou mais ainda o coração do rapaz.

Jason sai da casa, e uma lembrança vem às claras: ele subindo as escadas após um dia de trabalho, completamente bêbado e irritado com a Joyce. Segurando uma a#ma, entrou no quarto, Joyce estava na cama com aparelhos que a faziam respirar. Ela estava muito doente e sofrendo muito, Jason não aguentava ver a sua esposa daquele jeito, então ele aponta a a#ma...e… At#ra…

    Parado na rua, em lágrimas, aquela mulher ruiva caminha elegantemente em direção a ele, e o rapaz paralisado, repetindo consigo mesmo "eu não consigo me perdoar, eu não consigo me perdoar, eu não consigo me perdoar". A mulher se aproxima mais e o beija, e suga toda energia de Jason, porque ele não a impediu. Ele cai no chão completamente mo#to.

O cenário muda.

E tudo volta ao começo.

Jason e o grupo fugindo da fumaça.

Ele é o escolhido no sorteio para ir buscar suprimentos.

É confrontado pela mulher ruiva na lanchonete.

E morre no processo.

De novo, de novo

E

De novo.

Até ele quebrar o ciclo, até ele se perdoar.

...FIM...

The Past Of Emily

Escuta isso? Escuta esse som? - Uma voz gelada, sem vida, se dirige aos meus ouvidos.

- Não, não escuto. - Meus olhos fechados, não quero ver o rosto dele.

- Mentirosa. Escuta com mais atenção.

- O que devo escutar? - Minha voz, trêmula, sem coragem.

- Você quer, não quer? Escuta o seu coração?

- O que você está falando?

- Da sua sede garota. - Diz ele com convicção. Abro os meus olhos, bem devagar, e vejo no escuro do quarto um homem sentado numa cadeira, pernas cruzadas e os braços apoiados na cadeira.

- Quem é você?

- Não queira saber - O sorriso malicioso ganha o destaque na escuridão do quarto. Meu corpo treme.

- Quem é você?  - Repito

- Saia agora nesse quarto, e vai até a sala. - Disse ele, com um olhar estranho e ameaçador. Tinha uma boa aparência, usava terno preto. Cabelo liso bem penteado.

   

    Imediatamente meu corpo, minha cabeça, obedeceu a ordem dele assim que ele falou. Me levanto da cama e sigo andando sem ter controle de mim mesma. Caminho devagar, passo a passo, até a sala, e ele foi me seguindo. Quando cheguei, me desequilibro toda, a ponto de me apoiar no balcão que esta à frente. Meus pais, mor#os, ensanguen#ados ali. Minha barriga revira, uma sensação de enjôo e angústia se mistura aqui dentro. E jogo tudo pra fora. O que foi isso? O que está acontecendo? Aquele moço desapareceu. Ganho o controle de todo o meu corpo. Não tenho reação. Meu Deus…. Meu… Deus

20 Anos Depois

        Não, eu não sou louca, eu não sou louca… Esse quarto sujo, fedorento, esses enfermeiros que todos os dias entram e sai daqui. Não aguento mais viver assim. Estou literalmente no hospício. Desde aquele dia… Aquele dia…. Minha vida não foi mais a mesma. Fiquei três dias parada vendo o corpo dos meus pais, ali, estraçalhados. Eu só tinha quartoze anos, não sabia o que fazer. Meus tios acharam estranho os meus pais estarem em completo silêncio nesses dias, pois toda a família era muito unida. A minha vergonha e medo de falarem o que aconteceu com eles, me paralisou, emagreci, fiquei fraca e doente. Eles chegaram em minha casa e ficaram completamente assustados e aterrorizados. Minha tia me abraçou, e o meu tio ligou imediatamente para a ambulância e a polícia, apesar de nada daquilo fazer sentido ou da em alguma coisa. Eles tentaram me criar. Mas entendo por não terem conseguido, fui uma criança quieta e na minha, na escola não cheguei a sofrer bull#ing, porque o isolamento já era o grande castigo que recebi. Aos quinze entrei nos mundos das dro#as, me tornei adolescente rebelde, no grande feito na minha vida de merda. Meus tios tentaram, tentaram e tentaram… Mas as dro#as, as bri#as, os rou#os, me fizeram parar aqui, numa clínica de reabilitação onde estou faz quase dez anos. Eles acham que sou louca, psicopata, as vezes acho que sou, sei lá, tô nem aí pra essa mer#a toda… Aquelas imagens dos meus pais estão na minha cabeça a todo momento, não consigo esquecer deles. Nem que eu tente, as dro#as meio que fizeram isso por mim. E aquele homem que estava em meu quarto nunca mais o vi na minha vida. Nunca disse nada dele para os meus tios, e a polícia até hoje não procurou o as#assino. Eu não sei mais de nada. É muita coisa. Muita coisa, muita coisa, muita coisa, muita coisa. Aqui, na minha cabeça. Na porra da minha cabeça.

      A porta do meu quarto se abre. Um homem bem vestido, negro, careca, aparentava ter uns cinquenta anos de idade. Usava óculos. Tinha uma expressão séria, mas ao mesmo tempo amigável.

- Olá Emily.

- Quem é você? — Nunca tinha o visto aqui, acho que era um daqueles caras.

- Sou o novo psicólogo — Sabia, ele é um daqueles caras.

- Cadê o Martin?

- Não pôde vir.

- Porque não pôde?

- Porque não pôde.

   Fico olhando pra ele, e ele pra mim. O cara anda e senta numa cadeira no canto do quarto ao lado da janela, que dá a vista para o lado de fora.

- O dia está lindo hoje. Você tinha que ver. — Comentou ele

- É, deve está mesmo.

- Não tem curiosidade em ir ver?

- Porque eu teria?

- Porque soube que você vive nesse quarto.

- Não tem nada de interessante lá fora, só pessoas malucas e que vivem comendo bosta.

- Isso foi bem nojento, e específico.

     Reviro os olhos, minha cabeça grita demais, me vejo impaciente com esse cara.

- Sabe Emily, às vezes temos que olhar para uma janela, pois lá fora sempre existe algo interessante para se olhar. — Ele comenta ainda olhando para janela, sem nenhum momento olhar para o meu rosto.

- Você tem pinta de poeta.

- Oh, obrigado.

- Poeta de merda do cacete — Continuei

- Oh, essa doeu Emily.

- Por favor, caia fora daqui. Não está me ajudando em nada. - Me deito na cabeça, de costas pra ele, só quero ficar na minha, esse cara já encheu o saco já.

- Olha, não vou sair daqui não. Tenho hora marcada e, temos muito tempo aqui ainda. Eu conheci a sua história Emily, é realmente muito triste para uma garotinha, e ainda perder toda a juventude nesse lugar...

- Você nem imagina — Droga, as lágrimas rolaram sobre o meu rosto. Não quero chorar, não na frente desse cara.

- Não quer contar o que está sentindo? — Pela voz, ele já sabia que estava quase chorando. Quando noto, vejo uma pessoa em pé no banheiro. Me levanto da cama imediatamente.

- Tem mais alguém aqui?

- Não.

- Vi... Vi alguém no banheiro…

- Não tem ninguém no banheiro Emily.

- Tem sim, eu vi.

- Ok, vou entrar e te mostrar que não tem nada.

- Não, não… — Mesmo insistindo, ele caminha, entra no banheiro. Minha respiração se torna pesada. Corpo frio como um gelo. Mal sinto minhas mãos. Ele sai do banheiro.

- Viu, ninguém. — Disse ele, com tom leve para de fato me acalmar. Que merda aconteceu.

- Ele, ele estava aqui.

- Quem é ele Emily?

- Ele... Ai meu Deus.

- Emily calma, eu estou aqui.

- Ele está aqui, ele está aqui... - Meu Deus, minha cabeça está girando, ruídos e barulhos da minha alma assolam todo o meu ser.

- Vou chamar a enfermeira, tá bom?

- Não, não, por favor não saia. - Seguro as mãos dele, meu Deus, estou realmente desesperada.

- Preciso chamá-la, será rápido- Diz ele com certa expressão de tristeza, uma expressão que me pareceu verdadeira.

- Não por favor, sério, eu estou com medo... Muito medo.

- Emily, está tudo bem... Não tem ninguém aqui - Ouvindo essas palavras, olho para janela com os olhos caindo em lágrimas. Meu peito faltava explodir, eu não aguento mais.

- Preciso ir... - Ele largou minha mão, e mal olho para ele, não por birra, mas, é algo que mexe comigo. Sempre quando senti medo, nunca ninguém ficou comigo. A porta se fecha. E o silêncio rodeava aquele quarto escuro com apenas uma fraca iluminação natural do dia lá fora. Esse silêncio ouvia todos os dias sentada naquela cama. Olho para o banheiro de novo, receosa. Minha respiração fica pesada, meus braços ficam fracos, a vontade de correr daquele lugar era enorme. Mas ao mesmo tempo quero ficar ali...

- Emily … — Essa voz, aquela voz

- Emily.

- Você.

- Ainda.

- Tem.

- Sede.

          

         Cac#te que merda é essa.… Que vozes são essas? Saio da cama toda desequilibrada, cheguei a cair e corro até a porta e a abro. Olho para direita e à esquerda. Estava tudo vazio. No corredor há várias portas uma no lado da outra, quando percebo, todas abrem ao mesmo tempo. Eram oito portas no total, lá no fundo uma janela. Nessas portas saem pessoas ao mesmo tempo, elas ficam paradas e se viram para mim. Elas não tinham olhos, nem boca e nem nariz, mas tinham cabelos. Todas são mulheres. Elas colocam o dedo na mesma sincronia na cabeça. Barulho de ti#o.… A cabeça delas explode, fazendo todo corredor se sujar de sang#e… Meu coração falta explodir. Me sinto paralisada, e atrás de mim escuto alguém cantarolando alguma coisa e andando em minha direção.

                "Emily, você está com medo?

   Não precisa garotinha, estarei contigo o dia inteiro.

Quero te matar, não precisa de mais segredos

  Garota tola, venha brincar, pois sua morte chegará"

       Ele cantou esse verso em meus ouvidos, seguido de seu sorriso. Meu corpo estava gelado, arrepiado. Não consigo parar de tremer.

- Quanto tempo Emily

- Você... É…

- Ah que chato, porque quer saber? É tão divertido quando as coisas são as escuras.

- Po-po-por...favor...

- Está com medo? - A voz dele era áspera, sagaz. Ele anda lentamente e fica ao meu lado.

- Olha só que beleza Emily, todas elas mortas. Esse sangue, corredor escuro. Isso te lembra algo? — Ele olha pra mim, mas não consigo olhar pra ela. Fico com a visão na janela na frente. E eu ando sem vontade própria até a janela.

- Isso, continue andando até a janela. E abre ela.

      Chego na janela. E abro, quando olho para o lado de fora, vejo o parque de diversões. Apesar de não ter nenhum parque nesse hospício, vejo várias crianças brincando. Uns estavam na cabeça atirando em objetos para ganhar um urso. Outros em barracas brincando de outras coisas. Era várias e várias coisas ao mesmo tempo, não estou com paciência de ficar vendo tudo. Esse dia é familiar... O que? Meus... Meus pais, e eu... Mas o que? Estou com vestido vermelho comendo um doce, e os meus pais estão discutindo. Minha mãe está chorando um pouco enquanto meu pai fica falando no ouvido dela.

- Lembra desse dia, garota?

- Me tira daqui.

- Ah não quero, foi o dia que você.… Mat#u seus pais, ou melhor, seu pai - Ele riu nessa parte final da conversa. Risada contínua, risada que machuca sua alma.

- Cala a boca… – Meu coração ganha certa raiva por ele

- Uma garotinha tão fofa mat#ndo o próprio pai?… Você não tem jeito, sua vida foi destinada ao fracasso e ao fogo eterno, nem Deus perdoaria você Emily…

     Quando ele disse a palavra "Deus" esse nome… Me veio uma certa lembrança da minha infância. Desço as escadas aos sons do piano, e vejo uma linda mulher de vestido azul tocando, era minha mãe, ela me olhava com belo sorriso, me colocava em seu colo, e cantava uma canção sobre Deus, sobre o Amor dEle, só o quão poderoso Ele é… Como eu me esqueci de tudo isso?... Volto em si, e ele me encarava com aqueles olhos vazios e maus.

- Um homem invadiu a casa, e esse homem foi você. – Disse olhando pra ele

- Eu? Eu sou parte de você garotinha.

- Parte de mim?

- Não se lembra? Seu pai estava traindo a sua mãe, você como uma criança pura e besta pegou o celular e disse "Mamãe, papai tem outra namorada" Idiota você né… Ai…Qual era mesmo o nome dela?... Ah sim, era Bárbara — Quando ele disse esse nome, lembrei-me daquele dia, mas, estranho, tudo está embaraçado aqui na minha cabeça — Seus pais naquela noite brig#ram, e você, viu toda a briga… Viu seu pai dando um soco na sua mãe, que morr£u na hora quando caiu e bateu a cabeça no chão com tudo, foi uma delícia, você então, pegou uma faca e deu uma nas costas, na barriga... Ele te olhou confuso, e caiu mor#o no chão... Você corre pro seu quarto... E fica debaixo das cobertas…  Você me escuta?.... Sua mente reprimiu tudo isso, agora eu quero a sua alma, vim buscá-la..

- Para.

   A risada dele era o som que ganhava força naquele hospício do inferno, o corredor escuro com luzes roxas dava uma atmosfera sinistra.

- CHEGA….PARA.… PARA.…. – Minhas lágrimas era única coisa que fazia nesse tempo, a impotência me controlava.

      O cenário mudou, estou numa rua escura e tinha várias lembranças minhas nela. Vi meus pais me segurando recém nascida no hospital, me levanto, ainda em lágrimas, ando mais um pouco, e vejo meu primeiro dia de escola, e meus pais lá, me acompanhando... Várias lembranças.

- EMILY - Minhas lembranças desaparecem, virando uma certa poeira, olho para ele. Me chamou com tom de fúria e muito ódio, ele andava atrás de mim e eu não consigo me mover, caio no asfalto, que se transformou naquele corredor do hospício novamente. Estou cansada e confusa. Ele fica parado em minha frente com aquele sorriso sarcástico.

- Agora é a hora Emily, você não vai conseguir viver com essa culpa. Se jogue nessa janela. Agora.

- Não.

- Não?

- Você está mentindo.

- ME OBEDEÇA ! SE JOG#E NESSA JANELA... AGORA POR#A!

- DEIXA ELA! - Uma terceira voz intervém. Ele ficou confuso. Todo o cenário foi tomado pela luz.

- Não, você aqui não.

- Sai - A voz tinha autoridade, e ele tentou resistir

- Miguel, você não tem nada pra fazer aqui.

- Vai resistir a Ordem Divina? SAIA - A luz ficou muito forte, muito, de repente, não conseguia olhar quem era, cobria com os meus braços, é uma luz forte. O cara mau se enfurece e desaparece na escuridão, e esse tal de Miguel anda em minha direção. O que está acontecendo… Me sinto fraca, sem forças, não consigo me levantar. Ele me coloca em seus braços. Suas asas eram enormes, e ele anda até um elevador, e vejo de relance ele apertando o botão do último andar. A porta do elevador era de vidro, conseguia ver aquele corredor, de repente, aquele cara aparece todo desfigurado, gritando com toda fúria e ódio. Minhas lágrimas rolaram de novo, o pavor flerta com a minha alma, o Miguel permaneceu firme.

- Calma, não precisa ter medo, estamos aqui com você — Disse esse tal de Miguel. E o outro batia e batia na porta de vidro, até que o corredor  do hospício foi tomado e consumido pelo fogo. Menos o elevador. Ele ainda me segura em seus braços, com sua armadura vermelha e Asas enormes, cabelos pretos, mas não conseguia ver o seu rosto… O elevador sobe e sobe, e os meus olhos… Ele se apagam, e escuto um som de piano... Uma lembrança de desperta com a minha mãe tocando e cantando uma música melancólica em seu piano, me aproximo dela, sento em seu colo, rindo, leve, juntamente com ela de novo.

...    FIM...

  

Paradoxo de Kevin

— "Tudo que você faz, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo. Odeio tudo que você faz."

— Falta de amor próprio é perseguir a si mesmo. — Digo

— "Odeio tudo que você faz, tudo, tudo, tudo,tudo."

— Você... Se persegue.

— "Tudo, tudo, tudo."

— Não é mesmo Kevin? — A voz do psicólogo me despertou dos meus pensamentos.

— É, exatamente. — Nossa, estou tão distraído.

— Me conte mais sobre isso. — Ele se posicionou em sua poltrona, com caderno em mãos, interessado em me ouvir. Ele é um homem preto, alto, aparenta ter uns cinquenta anos. Bem elegante e inteligente. Seus óculos combina com seu rosto, seus cabelos estão quase ficando brancos, porém combina com seu estilo.

— Não há nada para contar, apenas isso.

— Você tem certeza? — Ele me olha fixamente, é um bom psicólogo. Depois de passar por alguns, esse ao menos me deixa mais confortável. 

— O que está pensando Kevin?

— O porquê de eu estar aqui. — Meus pensamentos esta a mil. Aquela sensação de odiar a si mesmo, é isso. Há coisas que... Não sei... Uma... Dor

— Você está se cuidando, se conhecendo, isso não é besteira Kevin. Esse lugar é todo seu. 

— Isso é o que você diz.

— O que isso quer dizer?

— Eu... Eu não sei. Não quero forçar.

Sinto vergonha de tudo aquilo que sou e faço. Não gosto do meu jeito, da minha voz, de mim mesmo.

— Porque? Você é um garoto talentoso, canta bem, li uma de suas poesias, porque pensa assim de si mesmo?

— Que bela pergunta.

— Reflita nisso. Com certeza há qualidades incríveis dentro de você. E eu citei umas — Ele sorrir pra mim, e é confortador. E seus olhos continuam em mim.

— Eu não me vejo assim ...

— Quando isso aconteceu? Você se lembra mais ou menos quando ficou assim? 

— Desde a minha adolescência, não me lembro exatamente.

— Podemos trabalhar nisso. Mas por hora, quero dizer que você tem seu valor Kevin, há algo dentro de ti que é especial, use o que ama. Esse sentimento vem de uma preocupação com a impressão alheia. Estamos há meses aqui e vejo que você tem estado preso ao pensamento de outras pessoas. "Ah, o que vão achar de mim? O que falarão se eu fizer tal coisa?" Essas pessoas não pagam suas contas, concorda comigo? 

— É talvez. Acho interessante o que você disse. 

— A nossa sessão terminou Kevin, mas quero dizer a última coisa. Você tem seu valor, o que você faz importa.

— Obrigado... — Me levanto do sofá e dou uns passos até a porta, quando toquei na maçaneta ele me surpreendeu assobiando.

— Kevin, você sabe o que há por trás dessa porta?

— A saída?

— Resposta superficial, mas foi certa de alguma forma.

-— Tá... — Achei essa abordagem estranha, ele nunca fez isso. Tento abrir a porta mas, ele me chama.

— Não, não quero que vá. 

— O que você quer? Você não disse que tinha terminado a sessão?

— Quero falar de lágrimas. — Em nenhum momento ele olhou para mim quando disse que encerrou a sessão, só está olhando para o seu caderno.

— O quê?

— Foi o que você ouviu.

— O que isso quer dizer?

— Você escuta essas lágrimas?

— Quê? Não.

— Certeza? Digo de lágrimas na alma. — Ele volta a me olhar, agora sério.

— Isso aqui está estranho. — Giro a maçaneta, quando saio do consultório, me deparo na sala de novo e vejo o psicólogo ali, sentado. Olho para trás, e a porta está lá, fechada.

— Entendeu a minha pergunta? O que você vê na porta?

— O que você fez?

— Eu fiz? Ou é a forma como você enxerga a si mesmo?

— Para com isso.

    Me sinto trêmulo, abro a porta tentando sair, quando abrir, lá estou eu de novo na sala. Abro novamente a porta, e mais uma vez na sala, e aquilo se repete, é um looping. Estou ficando irritado, corro abrindo aquela coisa, mais uma vez eu paro na sala, e ele sentado me observando.

— O que você fez? O que é isso?

— Kevin, você está preso na sua dor, por isso que irá parar sempre aqui na sala, não importa quantas e quantas vezes você abra aquela porta. Você sempre estará aqui. 

— Eu, eu.... Mas o que é isso? Eu, eu não tô entendendo.

— Hum, ansiedade.

— Eu... Eu... 

— Respira Kevin.

     O ar saiu de meus pulmões, poderia descrever de mil formas o que é isso mas eu não consigo. Isso só pode ser pesadelo, eu não consigo respirar... Ele estava me orientando mas não conseguia prestar atenção...

— Xiiii... Você precisa aprender a sair dessa caverna. — Disse ele se aproximando de mim, com uma expressão vazia e cinzenta. Ele faz um gesto com as mãos, ele estala os dedos e de repente, todo o cenário se transformou num palco de teatro, as luzes todas se focaram em mim. Me encontrava sozinho lá, o psicólogo esta na cadeira da frente, me vendo em cima daquele palco e todas as pessoas começaram a me aplaudir. Não estou entendendo, só sinto vergonha, constrangimento, todas aquelas pessoas me olhando ali em cima. Eu não me atentei, mas na minha mão tem algumas folhas de papel, é o... Roteiro? Não esta escrito nada nela, apenas o título.

"Saia na Caverna ou morra no palco"

    Mas que título é esse? E tudo em branco? A galera em paralelo esta delirando, foi quando entrou uma outra pessoa no palco. Vestida toda de roupa preta, usa um chapéu enorme, e é recebido por muitos aplausos. A pessoa usa uma máscara com bico de tucano, e é um pouco cômico e bizarro. Depois entrou uma moça, com vestido de bailarina rosa e com asas. Estou entendendo nada disso o que está acontecendo, me sinto dormindo por dentro, paralisado, em um grande pesadelo sem fim. 

    Não sei usar palavras direito agora. Eles se aproximaram de mim e fizeram uns improvisos estranhos com uma dança, fiquei perdido no que fazer. Até que todos olham para mim. Ambos estão esperando eu fazer alguma coisa mas, não sei o que fazer. A plateia ficou em silêncio e a vergonha bateu a porta.

— Eu sabia que isso iria acontecer. Você foi irresponsável e acabou com peça, hein Kevin, obrigado por ferrar a minha carreira. — Disse o homem de preto.

— Você não leu o roteiro Kevin?

— Que? Eu... eu... Tudo muito...

    Rápido, rápido, rápido demais. As pessoas da platéia ficaram de pé, dessa vez em silêncio. Todos eles começaram a apontar o dedo para mim. Inclusive os dois que estão no palco comigo. Eu não consigo descrever o sentimento direito, é uma vergonha, humilhação, tudo misturado. Aquele psicólogo louco foi o único que não apontou o dedo para mim, mas me observa, e de longe no meio daquela cena toda eu ouvir ele dizer.

— As lágrimas...

...... 

     Acordo, e me vejo naquela sala de novo com psicólogo. Ele esta em pé de frente a janela, observa o céu e todo o cenário lá fora. Logo na frente tem um copo com café e um pedaço de bolo.

— Pode pegar, aposto que está com fome.

— O que aconteceu... — Estou muito confuso, eu dormir esse tempo todo?

— Do que está falando? — Observo uma ponta de confusão em seu rosto

— De tudo, do teatro, as pessoas...

— O que você acha que aconteceu?

— Eu... Minha cabeça tá doendo...

— Normal, a terapia é uma profunda viagem, você está nessa viagem rumo a cura. Você ficará bem.

— Você não se lembra? 

— Do que eu devo me lembrar Kevin? 

— Da peça, do teatro. Me senti tão... Tão exposto.

—Mais uma vez, porque eu deveria? 

— Porque você estava lá. Para de falar em enigmas por favor . Tem algo muito estranho acontecendo aqui e não sei o que é. Você estalou os dedos eu lembro disso.

— Kevin. Esse é o processo. Você está dentro de um paradoxo emocional.

— O que?!

— Você entenderá.

— Você, tudo isso. O que está acontecendo, por favor, me diz? 

— Você busca por afirmação ou controle?

— Que?

— Durante todos esses meses, percebi isso. Você busca por afirmação, controle, não quer passar uma imagem distorcida para as pessoas de si mesmo. Muito das vezes a forma como nós nos enxergamos é completamente diferente como os outros nos vêem. Talvez você sinta vergonha de si mesmo, um ódio, uma raiva. Mas outras pessoas ao seu redor o amam como você é, sem máscaras, sem nada. O amam apenas pelo que você é. 

     Ele ergue as mãos e estala os dedos novamente. Parece que eu estou dormindo e ao mesmo tempo acordado. Sensação estranha. Mas aquelas palavras que ele disse esta ecoando aqui dentro de mim. 

      Estou em um lugar todo branco, uma certa neblina esta no local onde me encontro. Não sei dizer ao certo, enxergo nada, a não ser a neblina. Começo a andar inseguro e procurando alguma saída. Nada tinha. Logo a frente, uma figura vai se formando, vejo uma cadeira marrom, no momento fiquei parado e, vi uma silhueta de homem andando lá no fundo. Não vejo o rosto, apenas o corpo caminhando rumo ao nada. Vou me aproximando mais. Ele usa calça preta e jaqueta jeans. Tento me aproximar mais dele e... Consigo ver seu rosto, sou eu mesmo.

— Você deseja se matar. Não é? — Ele diz, com seu tom melancólico. Ele esta em pé olhando para alguma coisa, apenas vejo suas costas e o perfil de seu rosto.

— An? Que?

— Olha esse revólver. Apenas um tiro. — O modo como ele fala, é de contemplação.

— Não faça isso. — Eu peço

— Porque não? Você mesmo pensa assim.

— Mas é diferente tá, é diferente. Não penso nada disso

— Já se esqueceu?

— Do quê?

— Assuma, Kevin. — Ele anda lentamente até uma mesa que se formou no meio da neblina. Em cima dela tem uma arma.

— Ei, ei por favor para, não faça isso.

—A arma não é pra mim, clone meu — Verdade, aquilo está tão confuso e tenso que nem reparei que ele tem a mesma aparência que eu. E que merda, não faço a mínima ideia do que está acontecendo. 

— Como assim não é pra você? Quer me matar então?

Um sorriso se forma em seu rosto, ele tenta se segurar, e consegue. 

— Se lembra das lágrimas Kevin? 

     Quando ele disse isso. Vejo minha mãe no meio daquela neblina. Mas ela não me ver, e vejo uma criança. Sou eu... Estou chorando muito, fico bem perto deles, mas eles não me vêem, é apenas uma lembrança. 

     A criança não para de chorar, e a minha mãe diz "Você é ridículo seu moleque, seu pai não tá mais aqui para salvar você, seu merda" e ela bate nele com cinta, várias e várias vezes...

      E a lembrança desaparece. Acho que me lembrei de algumas coisas que de alguma forma eu esqueci...

— Tá vendo porque eu quero fazer isso? Sou um fracassado, nem Deus salva você...

     Ele coloca o revólver na sua cabeça. O olhar dele tem uma tristeza e desesperança profunda demais, eu era assim, eu sou assim!

— Eu sou apenas o seu desejo Kevin. E é isso que você quer.

— Não, pense bem.

— Pensei muito.

— Você quer apenas aprender a lidar com a vida. Você quer apenas ser amado, eu sei que quer isso. Você não recebeu o amor de sua mãe e muito menos de seu pai. 

      De repente ali no momento, quando menos esperei, as lágrimas rolam sobre o meu rosto. Uma agonia se acende, a dor se abre, pensamentos do meu passado me assombram.

— Tá vendo. Não faz mais sentido Kevin.

— Pra mim também não, mas vendo você aí com essa arma...

— Cala a boca.

— Você é amado Kevin. Não importa que...

— Esteja passando? Blá Blá Blá... 

— Há esperança. 

— Para de ser hipócrita. Eu sou o que você sente. Não venha com falsa esperança porque não é isso que você tem sentido. Lembra? As lágrimas Kevin. É, essa é a nossa luta diária. Essa é a nossa história. 

— Mas eu posso mudar. Por isso estou fazendo terapia. Eu mereço ser feliz.

— Você é a parte interna que está lutando para acreditar que de fato existe esperança aqui no mundo. Você é a parte que se aceita. Somos opostos Kevin, sou racional, sou realista. Você vive no mundo da fantasia. Esperança pra cá e pra lá. Não importa o que faça ou fala. Eu sempre vou pegar uma arma e apontar na minha cabeça. 

— Não, não, não,não. Isso tá errado. Você merece viver.

— A dor Kevin. Mereço viver?

— Eu estava no teatro e aquele psicólogo me fez perceber algo. A dor sempre vai existir, mas podemos não deixar com que ela nos domine.

— O que você sabe sobre domínio Kevin? — O tom de voz dele engrossa, sua expressão é de completo ódio. 

— Eu sei, eu sinto.

— Não é a questão aqui Kevin. É o paradoxo. Eu e você somos um, o lance da porta, já era eu dentro da sua alma.

— Kevin... Nós dois merecemos viver... — Cansado de discutir, sinceramente, ele é difícil... 

— Que seja.

— Essa conversa está confusa, eu sei.

    Ele coloca a arma na sua cabeça, corro em direção a ele e o abraço. Sou eu mesmo ali. Ele ficou irado e me empurrou.

— SAIA DAQUI.

— Por favor, me deixe ajudar.

— Não tem nada para me ajudar! - Ele grita

     A arma esta jogada no chão, corremos em direção a ela, mas ele é mais forte do que eu, me chuta, e fico caído no chão, ele caminha e pega a arma. Eu vejo que ele esta chorando, mas um choro de tristeza e ódio.

— Eu não acredito que devo matar você Kevin. Pois eu farei isso agora.

— Eu não vou desistir de mim mesmo, mas se você quer, vai, atire.

     E entre a neblina vem outras pessoas andando em nossa direção, elas estão vestidas de branco, não vejo o rosto deles mas sei quem são. É difícil explicar. Umas cinco pessoas ficam em volta de mim, eles estão vestidos de branco.

— Você não está sozinho — Uma das vozes dizia.

— Estamos com você Kevin.

— Você é valioso.

— Você é amado.

— Você é filho. 

— Você é o escolhido. — Essa voz. Firme e acolhedora, cheia de amor. Todos são assim, mas essa voz é diferente, é cheia... De luz.

    De repente o outro eu desapareceu, a arma ficou caída no chão, o Homem de Branco da voz acolhedora pegou ela, e a jogou fora, e essas pessoas que estão em volta de mim me abraçaram.

— Ele voltará e enxugará todas as suas lágrimas. Mas até esse dia, seja forte e corajoso. Ele estará com você por onde você andar.

    Tudo fica em branco, sinto uma paz.... Acho que estou ficando bem.

....... 

     Uns dias se passaram desde essa experiência. Sentado, com ele me olhando atentamente, me encontro envergonhado, mas leve. É estranho você contar seus problemas para uma pessoa que não conhece. Mas é bom. Ainda não me acostumei.

— Kevin, você tem melhorado bastante durante esses dias, consigo ver isso.

— É, estou sabendo lidar com algumas coisas.

— A nossa sessão termina aqui Kevin. Nos veremos na semana que vem?

— É, claro. Sim com certeza. — Me atrapalho quando falei com ele, eu sinto algo bom, nunca sentir isso, aliás, foi a bastante tempo.

— Tudo bem. Está livre por hoje Kevin.

    Disse ele com um sorriso no rosto. Pouco sem jeito me levanto da cadeira e sigo até a saída, giro a maçaneta e... Olho para ele, que volta a me olhar. Ele sabe o que pensei nesse hora, e se aquele looping acontecer de novo? Eu abrir a porta e voltar pra cá? Não importa, eu giro a maçaneta, e saio da sala.

......FIM......

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