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Um Destino... O Amor! "Amores Improváveis (Vol. 2)"

1

Segunda fase:

UM DESTINO... O AMOR!

"Amores Improváveis (Vol. 2)"

 

 

 

 

“A verdade liberta, pois você pode fazer o que quiser com ela, inclusive negá-la, mas a responsabilidade é sua quando ela aparecer.”  Pry Olivier.

...1...

Maria Fernanda teve uma gestação turbulenta. Ela passou praticamente a gravidez toda deitada em uma cama, com uma gravidez de risco.

Dudinha nasceu prematura e passou dois meses internada em uma unidade intensiva. Nesse período, foi diagnosticada com uma osteomielite e foi cuidada com todo amor e proteção de Maria Fernanda.

Quando Giovane soube que Maria Fernanda estava passando por problemas de saúde em Paris, entrou em um avião e foi encontrá-la. Foi ele que a auxiliou durante o período tumultuoso da gravidez. Ele também registrou a bebê como sua filha e, quando Dudinha já estava mais forte, voltou para o Brasil. Giovane tinha assumido compromisso com a jovem filha de um fazendeiro vizinho.

Maria Fernanda se dedicou aos estudos e a sua pequena. Ela só abriu seu coração para tentar um novo amor depois de quatro anos que estava na França. Manteve um relacionamento com um colega de faculdade, mas foi algo superficial e não sustentou por mais de seis meses. Nesse período, Thiago viajou à França a negócios e a reencontrou. Desde então, Paris passou a ser o destino preferido do taiwanês.

Ela não era mais a menina indefesa que saiu do Brasil com o coração estraçalhado. Passou a ser uma mulher forte, inteligente, corajosa e sábia. Na França, estudou economia, fez mestrado em técnicas financeiras, estagiou e foi contratada por uma das maiores empresas de auditoria daquele país.

Na cidade capital da moda, aprendeu o gosto pela elegância e requinte das vitrines, então aliou os estudos da amiga Suelen — em moda — com a sua experiência profissional e colocou em prática um projeto. Iriam abrir uma grande loja de moda feminina. Com muita experiência em finanças, ela sabia que em Paris o mercado seria acirrado pela concorrência. Por isso mesmo, resolveu encarar os fatos, verificar cicatrizes e pensar em voltar para o Brasil.

Ela e Suelen conheceram o prazer pelas obras

de caridade. Juntas, visitavam orfanatos, promoviam eventos para arrecadar alimentos e utensílios para os menos favorecidos e doavam de seu próprio bolso. Além disso, Maria Fernanda incentivava a filha a seguir pelo mesmo caminho. A mulher escolheu não seguir pelo caminho da arrogância e orgulho, assim se tornou uma mulher fatalmente linda, notada por muitos, segura e com uma ousadia inabalável.

Eduardo, com o passar dos anos, tornou-se muito competitivo e arrogante. Sua ambição pelos negócios se multiplicou e, com o poder, vieram os inimigos e na mesma proporção, as mulheres. Ele nunca assumiu compromisso oficial com nenhuma delas, pois a jovem de cabelos longos e olhos azuis com quem ele casou, mesmo estando longe por oito anos, nunca foi esquecida.

PARIS — FRANÇA

OITO ANOS DEPOIS.

— Me ofereceram o dobro do meu salário para que eu desistisse do pedido de demissão. — Maria Fernanda se sentou em uma das aconchegantes poltronas em sua casa. — Não há mais o que fazer. Aprendi muito como auditora fiscal, mas está na hora de abrir meu próprio negócio.

— Tem certeza de que não vai se arrepender, gatona? Você fica tão poderosa descobrindo os podres das empresas e deixando todos aqueles golpistas temendo por sua chegada.

Suelen sabia que seu maior sonho estava prestes a se realizar, mas queria ter certeza de que a amiga estava realmente feliz com o novo projeto.

Através da influência de Maria Fernanda, a visão de futuro de Suelen foi aguçada e a morena estudou muito para conseguir seu diploma de design de moda. Abrir uma grande loja tendo Maria Fernanda como sócia era onde ela queria chegar, aquilo finalmente estava prestes a acontecer.

— Amo a experiência que a profissão me trouxe, mas às vezes é preciso assumir riscos para alcançar excelência. Meu primeiro passo é sair da zona de conforto.

— Eu só estou me certificando de que você está certa disso, porque eu estou muito feliz! — Suelen pulou do sofá onde estava sentada e abraçou a amiga, toda empolgada. — Vamos ser sócias, gatona! Quando eu poderia imaginar que eu voltaria ao Brasil empresária?

— Maman… — Dudinha correu e se jogou entre as duas, que ainda se abraçavam.

— Cuidado, petit, olha sua perna!

Dudinha tinha finalizado mais um tratamento para conter as dores que sentia na perna.

— Já estou quase curada. Esses remédios são bem fortes. — A voz de Dudinha soava com bastante firmeza e convicção. Quem não a conhecia fazia outra ideia dela, pois seu corpo miúdo escondia uma mente carregada de esperteza.

— Maman tem muita fé, ma princesse. Brevemente essa dor nunca mais vai voltar. Agora só falta a última cirurgia.

A pequena, com sete anos, já tinha sido submetida a quatro grandes cirurgias. A doença já tinha sido eliminada, porém deixou suas sequelas. Dudinha ficou com três centímetros a menos em um dos joelhos, algo perceptível e doloroso. Uma simples caminhada no parque ocasionava fortes dores e às vezes febre emocional.

— Vem cá no colo da tante, minha bonequinha.

A menina se jogou no colo de Suelen e começou a trançar os cabelos da tia.

— Você já falou a ela? — Suelen sussurrou sobre a cabeça da pequena para que apenas Maria Fernanda ouvisse.

— Não — a mãe sussurrou no mesmo tom.

— Por que não fala logo? — Suelen continuou sussurrando.

— É um segredo de dois? — Dudinha perguntou no mesmo tom das duas.

Nanda e Suelen se olharam e não conseguiram segurar a risada. Suelen abraçou e beijou a bochecha da menina várias vezes, ainda sorrindo.

— Você é uma petit muito esperta. É mais esperta que sua mãe quando a conheci. — A morena deu sua típica e contagiante gargalhada.

Nanda jogou uma das almofadas na amiga e puxou Dudinha para seu colo.

— Nos próximos dias, vamos para outro país, petit. Maman e sua tante vão abrir uma loja enorme, cheia de vestidos e muitos espelhos. — A mãe preferiu usar as palavras, pois uma das brincadeiras preferidas de Dudinha era vestir seus vestidos, desfilar pela casa e parar em frente ao espelho, onde para ela era o final da passarela.

— Eu vou poder trabalhar com vocês?

— É justamente por isso que a maman está mudando de trabalho. Agora vamos trabalhar todas juntas. Eu, você e a tante.

— Sabe para onde vamos? Para pertinho de seu papa[5] — Suelen falou despreocupada e Maria Fernanda olhou seriamente para ela. Suelen logo tratou de consertar.

— Seu papa, Thiago. Ele está te esperando para te encher de presentes.

Quando Dudinha completou quatro anos e seis meses, chamou Thiago de papa pela primeira vez. Apesar de ter se sentido muito importante, Thiago conversou com ela em uma linguagem infantil e confirmou a explicação da mãe da pequena, que ele a protegeria como pai, mas que o seu pai de sangue era outra pessoa, que um dia ela poderia encontrálo. A menina, muito esperta, insistiu que ele era seu papa, então não houve mais nada a fazer.

Existia uma amizade verdadeira entre Thiago e Nanda, embora o taiwanês nunca escondesse sua real intenção. Quando Dudinha estava com um pouco mais de seis anos, Nanda aceitou o pedido de namoro de Thiago. Ansioso, ele passou a contar os dias para o final do contrato de casamento que prendia a sua namorada ao ex-marido.

— Ele me prometeu um chiot quando casasse com você, maman.

— Então teremos que procurar uma casa com quintal para seu cachorrinho. — Maria Fernanda beijou os cabelinhos loiros da filha.

— Agora é só arrumar as malas! — Suelen fez cócegas no abdômen da menina, fazendo-a se contorcer no colo da mãe.

BRASIL

Dudinha foi a primeira a avistar Thiago no portão de desembarque. Ele sorriu com os olhos cheios de lágrimas, pois estava muito feliz. Não conseguia esconder a alegria de ter a mulher amada e seu presentinho por perto.

De agora em diante, as veria com mais frequência e não apenas nos feriados prolongados, onde era possível fugir da administração da joalheria.

— Papa! — Dudinha gritou em francês, desprendeu-se de Nanda e correu para os braços de Thiago, que a abraçou com ternura.

— Meu presentinho lindo.

— Je t'aime, papa.

— Eu também te amo muito, francesinha.

A mãe analisou a cena fofa a sua frente com lágrimas de felicidade nos olhos.

— Ele é lindo, não? — Maria Fernanda perguntou orgulhosa.

— Eu não vejo nada de mais — Suelen provocou a amiga.

— Olha só se não é a mulher mais linda do mundo. Me deixa ver. — Thiago girou a namorada pelo braço, enquanto Dudinha estava agarrada em seu pescoço. — Está ainda mais linda.

— Vamos acabar com essa melação, pois estou muito cansada e meus pés merecem descanso — Suelen reclamou.

— Você também está muito bonita Suelen, mas vejo que continua a mesma reclamona de sempre.

— O problema é que agora sou rica, querido amigo. — Suelen rodou o indicador que destacava a unha de gel. — Sou rica e futura empresária. Por isso, sou praticamente obrigada a andar com esses saltos quilométricos.

— Você poderia usar uma sapatilha. — Thiago tentou achar uma solução para a amiga dramática a sua frente.

— Se existiu sapatilhas um dia, eu não soube da existência. — Suelen deu a risada contagiante.

Ela usava os saltos porque gostava e era dependente deles. — Vamos! Vamos indo porque preciso visitar meus veinhos mais tarde. — A morena bateu no ombro do taiwanês, que estava em um elegante terno.

Juntos, seguiram para a cobertura de Maria Fernanda em um dos prédios requintados da cidade. ***

Todos já estavam na cobertura. Naquele momento, as mulheres estavam na sala descansando da viagem e Thiago estava massageando os pés da namorada.

— Separei dois pontos no shopping para vocês darem uma olhada. Um é imenso, com dois pisos, o outro é menor, porém está pronto sem precisar de reforma — falou Thiago.

— Vamos ver isso amanhã, Su. Quanto antes fecharmos, melhor. Você vai conosco, Thiago?

— Vou ter uma reunião mais cedo, então encontro vocês lá depois.

— Eu também vou, maman? — perguntou a menina, quase dormindo.

— Mas é claro, petit! Não falei que iríamos trabalhar juntas? Então, você é minha secretária particular e precisa estar sempre comigo para fazer as anotações de tudo que a maman falar.

— Não vai contratar uma babá, Fernanda? — Thiago sabia que a vida da namorada seria corrida, assim como a de Suelen. Dudinha precisaria ter alguém com ela o tempo todo.

— Não! Da minha filha cuido eu. Depois de mim só a Su. Não quero ter uma filha criada por babá e longe dos meus olhos. Onde eu for minha filha vai. — Maria Fernanda não teve a companhia de sua mãe, por isso era rigorosa naquela determinação.

— Escolhi a mulher certa para ser a mãe dos meus filhos. —Thiago estava com um sorriso travesso no rosto e Maria Fernanda sorriu convencida.

— Já vão começar novamente? — reclamou Suelen, que estava folheando uma revista em um dos sofás. — Ou estou implicando demais com os romances alheios ou estou carente por não ter um. Vou me preparar para ir ver minha família, só espero que o traficante da rua de baixo não esteja mais por lá. Ele falava cantadas quando eu subia a ladeira e me dava um frio na espinha. — Suelen se levantou e foi em direção ao quarto.

— Não vá com joias. O Brasil não é mais o mesmo — Thiago alertou a amiga espevitada.

— A Suelen sabe o que faz. Ela é assim, mas tem muito juízo — Nanda falou ao namorado.

— Não vejo a hora desse divórcio sair. — Thiago estava alisando o cabelo de Dudinha, que já estava cochilando em seu colo.

— Está perto. Agora só faltam mais três meses.

Maria Fernanda ficou pensativa. Ela tinha desejado muito que chegasse o dia da quebra do contrato que possibilitaria o divórcio. Pensar em rever Eduardo a fazia sentir uma fisgada na cicatriz já fechada. Com toda certeza, ele estaria ainda pior que há oito anos. Deveria estar tão louco pelo trabalho que não se lembraria de assinar os papéis, talvez usasse uma secretária ou cópias digitalizadas. Várias coisas passavam pela mente dela. Qualquer possibilidade para não precisar olhar para a face dele seria ideal.

— Eu quero me casar o mais rápido possível, Thiago. Os papeis do divórcio serão assinados em um dia e no outro já quero assinar as proclamas do nosso casamento.

— Seu pedido é uma ordem, minha princesa. Uma ordem que será cumprida. Meu desejo é que isso aqui seja minha família. — Thiago se referiu aos três no grande sofá.

— Isso é tudo que eu mais quero. Eu mereço essa felicidade toda depois da minha caminhada.

***

Maria Fernanda estava em um grande espaço do shopping mais visitado da cidade. Em sua companhia estavam Suelen, Dudinha e uma corretora. Ela tinha se encantado com o ponto comercial com dois pisos. Era uma loja imensa, ideal para seu tipo de negócio. Porém, seria preciso uma grande reforma para ficar ao seu modo.

— Vocês fizeram um ótimo negócio. Este é um dos melhores pontos de loja neste shopping. A visão aqui é privilegiada de todos os pontos. — A corretora estava feliz.

— Também é o mais caro, não é danadinha? — Suelen comentou, deixando a mulher sem graça.

— Dudinha! — Maria Fernanda percebeu a ausência da menina no grande salão. — Onde está a Dudinha, Suelen?

— Ela estava aqui agora mesmo, Nanda…

As duas partiram para o corredor central à procura da menina.

— Ela não conhece nada aqui! Onde está minha filha? — Maria Fernanda estava apavorada, pois olhava para todos os lados e não avistava nenhum sinal.

Dudinha tinha se distraído com um grupo de palhaços que passou na porta da loja e saiu atrás da trupe por curiosidade, mas logo percebeu estar longe da mãe e da tia, então sentou em um banco no meio do shopping e começou chorar.

A mãe estava desesperada, assim como Suelen, à procura da menina e foi um grande alívio quando viu os cabelinhos dourados de longe.

— Petit! — Maria Fernanda gritou, avistando a cabecinha da menina pelas costas.

Tinha um casal e uma criança conversando com a menina, certamente oferecendo ajuda. Nanda afastou as pessoas, ajoelhou-se e abraçou a pequena, beijando toda extensão do seu rosto.

— Por que fez isso, petit? Você não conhece nada aqui. Nunca mais faça isso. Você está bem, meu amor?

— Eu só queria ver os palhaços. Sou curiosa e teimosa, maman. — Dudinha estava recuperandose do choro, já nos braços protetores da mãe.

Mais atrás, Suelen estava paralisada vendo a cena à sua frente. Sim, era ele, só podia ser ele. aquele olhar frio era o mesmo e a companhia também. Viviane olhava para Suelen, tentando decifrar de onde a conhecia.

Eduardo reconheceu Suelen de primeira, mas ainda não tinha visto o rosto da mulher ajoelhada, abraçando a filha, embora já tivesse a certeza de quem se tratava.

Suelen sentiu suas pernas tremerem e foi preciso segurar o salto no piso para não cair. Eduardo estava com o olhar confuso, fiscalizando Maria Fernanda e Dudinha, tentando descobrir se ali era mesmo a jovem que, há anos atrás, ele deixou partir para longe dele.

— Maria Fernanda?

Eduardo estava atordoado e seu coração parecia desgovernado dentro do peito. Era uma sensação que ele há muito não sentia. Aquela sensação que só sentiu pela menina que anos atrás deixou ir para longe de sua vida. Suas mãos começaram a soar frias. Ele abriu a boca duas vezes e nas duas vezes não conseguiu pronunciar nada.

Quem era aquela mulher? Por que ela tinha mudado tanto? Várias perguntas giravam em sua mente e todas as respostas apontavam para ele como um soco na cara.

Maria Fernanda, ainda com os joelhos no chão, estava estática. Ela ouviu a voz de Eduardo e sua única reação foi abraçar a filha fortemente. Sabia que aquele dia ia chegar, mas não imaginou que fosse tão rápido.

Ela pegou Dudinha no colo e se virou para encará-lo. Ele tinha mudado muito, estava mais maduro e muito bem-posto. Maria Fernanda sentiu um nó formando-se em sua garganta, pois já estava abalada pelo sumiço de Dudinha e aquilo contribuiu para seu estado.

— Maman, você está me apertando. — Maria Fernanda só se deu conta de que estava pressionando o corpo da filha demais contra o seu quando ouviu a reclamação.

— Você teve uma filha, Maria Fernanda? Quando teve uma filha? — A expressão de

Eduardo estava totalmente confusa.

— Esse homem ranzinza ia me ajudar a te procurar, maman.

Maria Fernanda olhou para Suelen, que estava com os olhos assustados, e desceu as pálpebras dos olhos, mostrando tranquilidade para a amiga.

— Vamos, ma princesse. — A mãe beijou o rosto da filha e segurou em sua mão. — Vamos, Suelen. — Caminhou deixando Eduardo para trás.

— Você teve uma filha? — Eduardo deu a volta e parou em sua frente. — Quando voltou?

— Excuse moi. — Nanda tentou ignorar outra vez o homem. Seu nariz estava naturalmente elevado.

— Como pode ser tão irresponsável, mulher? — Eduardo a confrontou, ainda perdido. — A menina estava perdida. Isso aqui é enorme. Tem pessoas de todo tipo! E se eu não tivesse a encontrado?

Nanda continuou andando. Suelen estava do lado e Dudinha agarrada a uma de suas mãos.

— Vamos conversar um pouco. Onde está hospedada? — Eduardo seguiu atrás dela, ainda querendo olhá-la.

Naquele momento, ele estava abalado ao ver Maria Fernanda forte e extremamente atraente. Longe do seu poder.

— Está passando certa vergonha, mon chéri. — Suelen falou com o seu costumeiro deboche.

— Mas o que… — Eduardo olhou Suelen dos pés à cabeça e constatou que o vestido que ela usava era muito elegante. Depois desviou o olhar para Maria Fernanda, caminhando sobre saltos, segurando a mão da pequena.

— Maria Fernanda! — Ele correu atrás dela.

Nanda estava abalada com o reencontro, mas aquilo jamais seria demonstrado ali.

— Vamos, meu gato. Ainda temos muitas lojas para procurar o presente da sua irmã. — Viviane seguiu atrás deles, evidentemente ameaçada.

Eduardo mantinha as aparências com ela. Viviane sabia que o homem não era fiel, pois ele nunca escondeu, mas ela tinha possessão por Eduardo e não se importava.

— Viviane, vá passear em alguma loja. Depois eu pego você.

— Eduardo, não faça isso! — Viviane gritou com sua voz infantilizada. — Nem pense em fazer isso comigo! — A loira olhou para os dois lados, pois estava envergonhada.

Maria Fernanda voltou o olhar para o menininho loiro, que aparentava ter seis anos, segurando a mão de Viviane, então identificou nele os mesmos olhos de Eduardo.

— Eu preciso resolver uma situação aqui, Viviane. Deixe o Lipe comigo e volte para empresa. — Eduardo continuou encarando Maria Fernanda, analisando-a minuciosamente sem nenhum pudor.

— Você vai comigo agora, Eduardo!

Maria Fernanda pegou Dudinha no colo e continuou andando. Eduardo estava com os olhos bem fixos nela e seguiu atrás.

— Aonde vai? — Ele deu a volta mais uma vez e ficou na frente de Nanda. — Quero conversar, mulher. Nossa, como você mudou…

— Fique longe dela! — Suelen gritou próximo a Eduardo.

— Você está mais atrevida que antes, Suelen! Isso continua não me dizendo nada! — ele falou com sua pose de arrogância.

Dudinha entendeu que Eduardo estava brigando com sua tia Suelen, então do colo da mãe começou a estapear o homem de terno.

Entre os tapas fraquíssimos que recebia, ele analisou a pequena no colo de Maria Fernanda e procurou semelhanças com a mãe. Apenas encontrou os olhos e a cor do cabelo loiro.

Loiro?

— Por que pintou o cabelo? Por que cortou? — Eduardo olhou para os cabelos da mulher, totalmente descontente. Como se tivesse algum poder de decisão sobre ela. — Eu não acredito nisso. — Soltou o ar de vez e balançou a cabeça, alterado. — Por que fez isso?

Maria Fernanda pensou em qualquer pergunta vindo dele, menos aquela.

— Vamos, Nanda! — Suelen chamou.

— Você já almoçou? — Ele continuou no rastro da mulher. — Temos assuntos pendentes, Maria Fernanda.

Ele lembrou que não tinha muito tempo. Talvez chegasse atrasado à reunião, isso nunca tinha acontecido antes, mas Eduardo estava abrindo uma pequena exceção. Assumiria os riscos depois.

— Em breve, um advogado irá procurá-lo com os papéis do divórcio. Vamos resolver de uma vez por todas os nossos assuntos pendentes. — Maria Fernanda continuou andando.

Ele recebeu um choque interno ao ouvir a voz firme e decidida da mulher. Aquela não era a jovem que ele viu pela última vez, chorando. Não, definitivamente não era. Eduardo estava totalmente perdido na beleza daquela mulher, que ele mesmo rejeitou por egoísmo. Estava sendo um débil de trinta e três anos.

Que porra eu estou fazendo, rastejando atrás dela? Pensou, indignado com      seu próprio comportamento.

— Não se preocupe, querida esposa. Eu mesmo cuidarei disso! — Tentou ser frio. Isso sempre foi fácil para ele. — Apenas queria acertar logo esse grande problema, já que te encontrei por aqui. Foi por isso que andei atrás de você. Tenho pressa em resolver essa situação. — Consertou a gola do blazer grafite que usava.

— Isso é tudo o que eu tenho desejado, Eduardo.

Ele chegou sentir faltar o ar ao ouvi-la pronunciar seu nome.

Como essa mulher conseguiu ficar ainda mais linda? Perguntou-se e sentiu um arrepio.

— Papa chegou. — Dudinha, ainda no colo

de Nanda, viu Thiago se aproximar.

Thiago olhou seriamente para Eduardo, pegou Dudinha e beijou rapidamente sua namorada.

Eduardo contraiu a mandíbula de raiva por ver a cena. Ele encontrava Thiago nas festas de empresários da cidade, mas sempre ignorava. Nunca poderia imaginar que o taiwanês estava se relacionando com sua mulher.

— Então sempre estiveram juntos! — Ele se indignou.

— Gato, não faça isso! — Viviane implorou para não ser humilhada em público com uma cena de ciúmes de Eduardo por outra mulher.

— Eu fugi da maman, papa… — a pequena confessou, alisando o rosto de Thiago.

— Isso é verdade? — Thiago perguntou a Maria Fernanda.

— Foi em segundos que me distrair com a corretora. Quando olhamos, ela não estava mais lá.

— Irresponsável! — Eduardo ainda estava lá e tornou a atacar, reivindicando atenção.

— Você falou o que, cara? Você tem mesmo a coragem de chamar minha Fernanda de irresponsável?  — Thiago o confrontou. — Essa mulher é a melhor mãe do mundo! Ela é a mãe da minha filha. Não se atreva a ofendê-la, pois eu não sou mais o moleque de dezessete anos que você conheceu.

Thiago se enfureceu. Ele jamais admitiria que Eduardo acusasse Maria Fernanda, que sofreu tudo sozinha para cuidar da filha.

— Você teve essa menina com ele ou com outro? — Eduardo exigiu uma explicação que amenizasse a sensação de soco no estômago que tinha levado.

— Thiago, vamos agora! — Maria Fernanda pegou na mão do namorado e Eduardo estremeceu por dentro.

— Fique longe de minha família! — Thiago ordenou, antes de virar as costas e sair carregando Dudinha no colo e segurando a mão Nanda.

Suelen apenas levantou a mão e deu um tchau irônico para Viviane. Eduardo ficou para trás vendo a família distanciando-se dele e sentindo seu coração esmigalhado.

Dudinha estava com a cabeça encostada no ombro de Thiago e os olhos graúdos na direção de Eduardo. Ela levantou uma das mãozinhas e deu um curto tchau para ele. Por alguma razão, Eduardo sentiu um aperto diferente no peito ao receber aquele olhar. Ele brigou com lágrimas insistentes, pois aconteceu algo em seu coração que ainda não tinha vivenciado.

2

Eduardo saiu transtornado do elevador de sua empresa. Ele avistou as secretárias do quinto andar com sorrisos forçados, mas estava tão alterado que não as cumprimentou. Devido a sua personalidade metódica e exigente, elas o temiam, embora se divertissem em conversas secretas sobre o quanto ele era desejável.

Ele bateu a porta de sua sala com toda força, pegou o primeiro objeto de sua prateleira e atirou na enorme janela de vidro. Os estilhaços foram parar em toda parte. Sua raiva ainda era grande, então pegou outro objeto e jogou em uma das paredes, pegou outro e jogou novamente. Em dez minutos, ele já tinha quebrado toda a sala e estava jogado no chão com uma garrafa de uísque quase vazia nas mãos.

Ele imaginou que ela voltaria a mesma jovem de olhos amedrontados e atitudes vulneráveis. Como foi tolo. Ao ver aquela mulher forte e destemida, feliz com Thiago e com uma filha, Eduardo se sentiu desestabilizado.

Quinze minutos depois, Sergio entrou na sala e levou um susto com a desordem. Não tinha sobrado nada além da mesa e das três poltronas de couro italiano.

— Você está ficando louco? Primeiro falta em uma reunião, agora vandaliza sua própria sala. O que está acontecendo com você, Edu?

— Me deixe sozinho! — Eduardo bebeu o último gole da garrafa.

— O que aconteceu, irmão? — Sergio abaixou ao lado do amigo.

— Ela voltou! — Eduardo conferiu se realmente tinha acabado a bebida da garrafa.

— Quem? A japonesa ninfomaníaca?

— A minha ferinha! Foi ela que voltou.

— Quem é essa, Edu? Desde quando fica assim por mulher?

— Você é um idiota. Saia daqui! — Eduardo tentou se levantar, mas não conseguiu.

— Cara, que mau humor é esse? Sou seu amigo. Só não estou acompanhando seu raciocínio.

— Você está ocupando o lugar dela na vicepresidência agora mesmo.

— É a menina do contrato?

Eduardo sorriu sem humor, tentou levantar mais uma vez e, como não conseguiu, jogou-se para trás, encostando a cabeça na lateral da mesa de escritório.

— Ela não é nenhuma menina. — Eduardo olhou para o teto, tentando recuperar a vista embaçada. — A filha da mãe virou um mulherão de deixar qualquer um rastejando por ela.

— Eu sempre apostei que isso aconteceria, Edu.

— Ela teve uma filha e talvez seja daquele pivete que andava com ela. Eu deveria ter dado um fim nele naquela época.

— Filha? — Sergio não estava reconhecendo seu amigo de longos anos, ele estava visivelmente desestabilizado.

— Uma menina loirinha desse tamanho aqui. — Eduardo mediu a altura de Dudinha com as mãos.

— Ela veio pedir o divórcio, pode ter certeza.

— Eu sou um otário. Tive consideração de deixá-la ir para não a ver sofrer e a ordinária dando pra outro desde aquela época. Preciso beber até ter uma overdose. Vou acabar com a porra da minha vida. — Ele deitou o corpo no chão.

— Você já bebeu demais, irmão. Está com tantos problemas e agora descobre que é corno. Precisa descansar.

— Ela teve uma filha com ele. Deveriam estar de caso antes.

— Essa filha é loirinha, não é?

— Sim. Tem os olhos graúdos como a mãe. — Eduardo deu um pequeno sorriso lembrando-se do rosto de Dudinha.

— Bem, sua mãe é loira e sua irmã também. Quem sabe…

— Já pensei nisso, mas não há chances. Ela pode ter traído o taiwanês. A menina é muito pequena para ter sete anos, deve ter uns cinco.

— Veio assinar o divórcio, pode ter certeza, Edu.

— Mas ela está muito enganada se acha que eu vou facilitar as coisas.

— É só uma mulher, Edu. No mundo tem o quê? Milhões delas?

— Chame a Irene, Sergio!

Sergio levantou, conferiu se o telefone ainda estava funcionando e discou o ramal da secretária de Eduardo.

— Irene, venha até aqui imediatamente!

Em menos de trinta segundos, a moça de óculos modelo gatinho e coque no cabelo entrou na sala.

— Jesus! O que aconteceu aqui? — A secretária se assustou.

— Eu quebrei tudo! Estou muito nervoso e quis quebrar minha sala. Alguma objeção quanto a isso, Irene? — perguntou o patrão.

— Sim! Quer dizer… Não, senhor.

— Ache Maria Fernanda Moedeiros. Ela está nesta cidade e eu quero saber o endereço em vinte minutos — ordenou à empregada.

— Ela tem seu sobrenome, senhor. — Irene era uma solteirona que se escondia atrás dos estudos e do visual anos sessenta. Eduardo a achou ideal quando fez as entrevistas para o cargo.

Inteligentíssima e estranha. Absorvia rapidamente o seu raciocínio e era totalmente o oposto de mulher que ele se interessaria.

— É ela, Irene. Ache Maria Fernanda o mais rápido possível. Ela está em algum lugar desta cidade, eu só não sei onde.

— Eu vou tentar, mas saiba que é como procurar uma agulha no palheiro.

— Sei que você vai conseguir. Agora pode ir. Só volte aqui com o endereço.

— Vou com você, irmão. Estou morrendo de curiosidade para ver aquela belezinha de mulher — Sergio provocou o amigo.

— A Suelen veio com ela.

— Suelen? A minha Suelen? — Sergio, que ajudava Eduardo a se levantar, soltou o amigo no chão.

— O que você está fazendo seu idiota?

— Como ela está, Edu?

— Uma gata.

— Cara, eu vou ajudar a Irene a procurar o endereço e já volto pra te levar pra casa.

***

Maria Fernanda tinha acabado de fazer Dudinha dormir. Ela olhava sua pequena deitada na cama e só conseguia enxugar a lágrima silenciosa que escorria pelo seu rosto. Lembrou-se dos momentos infelizes que passou nas mãos do pai da menina. As humilhações, as dores, as traições e por fim a rejeição.

— Maman promete te proteger, petit. Você nunca vai precisar passar pelas tristezas que eu passei. Ele não queria você, mas teve um filho com aquela mulher. O problema não estava em um filho, mas sim na indiferença que sentia por mim.

A campainha da cobertura tocou e ela lembrou que Suelen tinha saído em busca de um salão de beleza, certamente tinha esquecido as chaves.

— Sua tia desmemoriada não levou a chave! — sussurrou para não acordar a menina. Depois de dar um beijo leve nos cabelinhos dourados, foi até a sala atender a porta.

Mal deu tempo de abrir para Eduardo entrar enfurecido, deixando-a perplexa.

— Se você pensa que vou te dar o divórcio está muito enganada! — gritou, andando de um lado para outro da grande sala. — Você já estava com aquele cara enquanto eu te fazia feliz.

— Que invasão é essa?

— Você passou esse tempo todo me traindo com ele. Até uma filha teve! — Ele sorriu irônico e passou as mãos pelos cabelos, demonstrando descontrole.

— Saia da minha casa — Maria Fernanda falou calmamente ainda segurando a porta.

— Eu pensando que você era uma mulher pura e inocente. Você é igual todas as outras! — Eduardo aumentou ainda mais o tom de voz.

— Não me compare às mulheres que você sempre achou na rua! Não pense que sou aquela menina que sofria, mas acabava se submetendo as suas invertidas!

— Eu… eu não… — Ele a olhou de cima a baixo e chegou a estremecer diante de tanta beleza e segurança.

Aquela beleza sempre o afetou. Depois de anos, não existiam mais aqueles traços infantis. Aqueles olhos pareciam mais azuis, contrastando com a leve maquiagem que ela usava. Ele pensou nos motivos para tê-la deixado ir. Estava vergonhosamente desesperado.

— Tudo valeu a pena para você ou só está aqui pra conhecer minha cobertura? — Ela o tirou das observações.

— Você está bonita, mulher. — Ele sentiu uma forte dor no peito e uma vontade louca de abraçála. Como é possível? Essa mulher está me afetando ainda mais, mesmo depois de anos. Ele estava em guerra com os próprios pensamentos. — O destino foi muito cruel conosco, Maria Fernanda.

— Você fez seu próprio destino, Eduardo. Cruel foi o meu passado. Meu futuro é felicidade. Agora se apresse e saia.

Ele caminhou na direção da porta e, antes de sair, não conseguiu se controlar, estendendo a mão para tocar a mecha do cabelo que amava acariciar.

— Não faça isso! — repreendeu Maria Fernanda. Ele a olhou mais uma vez e sua expressão mudou para raiva. Eduardo estava assustado com tamanha força e autoconfiança. Ela não era mais a mesma, definitivamente. — Saia agora da minha casa. Minha filha está dormindo e você não tem o direito de acordá-la.

— Não vou facilitar as coisas só porque está com outro. Não vou assinar esse divórcio! — Ele deixou claro.

— O contrato está para encerrar. Você só temia perder a empresa, ela é sua. Eu posso até te vender minha parte quando o divórcio sair, não tenho interesse nela.

— Eu não vou assinar porra nenhuma.

— Então vou decidir se peço o litigioso agora, antes de acabar o contrato, e te deixo sem nada, ou se faço isso depois.

— Não pense em atingir minha empresa! Construí aquilo tudo sozinho. Eu posso te pagar cada centavo que tirei desse maldito casamento, mas não cogite tocar na minha empresa! Eu não vou assinar papel nenhum de divórcio e quero ver quem me obriga a fazer o contrário.

Ele passou por Maria Fernanda e chutou a porta de outro apartamento no caminho.

***

Maria Fernanda e Suelen tinham marcado de se encontrar com Jorge e Antonieta na confeitaria que ela tinha aberto no centro da cidade. Seria a primeira vez que Dudinha veria Antonieta, elas se conheciam apenas através de chamadas de vídeo.

As três desceram de um táxi, frente a um estabelecimento com fachada em traços vintage, com um enorme nome no topo. “Quitutes by Antonieta”.

Dudinha ajeitou seu vestido de princesa e alisou as mechas do seu cabelo.

— Eu estou bonita, maman?

— Uma verdadeira princesa, petit! Olha como é bonita a loja da Antonieta. — A mãe apontou para a vitrine, que lembrava as docerias de Paris.

— Ela conseguiu. — Suelen empurrou a porta de vidro e admirou a loja da amiga.

— Água de doce maman! — Dudinha afoita apontou para a cascata de chocolates e caramelo sobre o balcão.

— Menina patroa! — O homem de meia-idade, vestido em um terno preto, levantou da mesa repleta de doces e, depois de devorar a empada que estava em suas mãos, caminhou até a porta onde as três estavam.

— Olha o Jorginho, Su. — Maria Fernanda estava sorrindo. — Que saudade, Jorginho. — Maria Fernanda o abraçou e acariciou a cabeça do homem.

— Você está tão bonita! Eu fico até sem jeito perto de você. — Fungou o nariz no meio do choro.

— Olha só! Ele conseguiu aumentar ainda mais a pança. — Suelen abriu os braços, dando sua típica gargalhada.

— Suelen, sua danada! — Jorge analisou a amiga, enquanto enxugava os olhos com a manga do paletó. — O que aconteceu com você, menina? Que roupas são essas?

— Vai me dar um abraço ou vai ficar me admirando? — Suelen também estava com lágrimas nos olhos, embora sorrisse.

— Você mudou tanto, Suelen.

— Eu sei, Jorginho. Você também! Sua barriga dobrou de tamanho. — Ela tentou abraçar Jorge até onde sua circunferência permitia.

— Tentei fazer uma dieta há uma semana, mas é muito difícil com tanta tentação de doces na minha frente.

Dudinha se achegou para perto da mãe, pois estava curiosa com a presença de Jorge.

— Dudinha, esse é o Jorginho, um amigo muito querido da maman.

— Comment allez-vous, Jorginho?   — Dudinha cumprimentou Jorge espontaneamente.

— Olha que bonitinha. Me-u no-me é Jor-ge. Eu sou a-mi-go de sua ma-mãe. — Jorge se inclinou, acreditando ser mais fácil a comunicação com a menina.

— Você fala engraçado, Jorge. — Dudinha sorriu, vendo o homem esforçando-se para manter uma comunicação.

— Você é uma menina muito esperta. Como nessa cabecinha cabem dois idiomas? Na minha quase não entra o português.

— Antonieta! — Suelen gritou assim que viu a mulher saindo de uma das portas, indo de encontro a elas.

— Como estão lindas, minhas meninas! — Antonieta abraçou as duas e todos estavam com lágrimas nos olhos. — Abraço da tia Antonieta? — Dudinha correu e se jogou nos braços de Antonieta. Ela já conhecia a mulher, pois sempre conversava nos finais das ligações da mãe para o Brasil.

— Aquela água de doce é sua, Tony? — A menina apontou para a cascata de chocolate sobre o balcão e se conteve ao máximo para não brincar com seus dedinhos no chocolate derretido.

— Sim! Eu fiz um bolo especial pra você, cheio de nutrientes bem saudáveis.

— Nutrientes é ruim, Tony, eu só gosto de doce. — Dudinha apontou para os brigadeiros de duzentas gramas expostos no balcão.

Dudinha tinha a fisionomia de uma criança de cinco anos devido ao seu nascimento precoce. Ela sofria com refluxo e fortes dores com as sequelas da infecção no osso da perna. Não era uma criança saudável, embora sua disposição falasse o contrário.

— Você tem que comer para crescer rápido, princesinha. Vamos para a mesa. Vou preparar algo bem gostoso para você. — Antonieta as direcionou.

Estavam todos sentados em uma mesa distante dos clientes, que com o final da tarde começavam a ocupar todas as mesas vazias.

— E a Carmem? — perguntou Maria

Fernanda.

— Está na casa de repouso — falou Jorge. — Ela fez amizade com minha mãezinha e as duas estão no mesmo quarto. Eu tenho que te agradecer, patroa, se não fosse você pagando a hospedagem dela todos esses anos… não sei o que seria das duas. — Jorge já terminava a segunda rodada do bolo de cenoura.

— Coincidência ou caso pensa… — Suelen se calou quando viu Sergio entrando na doceria, logo atrás de Eduardo.

— O senhor Eduardo veio me buscar! — Jorge tentou se esconder com a mão. — Mas eu avisei que vinha na Antonieta encontrar umas amigas… Por que ele veio me buscar? Eu disse que pagaria minhas horas depois.

— Não se esconda, monsieur Jorge, seu tamanho é muito grande para não ser notado — Dudinha alertou o homem.

— Você continua o mesmo linguarudo, Jorge. — Suelen segurou o talher e comeu um pedaço de bolo, fingindo indiferença ao olhar de Sergio.

— Eu vou lá falar com eles. — Antonieta se apressou e seguiu até a mesa, onde os dois já estavam acomodando-se.

— O que veio fazer aqui, Edu? — a dona do estabelecimento o questionou.

— Apenas traga o meu bolo. — Ele não desviou o olhar da mesa de Nanda.

— Eu não vou deixar você chegar perto dela.

— O que é isso, Antonieta? Está revivendo o passado? Apenas vim comer meu bolo de banana, não tenho qualquer ligação com aquela mulher!

— É melhor você se retirar e voltar outra hora! Estou sem seu bolo no momento.

— Então traga água.

— Eduardo, volte depois! — Antonieta o advertiu outra vez.

— Vá logo, mulher!

— Eu vou, mas vou deixar meus seguranças de olho em você!

Eduardo sorriu, sem vestígio de humor, quando Antonieta deu as costas.

— Ela deixou crescer o cabelo… — Sergio estava paralisado olhando Suelen do outro lado do salão.

— E a outra cortou! Se estivesse comigo eu não a deixaria fazer uma burrada dessas — falou frio, mostrando seu grau de contrariedade com o novo corte de cabelo da mulher.

— Eu não sei você, mas vou lá agora, Edu! — Sergio foi o primeiro a levantar e Eduardo o acompanhou em seguida.

Nanda, com um impulso, puxou Dudinha para seu colo e Jorge juntou as mãos, começando uma prece em pensamento para não ser notado ali.

— Boa tarde, Maria Fernanda! — Eduardo cumprimentou.

— Anja… — Sergio sorriu atordoado ao olhar Suelen de perto.

— Vamos, gatona, já está tarde. Dudinha precisa dormir cedo hoje. — Suelen levantou e pegou sua bolsa da cadeira. O olhar de Sergio foi em direção aos seus pés e, em seguida, lentamente na direção resto do corpo.

— Dudinha? — Eduardo encarou a pequena nos olhos por um tempo e Nanda sentiu um estremecimento no corpo. — Dudinha? — Eduardo estava com os olhos confusos. — Qual o nome dessa menina, Maria Fernanda?

A mãe se sentiu encurralada. Suas mãos agarraram a filha pela cintura e as pernas se recusaram a levantar.

— Maria Eduarda — Dudinha respondeu com a voz infantil.

Nanda lutou com suas pernas e levantou com a menina no colo.

                —     Depois marcamos      outra      hora. —

Direcionou o olhar para Antonieta.

— Por que deu meu nome para a filha de outro? — Eduardo já estava na sua melhor forma: possessivo, arrogante e agressivo. Ele não se conteve e segurou o braço de Maria Fernanda exigindo uma explicação.

— Me solte agora! — Tendo Dudinha no colo, ela olhou para a mão dele apertando seu braço. Ele a soltou enfurecido.

— Fez isso pra me afrontar, não foi? — O olhar dele emanava puro ódio, a mandíbula estava contraída e os punhos cerrados. — Fala! — gritou. — Eu não te devo explicações sobre minha vida!

Ela não se sentiu no direito de explicar que era o nome da mãe dela. Maria Fernanda até ficou aliviada por ele pensar que Dudinha fosse de outro.

— Não pode gritar com a maman. — Dudinha começou a estapeá-lo

Suelen tomou a menina do colo de Nanda e a levou para onde Antonieta tinha a direcionado, no intuito de protegê-la do conflito.

Os clientes da confeitaria notaram a voz alterada dos dois e começaram a bisbilhotar a discussão.

Maria Fernanda saiu do estabelecimento e se encostou a um corolla branco que estava estacionado em frente à confeitaria. Ela já sabia que não seria fácil reencontrar Eduardo e estava constatando que tudo nele tinha ganhado mais intensidade com o passar dos oito anos.

— Você pensou que me atingiria com isso? — Eduardo gritou, já perto dela, do lado de fora — Deu meu nome a uma bastardinha!

Nanda não imaginava sair de seu controle tão rápido, mas ouvir aquelas palavras foram o suficiente para ela atingir Eduardo em cheio com uma bofetada no rosto.

— Não ouse atingir minha filha com sua falta de caráter! Nunca mais chegue perto dela novamente! Vejo que além de arrogante e egocêntrico, você se tornou um ser asqueroso. Nem agora com um filho você mudou. Eu lamento aquela pobre criança viver com um pai como você e uma mãe como a Viviane!

Eduardo ficou cego pela raiva e não assimilou as palavras de Nanda. Sua mente só conseguia lembrar de que aquela mulher foi a única a se atrever a esbofetear seu rosto.

— Quem você pensa que é pra ter tanto atrevimento? — Ele encarou Nanda de perto, tentando conter a própria raiva. Ele estava de punhos cerrados quando Sergio, que tinha levado um passa fora de Suelen lá dentro, saiu e segurou em seus braços.

— O que é isso, Edu? Está ficando louco, cara?

— Se você tocar em mim outra vez, eu vou até a delegacia prestar queixa contra você — Maria Fernanda falou firme. olhando para ele.

— Está ficando louco, amigo? O que está acontecendo com você? — Sergio ainda estava o segurando.

— Isso não vai ficar assim, mulher! Você não perde por esperar! — Enfurecido, ele se soltou de Sergio, caminhou até o carro e saiu cantando pneu no asfalto. Não tinha largado aquele velho hábito.

— Como vai? — Sergio deu um sorriso sem graça. Maria Fernanda simplesmente o ignorou e adentrou novamente o estabelecimento.

3

Eduardo entrou no seu apartamento com o semblante triste, diferente de minutos atrás. Jogouse no sofá e cobriu o rosto com o braço esquerdo, parecia querer esconder a sua fraqueza ao chorar. Sentiu o seu coração traidor vibrar de agonia ao pensar em Maria Fernanda sendo feliz e tendo uma família com outro homem. Ele sentiu o grunhido perto do seu rosto e acariciou a cabeça do golden retriever.

— Ei, amigão, encontrei com ela novamente e não foi nada fácil. — O cachorro latiu, parecendo entender o que Eduardo falava.

Thor, como se chamava o cachorro, estava com Eduardo há quatro anos. Eles se conheceram numa madrugada fria. Thor tinha sido atropelado por um inconsequente que dirigia em alta velocidade. A sorte do cachorro — que na época era apenas um filhote — foi não ter ficado com sequelas. O inconsequente responsável pelo atropelamento acabou adotando-o.

— Isso não vai ficar assim, Thor. Ela colocou o meu nome naquela menina para me atingir. Deu meu nome a filha de outro.

O golden retriever latiu outra vez. Era Thor que ouvia Eduardo nos momentos de bebedeira.

— Ela está tão diferente. A minha ferinha… Ela não é mais a minha ferinha. — Eduardo colocou o braço novamente nos olhos, escondendo as lágrimas de raiva.

A campainha tocou, mas ele não precisou abrir a porta, pois Sergio a destrancou por fora.

— Está melhor, irmão?

— Vá embora daqui. Não quero olhar para a sua cara.

— Agora eu sou o culpado? Você faz a merda toda e eu sou o culpado? — Sergio alisou a cabeça de Thor e se jogou no outro sofá. — Ela está linda. Eu nunca teria a deixado ir.

— Cala a porra da sua boca, seu puto desgraçado! A Suelen também está uma gata e bem o meu tipo.

— Eu te deixaria sem dentes antes disso!

— Preciso fazer alguma coisa, Sergio. — Eduardo levantou, pegou duas garrafas de vodka e voltou para o sofá.

— O que tem em mente? — Sergio recebeu uma garrafa.

— Por enquanto, vou esfriar a cabeça. — Ele virou a garrafa na boca.

Em pouco mais de uma hora, depois de tomar todas, Eduardo estava no chão da sala, encostado ao sofá, e Sergio jogado no sofá à frente.

— Somos dois desgraçados, Edu. Eu tenho vergonha da gente. Elas estão dançando na nossa cara e nós aqui, idiotas babando por elas. — A voz de Sergio saiu débil pela quantidade de bebida alcoólica ingerida, mas ele ainda estava em melhor condição em comparação ao amigo.

— Você é o único idiota que está babando aqui. Eu sou Eduardo Moedeiros Neto. Tenho a mulher que eu quero, na hora que quero. Nunca vou me rebaixar para uma mulher. — Eduardo tentou alcançar uma garrafa no meio do tapete, mas teve preguiça e voltou a encostar-se ao sofá. — Você viu a menina que ela teve com aquele cara?

— Edu, aquele cara é o dono da Império, certo?

— Aquele imbecil mesmo. Um moleque de vinte e poucos anos querendo me enfrentar. Vou… vou acabar com ele. Só preciso pegar o carro.

— A Império veio de uma ilha na China, não foi? — Sergio, que estava deitado, sentou-se no sofá.

— Eu não sou obrigado a saber disso.

— Aquele cara é taiwanês, não é isso?

— Se me fizer outra pergunta, eu acabo com você, seu desgraçado.

— Olha só, Edu. Aquela menina é loirinha. O dono da Império é chinês de Taiwan. Ele não pode ter uma filha loira dos olhos azuis. A não ser que, por uma mínima possibilidade genética, a mãe também fosse loira. Eu não entendo muito dessas coisas, mas acho que deve ser por aí…

Mas a Maria Fernanda não é loira. — Eduardo ligou as coisas — Ela pintou o cabelo por isso. Safada, desgraçada, gostosa e linda. — Embalado pela bebedeira, Eduardo começou a chorar.

— Consegue me entender, Edu? A menina pode ser sua. Se eu fosse você, corria atrás das possibilidades.

— Eu preciso de uma prova. Aquela menina é muito pequena pra ser minha filha, mas preciso de um teste de DNA. — Eduardo continuou chorando no meio da embriaguez.

— Sim, mas como vai fazer para tirar a prova? Vai chegar lá e pedir um pouquinho de sangue dela ou vai colocar a justiça na frente?

— Por que fui conhecer um amigo tão idiota na infância e hoje ele ainda está na minha frente? — Continuou chorando, muito tonto.

— Então fale sua maneira inteligente!

— Vamos entrar na casa dela à surdina e roubar algum material para o teste. Você vai me ajudar.

***

Na noite do dia seguinte, Eduardo estava no carro juntamente com Sergio e Thor. Eles esperavam a hora em que Maria Fernanda e Suelen saíssem do prédio para subir e entrar na casa as escondidas. Sergio já tinha subornado o porteiro do luxuoso prédio. O homem se vendeu ao ver algumas notas de cem reais em mãos.

— Porteiro ladrão, desgraçado. Eu deveria ter quebrado a cara dele e depois arrombado a porta. Iria conseguir do mesmo jeito — Eduardo resmungou.

— Quem é aquele cara com a Suelen? — perguntou Sergio, enciumado.

— Deve ser namorado ou marido…

— Não, a Suelen não está casada, Edu.

— Por que não? Quer dizer que a Maria Fernanda se juntou com um homem e a Suelen não pode?

— Não, não pode. Ela ainda me ama. Eu vi nos olhos dela.

Você acredita mesmo que a Suelen ainda está solteira? E que ela te ama? — Eduardo sorriu irônico, mas assim que viu Maria Fernanda beijando Thiago e entrando no carro dele com Dudinha, seu sorriso irônico se transformou em um olhar seco de ódio.

— Não estou vendo ninguém beijando a morena, mas a loira… — Sergio o provocou.

— Thor, você vai ficar aqui. Qualquer coisa você avisa, garotão. Eu conto com você. — Eduardo fez um carinho no pelo do cachorro. — Se algum deles voltar, você dá três latidas. Vou deixar o celular ligado aqui no banco. — Colocou o celular, que estava com ligação ativa em viva-voz para Sergio, perto do cachorro, que grunhiu parecendo entender o plano.

— Vamos lá, Edu. Operação DNA a caminho. — Sergio pegou uma caixa de ferramentas no banco traseiro do carro e os dois caminharam para dentro do prédio.

Foram exatos quinze minutos até os homens conseguirem passar pela porta sem nenhum vestígio de arrombamento. Eduardo pegou uma foto de Nanda sobre um dos móveis e analisou com o olhar seco.

— Eu gostei do cabelo dela assim! — Sergio o provocou. — Está moderno.

— Cale a boca!

— Nada mal aqui, hein, Edu?

— Procure o quarto. Não está aqui pra olhar a decoração. — Eduardo seguiu na direção do corredor.

Eduardo abriu a porta de um quarto totalmente rosa e repleto de ursos, mas ali não tinha escova alguma, então continuou à procura. Logo depois, encontrou o quarto que julgou ser de Maria Fernanda, por achar algumas roupas de criança espalhada sobre a cama e fotos das duas por toda a parte. O que mais chamou sua atenção foi encontrar sobre uma poltrona um velho conhecido seu, o ursinho que tinha dado a mulher anos atrás.

— Ela guardou isso? — falou sozinho, sorrindo e cheirando o urso.

— Encontrou alguma coisa, cara? — Sergio entrou no quarto comendo uma maçã.

Você… você está louco? Está comendo! Quando eu te falei que podia comer aqui?

— Encontrou ou não? — Sergio mordeu a maçã, despreocupado.

— Sabe esse urso? Eu dei para a Maria Fernanda uns nove anos atrás.

— Olha que fofo! Uma prova de amor que resistiu ao tempo — Sergio desdenhou e deu mais uma mordida na maçã.

— Da próxima vez, eu deixo você no carro e trago o Thor. — Entrou no banheiro do quarto e saiu antes de Sergio terminar de devorar a maçã. — Encontrei. Vamos! — Estava com a pequena escova rosa nas mãos.

Os dois chegaram ao carro e encontraram Thor olhando fixamente pela janela.

— Bom garoto! — Sergio alisou a cabeça do cachorro.

***

Dezoito dias foi o tempo para o resultado ficar pronto. Eduardo estava encerrando uma reunião quando Irene, sua secretária de confiança, chegou com o envelope.

— Aqui, senhor.

— Eu posso saber do que se trata? — Viviane, que era diretora administrativa da empresa, puxou o envelope das mãos de Irene antes que Eduardo o alcançasse.

— Assunto particular. — Eduardo puxou o envelope de volta.

— Desde quando tem assuntos particulares que eu não sei?

— Vivi, minha linda, vai pra sua casa, coloque o melhor vestido que tiver no seu armário, pois eu vou te levar pra jantar hoje. — Eduardo sabia como dobrar Viviane.

— Tem alguma relação com esse negócio particular aí? — A loira apontou para o envelope.

— Vou te fazer uma surpresa.

— Você sabe que eu amo surpresas, meu gato. — A mulher grudou no colarinho da camisa de

Eduardo e o agarrou. Logo em seguida saiu

serpenteando os quadris.

— Irene, vá até uma joalheria e compre um colar e brincos.

— Vou sair de novo? Tenho muito trabalho a fazer, senhor. Por que não manda o Jorge?

— O Jorge não é mais de confiança, querida Irene. Você deveria se sentir orgulhosa de ter a minha confiança.

— Eu sei, doutor, já vou indo.

Eduardo esperou Irene entrar no elevador, então correu para a sala de Sergio.

— O exame, Sergio. — Jogou o envelope sobre a mesa do amigo. — Abra. — Afrouxou o nó da gravata e sentou na poltrona.

Sergio rasgou o envelope, analisou os papéis e então começou a gargalhar.

— E aí? Sou o pai ou não?

— Parabéns, Eduardo Moedeiros, você acaba de se tornar o papai de uma garotinha. Olha que lindo! — Sergio debochou

— É o quê? — Eduardo puxou o exame das mãos do amigo e correu os olhos até comprovar que Sergio estava certo. — Ela já saiu daqui grávida e mentiu naquele hospital. — Eduardo ficou atônito, andando de um lado para outro na sala.

— Se entrar na justiça sairá perdendo. Um pai dificilmente ganha a guarda de uma filha. — Sergio pegou o exame de volta e deu outra olhada.

— Maria Fernanda não deveria ter mentido para mim! Vou fazê-la se arrepender amargamente disso! Vou dar um jeito de tirar a menina dela. Isso não vai ficar assim.

***

Naquela mesma noite, Maria Fernanda estava jantando com Thiago em um restaurante italiano muito conhecido na cidade. Estavam felizes. Suelen tinha ficado com a pequena para assim dar mais privacidade ao casal.

Thiago já tinha avistado Eduardo em uma das mesas distantes. Eduardo e Viviane tinham escolhido justamente aquele restaurante. Realmente parecia que por algum propósito eles sempre acabavam se esbarrando pela cidade.

— O que foi, Thiago? Algum problema? — Maria Fernanda percebeu a contrariedade no rosto do namorado.

— Aquele cara está ali à frente com a mulher. Estão olhando para cá. Eu não estou gostando nada disso! Não suporto ter ele te olhando com essa possessividade.

Maria Fernanda olhou por cima de seu ombro e se arrependeu em seguida. Seu olhar se encontrou com o de Eduardo e foi estranho. Ele estava seco e vazio, não estava emanando ódio.

— Vou ao toilette, depois vamos a outro restaurante, Thiago.

— Eu vou retirando o carro.

Nanda entrou no banheiro e, em cinco segundos, Eduardo entrou atrás.

— Meninas, vocês podem nos dar licença por alguns minutos? — Eduardo deu o seu melhor sorriso para as duas senhoras que aparentavam ser da alta sociedade.

— Sim, meu jovem. — Uma das senhoras lançou um olhar insinuante.

— Ele está no toilette errado, portanto ele sai. Saia daqui! — Maria Fernanda ordenou.

— Não, bobinha! Eu já fui jovem e cometi muitas loucuras naquela época, inclusive nos banheiros de restaurantes. É tudo muito excitante. — A velhinha simulou garras de tigresa com as unhas. — Entendo perfeitamente vocês dois. Podem brincar à vontade. — Deu um tapa na bunda de Eduardo e as duas saíram com risinhos abafados com as mãos.

Eduardo aproveitou para trancar a porta, certificando-se de que ninguém entraria.

— Agora somos você e eu, querida esposa.

— Abra essa porta! — Maria Fernanda usou um tom de voz calmo e frio. Ela realmente pretendia usar o banheiro.

— Eu não vou abrir até você ouvir tudo que estou guardando desde que descobri que aquela menina é minha filha — falou sem rodeios.

Maria Fernanda sentiu o chão sumir debaixo

de seus pés. Ela encostou as costas na larga pia e assimilou o peso das palavras de Eduardo.

— Você não vai se aproximar da minha filha. — A voz dela saiu arrastada.

— Você pensou que esconderia isso de mim até quando? A menina não tem nada de você. É uma cópia perfeita minha! — gritou, sentindo-se com a razão.

Nanda temia a possibilidade de Eduardo querer usar Dudinha para atingi-la, mas quando ouviu as palavras dele, sua raiva formou um sorriso irônico.

— Então minha filha é uma cópia perfeita sua e por isso acredita ser o pai? Desde quando começou a confiar tão fácil em mim? — Ela tentou confundi-lo, não sabendo ela que as certezas da paternidade estavam sendo baseadas em um exame e não na aparência de Dudinha.

— Não tente me confundir, porque eu sinto que ela é minha. — Eduardo camuflou a verdade sobre o exame e percebeu Nanda ficar furiosa.

— Fique longe dela! — Ela percebeu não ter mais jeito — Você nunca foi pai. Nunca quis ser pai! Você lembra o que me falou naquele dia no hospital? Eu lembro perfeitamente da frase “não querer ter responsabilidade de pai e que a escolha seria apenas minha.” Então eu escolhi. Ela é apenas minha filha!

Eduardo lembrava perfeitamente de suas palavras e, mesmo tendo consciência, jamais daria razão para a mulher à sua frente.

— Eu me lembro muito bem de você dizendo que eu não seria pai, que não tinha do que me preocupar. Você mentiu pra mim! Mentiu e permitiu que uma filha minha fosse criada por outro homem. — Ele estava transtornado. — Me acusa das piores coisas, mas você é ainda pior. Você negou a um pai o direito de cuidar de sua filha!

— Isso já é demais. — Ela sorriu, tomada pela raiva. — Você se acha no direito de jogar isso na minha cara? Queria saber que era pai? — O grito dela o fez dar um passo atrás. — E isso seria o suficiente? Acha mesmo que deixaria minha filha saber que tem um pai que a despreza, que acha a condição social e os negócios superiores a ela?

Maria Fernanda sentiu que sua voz demonstraria fraqueza quando se lembrou do episódio do hospital. Ela se virou na pia e respirou fundo. Eduardo não falou nada. Afinal o que ele poderia falar naquele momento?

— Só eu e a Suelen sabemos tudo o que passamos durante o período da gravidez. A Dudinha nasceu prematura, os médicos falaram que ela não sobreviveria. Eu acordava todos os dias durante aquele primeiro ano acreditando no milagre, que ela conseguiria sair daquele hospital. Eu só tive a ajuda dos meus amigos. Eles foram os únicos que estavam comigo no pior momento. O pai estava construindo um império e não queria responsabilidade com uma filha.

Eduardo empurrou o nó que se formou em sua garganta e enxugou rápido uma lágrima que desceu, pois seu coração insistiu em chamá-lo de egoísta e inconsequente.

— Eu não poderia imaginar que tudo isso aconteceria, Maria Fernanda.

— Eu também não poderia imaginar que com seis meses ela fosse diagnosticada com osteomielite e tivesse o osso de sua perninha infeccionado, eu não poderia imaginar que ela sofreria várias paradas cardíacas. — A voz de Maria Fernanda estava embargada e algumas lágrimas escorreram de seus olhos ao lembrar de todo sofrimento que sua filha tinha passado antes de completar um ano de vida. — Eu também não poderia imaginar nada disso, mas escolhi pela vida dela.

— Isso não te dava o direito de dar minha filha pra outro homem ser o pai! — Eduardo estava derrotado ante as armas que a mulher possuía.

— Você assumiria? — Ela virou para encarálo e ele recuou outro passo com o grito. — A escolha foi dela. Isso aconteceu porque sentia falta da figura do pai. Eu agradeço muito aos céus por ter colocado o Thiago e o Giovane na vida dela. O pai a rejeitou, mas ela ganhou dois pais maravilhosos que a amam como verdadeira filha.

Eduardo virou para a porta. Seu intuito era não encará-la. Ele fechou os olhos e esperou outra lágrima cair. Negou-se a fazer aquilo na frente dela.

— Eu quero minha filha de volta — falou firme.

— Você quer o quê?

— Eu quero me apresentar como pai e ter contato com ela. — Voltou a olhá-la e Maria Fernanda viu os olhos molhados.

— Quero seu ego nocivo bem longe da minha cria. Não vou permitir você iludindo minha menina…

— Ela é minha e tenho direitos. — Ele a interrompeu.

— Eu conheço perfeitamente o sujeito vazio que você é. Você só iludiria a Dudinha com promessas e depois a largaria, abandonada com o coração destruído.

— Nunca te prometi nada. Você se iludiu. Eu sempre deixei as coisas bem claras pra você. Não queria compromisso com ninguém. Você que morria de amores pelo sujeito vazio e tentava colocar essa porra na minha cabeça.

— Abre essa porta! — Nanda teve um lapso de constrangimento. — Rejeitou minha filha, mas teve um filho com a Viviane. Deve ter planejado essa criança para abocanhar a parte da herança daquela mulher! Você usa as pessoas para benefício próprio e não pensa nas consequências que causa.

— De que filho está falando? Eu não tenho filho nenhum com a Viviane.

— Com quem quer que seja. Você deve ter usado muitas mulheres depois de mim.

Ele lembrou o dia do reencontro, também recordou de estar com Viviane e o sobrinho. Sorriu nervoso ao entender o pensamento de Nanda.

— Você está falando do Lipe? O Luiz Felipe é filho da Luíza. Eu nunca teria um filho com a Viviane. Se eu não quero ter um filho, ela jamais agiria pelas minhas costas. Estou com ela até hoje justamente por isso. — Eduardo nem sabia o que estava falando.

— Então sejam felizes juntos com os propósitos vazios de vocês. Abra essa porta agora, porque eu tenho um noivo me esperando lá fora.

— Noivo?

— Abra a porta.

— Maria Fernanda, você não pode ter um noivo sendo casada. — Ele passou as mãos nos cabelos, nervoso.

— Me dê a chave agora!

Eduardo se contraiu com a firmeza da mulher e pegou de volta a chave do bolso, colocando-a na fechadura.

Três moças curiosas, que estavam com o ouvido na porta, quase caíram para dentro do banheiro.

— Me desculpem. Estava trancada contra minha vontade — Maria Fernanda se explicou.

— Seu nome é Maria Fernanda, não é? — Uma das moças perguntou, pois tinha ouvido durante todo o tempo em que esteve com o ouvido na porta.

— Só Nanda.

— Então, Nanda. Ouvimos tudo atrás da porta! Estamos indignadas.

— Era só o que me faltava! Um bando de enxeridas cuidando da vida dos outros! — Eduardo confrontou as meninas afoitas a sua frente.

Elas, com posse de suas bolsas, começaram a atacar o homem, que tentou se esquivar de todas as formas.

— Com licença, meninas, fiquem à vontade. — Maria Fernanda se retirou.

Ainda no final do corredor, ela ouviu os gritos de Eduardo, que levava bolsadas das moças enfurecidas. Maria Fernanda encontrou com Thiago no meio do restaurante. Depois de retirar o carro, ele estranhou a demora e cogitou a possibilidade de Eduardo estar envolvido.

— O que aconteceu, Fernanda?

— Ele descobriu da Dudinha e agora quer minha filha. — A namorada não conseguiu controlar o choro quando estava nos braços de quem a acolhia. Thiago a abraçou e encaminhou para fora do restaurante.

Viviane estava por perto e acabou ouvindo tudo. Aquilo a deixou indignada.

Thiago encostou a namorada na porta de seu carro e enxugou as lágrimas dos olhos dela. Ele estava beijando Nanda quando Eduardo, indignado, puxou-o pelo ombro. O homem estava todo desalinhado por consequência da surra que tinha tomado minutos antes.

— Se você pensa que vai ficar com minha filha está muito enganado! Eu sou o pai e tenho meus direitos. — Não esperou terminar sua fala e deflagrou um soco em cheio no rosto de Thiago, que se bateu em Maria Fernanda.

— Você está bem? — Embora Thiago estivesse com o nariz sangrando,  preocupou-se com a namorada.

— Você está sangrando, Thiago.

O taiwanês conferiu o sangue, sorriu, beijou a testa de Nanda, olhou para trás e devolveu o soco em Eduardo, que estava distraído vendo o cuidado dele com Maria Fernanda.

— Chega, Thiago. Vamos. — Ela entrou no carro puxando Thiago. Saíram dali antes que fossem expulsos pelos seguranças do restaurante que já vinham se aproximando.

Eduardo limpou o sangue da boca e olhou para uma gritaria que vinha se aproximando.

— Isso só pode ser brincadeira — murmurou.

As três moças que tinham o atacado estavam correndo em sua direção com as bolsas nas mãos. Encurralado, ele correu pelo estacionamento, sendo seguido por elas até encontrar seu carro e sair dali o mais rápido possível.

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