Meu nome é Gabriel Hoffman.
Tenho quinze anos. Eu sou um garoto comum que leva uma vida um tanto medíocre. Eu não saio, não tenho amigos próximos e não possuo nenhuma característica muito excepcional, nem nada de especial. Na minha própria opinião, eu tenho uma vida muito pouco invejável, mas fazer o que, não é?
Eu tenho um irmão um ano mais novo do que eu, chamado Jonathan, que é muito parecido comigo em algumas coisas e é muito diferente de mim em outras, afinal, nós somos irmãos, não clones. O Jonathan é o tipo de garoto que costuma agir primeiro e pensar depois, enquanto eu prefiro fazer o contrário. Ele não consegue ficar parado por muito tempo e, se você o forçar a isso, é capaz dele enlouquecer. Ele também gosta de praticar esportes, enquanto eu sou consideravelmente mais sedentário e não me orgulho disso, mas excesso de movimento físico realmente não é comigo.
Nós dois moramos com nosso inútil pai, que só sabe fazer duas coisas na vida: dormir e beber. Desde que nossa mãe faleceu, ele se tornou alcoólatra e não consegue se estabelecer em nenhum emprego. Até o ano passado, nós frequentávamos a escola igual a qualquer outro adolescente da nossa idade, porém, devido à falta de dinheiro e o acúmulo de dívidas, eu e meu irmão paramos de estudar.
O único conhecimento que adquirimos desde então vem dos livros que a dona de uma biblioteca próxima, a Sra. Teresa, nos fornece. Ela nos conhece desde crianças e sabe da nossa situação, então ela decidiu nos ajudar fornecendo livros para que possamos continuar aprendendo.
Certo dia, em um fim de tarde, eu e meu irmão estávamos no quintal dos fundos da nossa casa. Eu estava sentado perto da árvore que havia lá, mergulhado em um livro, como de costume. Já o meu irmão estava se exercitando como ele sempre fazia. Ele corria para lá e para cá, fazia agachamentos, abdominais e uma série de outros exercícios que fugiam da minha alçada de conhecimento. Eu era um completo noob quando se tratava de exercícios físicos e ficava impressionado com a energia e a disciplina do meu irmão.
— Você não se cansa não? — Perguntei para ele enquanto ele passava por mim.
— Jamais! — Ele respondeu sorridente. — Eu tenho que aproveitar enquanto eu ainda sou jovem!
Eu balancei a cabeça, admirando o comportamento do meu irmão em relação à sua saúde, mas não era algo que eu compartilhava.
Era uma tarde de outono e o clima estava agradável. O céu estava sem nuvens e o sol brilhava de forma suave. Eu estava terminando meu livro quando, de repente, ouvimos a porta da frente bater.
— O pai chegou cedo hoje. — Eu disse ao Jonathan.
— Quer apostar quanto que ele foi expulso do bar de novo? — Ele debochou.
— Não quero apostar nada. Tenho certeza de que foi isso mesmo.
Em poucos minutos, nosso pai apareceu pela porta dos fundos. Ele estava com um olho roxo e eu podia sentir o cheiro do álcool mesmo com uma distância de quase três metros nos separando.
— Pai, o que aconteceu? — Eu perguntei tentando parecer preocupado, mas, na verdade, eu não me importava muito com o que acontecia com ele.
— Nada que interesse a vocês dois. — Ele respondeu, mal-humorado como sempre. — Eu preciso que vocês vão buscar cerveja para mim.
— Agora?! — Jonathan protestou. — Mas já está quase anoitecendo.
— Vão agora! — Nosso pai gritou, irritado.
Jonathan cerrou os punhos e estava prestes a discutir, mas eu coloquei a mão em seu ombro.
— Nem tente, Jonathan. Não vale a pena.
— Aff, tudo bem... — Ele resmungou, derrotado.
Tentar argumentar com nosso pai era inútil, especialmente quando ele estava embriagado. Então, para evitar problemas, decidimos sair e ir buscar a cerveja que ele tanto queria. Fechamos a porta atrás de nós e uma leve brisa gelada soprou sobre a gente. As árvores da rua estavam sem folhas, tornando o cenário típico de um outono.
— Vamos passar na biblioteca no caminho. — Falei. — Estou terminando aquele livro e quero pegar outro para ler depois.
— Tudo bem. Quanto mais tempo ficarmos fora de casa, melhor. — Ele deu de ombros.
Sempre fui um grande leitor e isso me permitiu acumular conhecimento sobre diversos assuntos. Ler era uma maneira maravilhosa de escapar da minha realidade caótica. Às vezes, quando eu me sentia sem saída, mergulhava em um livro e lia sem parar. Talvez fosse um pouco deprimente, mas teve seu lado positivo, pois, diferentemente de algumas pessoas que sabem muito sobre um único assunto, posso dizer que sei um pouco sobre quase todos os assuntos possíveis. Não querendo me gabar, obviamente.
O sol estava se pondo e as ruas começavam a ficar mais vazias. A brisa fria fez com que eu puxasse meu casaco mais para perto do corpo. Enquanto caminhávamos, ouvimos o som de música alta vindo de um bar próximo. Meu irmão olhou para mim com um sorriso debochado no rosto.
— Aposto que é de lá que ele foi expulso.
— Eu não duvido. — Respondi, com um sorriso de canto de boca.
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Senti uma sensação de alívio e conforto ao chegar na biblioteca. O cheiro característico de um espaço repleto de livros antigos e novos me invadiu as narinas e eu me senti em casa. Fomos direto à recepção, onde estava a Jessica, uma verdadeira beldade que sempre me deixava com um sorriso no rosto. Ela era a neta da Sra. Teresa e tinha um ano a mais que eu. Seus cabelos loiros caíam graciosamente sobre seus ombros, contrastando com seus olhos castanhos que brilhavam como os raios de sol em um dia ensolarado. Seu corpo ligeiramente voluptuoso era perfeito para mim, e meu lado adolescente e cheio de hormônios não conseguia resistir aos seus encantos.
— Oi, Jessica! — Meu rosto inteiro sorria para a garota à minha frente.
— Olá, Gabriel! Veio pegar algum livro?
— Sim! Posso dar uma olhada para ver se algum me interessa?
— Claro, vá em frente!
Embora a atração que eu sentia pela Jessica fosse inegável, eu sabia que não tinha a mínima chance com ela. Além disso, o meu lado racional gritava bem alto que eu deveria me manter distante e não criar expectativas ou ilusões. No entanto, isso não impediu que eu admirasse sua beleza e gentileza. Ela sabia da nossa situação e da permissão que a avó dela nos dava para pegar livros emprestados, então sempre nos recebia com um sorriso no rosto e uma atitude prestativa. Ou seja, além de ela ser uma verdadeira beldade, ela também era incrivelmente educada. Como não se derreter por uma garota dessas?
De qualquer forma, eu fiquei um pouco surpreso quando a vi lá na recepção, pois era um pouco raro vê-la trabalhando na biblioteca. Mas, bem, creio que nem todo mundo era um nem-nem igual eu e meu irmão. Ela provavelmente devia ser uma pessoa bem ocupada e tinha suas próprias coisas para resolver, então ficava na biblioteca só quando podia.
— Beleza! — Comecei a me dirigir para as estantes de livros.
Deixando meus pensamentos de lado, fui para a seção de ficção e fantasia, que eram os temas que mais me interessavam. Eu adorava ler histórias sobre mundos imaginários, onde os problemas eram completamente diferentes dos do mundo real. Era uma forma de escapar da realidade e mergulhar em aventuras emocionantes e intrigantes.
"Nada melhor do que ler histórias sobre problemas de mundos que não existem para te ajudar a esquecer os do mundo real", esse era um dos meus lemas.
Enquanto olhava as estantes de livros, pensei que talvez o fato de não poder desfrutar da presença da Jessica sempre que eu ia à biblioteca era o que tornava aqueles momentos mais especiais. Era como se eu tivesse que aproveitar cada segundo em que estava próximo dela, pois nunca sabia quando teria outra oportunidade. Mas, ao mesmo tempo, essa sensação de incerteza e instabilidade me deixava ansioso e inquieto. Eu sabia que não poderia continuar assim para sempre, precisava encontrar um caminho para sair daquele limbo e seguir em frente. Mas, por enquanto, estava feliz em estar ali, cercado por livros e pela presença da Jessica.
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Dei uma olhada em alguns livros, porém nenhum me chamou atenção e eu comecei a pensar que ia voltar para casa de mãos vazias naquele dia, tirando o fato de estar carregando as bebidas do meu pai, óbvio. Um garoto de quinze anos carregando várias cervejas ao invés de livros iria ser uma cena bem triste de se ver, se você parasse para analisar por uma certa perspectiva.
— Gabriel, dá uma olhada nisso aqui.
Jonathan estava olhando a estante que estava atrás de mim. Ele não era um leitor assíduo como eu era, creio que ficar parado lendo um livro não era uma ideia tão atraente para ele quanto era para mim. Porém, de vez em quando, um ou outro livro chamavam a sua atenção e ele os lia. Embora isso tenha acontecido poucas vezes, os livros que ele começava a ler, ele lia até o final.
— O que foi? — Perguntei.
— Esse livro fala sobre dois irmãos num mundo de fantasia, um que é extremamente habilidoso com magia e outro que é um espadachim extremamente veloz.
— Deixa eu dar uma olhada.
Eu peguei o livro e li a sinopse. Eis o que estava escrito: "Dois irmãos são levados para um mundo de fantasia e lá eles descobrem que possuem habilidades poderosas. A partir daí, eles começam a viver grandes aventuras com muitos altos e baixos, reviravoltas, conflitos e situações inesperadas. Com isso, eles decidem aproveitar essa chance e viver suas novas vidas ao máximo."
— O que achou? — Ele me perguntou isso já sabendo o que eu ia responder.
— Muito clichê. Eu passo.
— Verdade. Vou pôr ele de volta na estante.
Enquanto o Jonathan esticava seu braço, eu notei algo estranho. Bem estranho, na verdade.
— Jonathan, por que você está brilhando?
— O que? Eu não estou bri... — Assim que olhou para o braço que não estava usando, ele arregalou os olhos. — Meu Deus, eu tô brilhando!
Jonathan fez uma cara de espanto e começou a ficar desesperado, talvez pensando que ele estivesse prestes a morrer. Como sempre, ele estava sendo muito dramático para mim... ou, talvez, eu que estava sendo muito calmo porque, bem, ele realmente estava brilhando naquela hora e isso não era uma coisa que se via todo dia.
Então, ele parou e disse:
— Gabriel, você também está brilhando!
Eu olhei para a minha mão e notei que eu realmente estava brilhando também, mas, mesmo assim, eu não me espantei tanto. Na minha cabeça, poderia haver milhares de explicações lógicas para o que estava acontecendo ali e nada de ruim iria ocorrer conosco.
— O que tá acontecendo?! Por que estamos brilhando?!
— Eu não sei, Jonathan, mas vamos tentar ficar calmos.
Eu olhei atrás de mim para ver se tinha algum tipo de luz sendo refletida em nós. Nós não éramos nenhum tipo de espelho ambulante, mas, caso fosse uma luz muito intensa que estivesse sendo direcionada para nós, poderia passar a impressão de que nós é que estávamos brilhando. Mas logo descartei essa hipótese porque, além dela não fazer muito sentido, não havia nenhuma luz vindo em nossa direção.
— Ok... eu não sei porque isso está acontecendo, mas vamos tentar não entrar em pâni...
Quando me virei para frente, eu tomei um susto. Jonathan havia sumido.
— Jonathan? Jonathan?!
Meu irmão desapareceu de repente. Essa foi a hora que eu comecei a me preocupar, mas, para piorar tudo, a minha própria mão começou a desaparecer.
Foi aí, então, que eu soltei a única palavra que veio em minha mente.
— Droga...
Tudo havia ficado preto. Preto como se eu tivesse dormido. Não senti nenhuma dor nem nada. Foi como se eu tivesse apagado instantaneamente. Não sentia qualquer sensação. Por um instante, pensei no pior: tínhamos morrido e aquele era o vazio da morte. Mas então, comecei a sentir leves cutucadas em meu ombro e ouvi uma voz chamando meu nome:
— Gabriel? Gabriel, acorda.
Não era a voz de Deus, pelo contrário, era uma voz familiar para mim. Então eu abri meus olhos lentamente e vi o rosto do Jonathan. Ele parecia estar um pouco assustado.
— Jonathan? — Falei enquanto esfregava os olhos. Eu me sentia um pouco tonto ainda. — É você?
— Sim, sou eu. Que bom que você está acordado.
Então eu não estava morto e o meu irmão também não, o que foi um alívio. Quando recuperei totalmente os sentidos, me sentei no chão e vi que nós dois estávamos perfeitamente bem, porém, logo percebi que estávamos sentados em uma sala escura e mal iluminada, muito diferente da biblioteca em que estávamos anteriormente.
— Onde estamos? — Perguntei olhando em volta.
— Eu não faço ideia. — Ele respondeu, também olhando ao redor.
A sala era quase completamente vazia, exceto por uma escada que levava para cima e um círculo com figuras estranhas desenhado no chão em que estávamos sentados. A pouca luz que entrava na sala vinha de uma fresta estreita e alta na parede, que mal iluminava o lugar. Senti um calafrio percorrer minha espinha, imaginando que poderíamos estar em um porão, em algum lugar desconhecido e perigoso.
— Quanto tempo eu fiquei desacordado? — Perguntei me levantando com a ajuda do Jonathan.
— Uns quinze minutos, eu acho. Eu fiquei preocupado que algo tivesse acontecido com você.
Olhei em volta novamente, tentando ver se havia alguma pista do lugar em que estávamos. Passei as mãos pelas paredes e pelo chão, procurando qualquer coisa que pudesse nos dar uma ideia de onde estávamos, mas não encontrei nada além de teias de aranha e rachaduras na parede.
— Não há nada aqui. Parece que estamos em um porão velho abandonado. — Falei.
Jonathan concordou, olhando em volta com apreensão. Senti um nó se formar em minha garganta. Não parecia haver praticamente nada naquele lugar e, se houvesse algo que pudesse estar minimamente escondido, não iríamos saber, pois estava tudo realmente muito escuro e eu também estava receoso em revirar tudo ali. Eu não sabia como fomos parar ali e não sabia o que fazer, mas sabia que precisávamos sair dali o mais rápido possível.
Logo soubemos que ficar apenas lá não ia dar em nada e decidimos que era melhor subir as escadas para ver o que havia lá em cima. Lá poderia haver algo que pudesse nos dar algum norte.
— Eu tô com um pouco de medo, para ser sincero. — Jonathan disse. — Eu nunca sequer pisei em um lugar parecido com esse antes. Um local totalmente escuro, e aquele círculo esquisito... chega a dar arrepios. Será que fomos sequestrados?
— Acho que não. Que tipo de sequestradores deixariam suas vítimas totalmente livres após sequestrar elas? Digo, eles teriam ao menos nos amarrado, não?
— Certo, faz sentido.
— Mas, mesmo se tivéssemos sido sequestrados, isso não explica o porquê de nós termos brilhado antes de apagarmos completamente.
— É verdade. Só de lembrar do meu braço brilhando... sinto calafrios. Eu achei que ia morrer de verdade.
Jonathan ainda estava com uma expressão de pavor em seu rosto e era totalmente compreensível, pois ele brilhou, apagou e acordou em um lugar desconhecido. Passar por isso iria assustar qualquer um, mas, mesmo assim, nós não podíamos ficar parados ali esperando algo ocorrer. Nós começamos a subir as escadas.
Chegando ao topo, nós vimos uma passagem do tamanho de uma janela que estava bloqueada por um pedaço de madeira. Parecia não haver nenhum outro cômodo ali sem ser aquele porão escuro. A gente se aproximou da janela e, olhando por pequenos buracos, nós vimos o que parecia ser um beco.
— Acho que temos que quebrar isso. — Falei.
— Parece que sim. Essa madeira não deve ser tão resistente. Se chutarmos ao mesmo tempo, talvez ela quebre.
— Vamos tentar.
Contamos até três e chutamos a madeira. Ela parecia ser bem velha e quebrou com certa facilidade. Assim que saímos, vimos que, de fato, havia um beco do lado de fora. Era um beco bem comprido e largo, talvez coubessem umas três pessoas ali, uma do lado da outra, facilmente. Tinha um pouco de lixo no chão e algumas poças espalhadas. Nós já conseguíamos ver o céu claro acima de nós e vimos até um pequeno grupo de pássaros voando, o que ajudou a aliviar a tensão. Mas, o mais importante, nós também começamos a ouvir algumas vozes.
— Creio que deve ter alguma rua aqui perto.
— Jonathan disse. Ele parecia bem mais aliviado. Talvez ouvir aquelas vozes e ver o céu tenha o acalmado. — Não sei como viemos parar aqui, mas acho melhor voltarmos para a biblioteca.
— Será que a Jessica se preocupou com o meu desaparecimento repentino? Eu tenho que pensar em algo para dizer a ela quando voltarmos. Ela pode estar me procurando nesse momento.
— Ah, é. Ela deve estar muito preocupada mesmo... — Seu tom, nitidamente irônico. — Para de fantasiar sobre ela e vamos logo. Ainda temos que levar a cerveja do nosso pai.
— Tudo bem.
O beco era comprido e nós fizemos algumas curvas dentro dele. Enquanto íamos até a saída, começamos a ouvir cada vez mais barulhos. Além das vozes, eu escutava o que pareciam ser cavalos trotando e isso foi me deixando confuso. Eu não lembrava de ouvir tantos cavalos assim andando pelas ruas da cidade.
A propósito, nós estávamos no fim da tarde e o sol estava se pondo antes, então por que ele está no bem no meio do céu agora, como se fosse meio dia ou algo assim?
— Isso é estranho... — Falei para mim mesmo.
— Hein? Disse alguma coisa?
— Não, nada.
Nós ainda estávamos saindo do beco, até que finalmente conseguimos ver um pouco da rua. Porém, nós notamos que havia algo estranho naquela rua e diminuímos o passo. As pessoas pareciam usar roupas diferentes das quais estávamos acostumados a ver, sem falar que não passou nenhum carro, mas muitas carroças e carruagens sendo puxadas por cavalos.
Nós continuamos seguindo em frente até que finalmente chegamos na rua e pudemos ver tudo perfeitamente.
— Uau... isso é... incrível! — Jonathan estava completamente impressionado.
Espantados, nós demos uma boa olhada em volta e vimos que era tudo diferente: as roupas das pessoas, os estabelecimentos, as casas. Até o ar era diferente, era bem mais limpo.
— O que é isso tudo...? — Falei, perplexo. Eu não conseguia acreditar nos meus olhos.
As pessoas usavam roupas que pareciam ser de séculos atrás e algumas delas andavam com espadas em suas cinturas ou segurando o que pareciam ser cajados. Havia grupos andando para lá e para cá que eram idênticos aos guerreiros da época medieval. Algumas construções pareciam ser feitas de forma e materiais mais simples, porém outras eram mais refinadas e nitidamente tinham uma estrutura mais reforçada. No entanto, todas tinham uma arquitetura que parecia extremamente antiga. Os cavalos estavam por quase todo canto. Eles puxavam carroças, carruagens e alguns até passavam sozinhos sendo guiados por pessoas montadas em suas costas.
Após isso tudo, nós olhamos um para o outro e percebemos que tudo aquilo só podia significar uma única coisa, e então nós falamos ao mesmo tempo:
— Nós estamos em outro mundo...
Jonathan falou isso com entusiasmo, mas eu não... eu estava apavorado.
...****************...
...Jonathan...
— Nós estamos em outro mundo!
Eu confesso que estava bem animado. Eu estava vivendo o sonho de quase todos os otakus. Porém, quando eu olhei para o meu irmão, vi que, apesar dele ter dito a mesma frase que eu, ele parecia bem assustado.
— Gabriel, você está bem?
— Não... não... isso é impossível...
— Gabriel?
— Nãããão! — Ele voltou correndo para o beco.
— Gabriel, volta aqui!
Eu saí correndo atrás dele. Essa foi uma reação bem inesperada, visto que ele permaneceu calmo durante tudo o que havia ocorrido até aquele momento. Ele seguiu de volta todo o caminho que nós havíamos feito, tinha passado por aquela pequena passagem e entrado de volta na sala.
— Gabriel? Você está aqui?
Eu fui descendo as escadas e então vi uma cena impressionante para mim: Gabriel estava choramingando em cima daquele círculo esquisito. Eu soube na hora que, para ele estar daquele jeito, a situação toda foi um choque bem grande. Ele estava chorando e batendo no chão onde o círculo estava desenhado. Ele parecia não só estar chocado, mas revoltado também.
— Me leva de volta!
— Gabriel...
— Me leva de volta! Me leva de volta! Eu não quero ficar aqui!
Eu conseguia entender ele. Por mais que a nossa vida no nosso mundo não fosse tão boa, ser teletransportado do nada para outro mundo talvez não fosse uma das melhores opções para qualquer um.
Creio que as pessoas prefeririam mudar suas vidas utilizando métodos normais como trabalhar, ganhar dinheiro e comprar uma casa. Pouquíssimas pessoas iriam simplesmente escolher serem levadas para outro mundo, apesar dessa ideia não parecer tão ruim para mim. Porém, por mais que eu não estivesse muito abalado com tudo aquilo, o Gabriel estava. Eu tinha que acalmar ele de alguma forma.
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Depois de alguns minutos, o Gabriel voltou ao normal. Ele sempre foi bem calmo, então foi um tanto surpreendente vê-lo chorar. Na verdade, posso dizer que aquela cena me serviu também para me lembrar de que o meu irmão de fato chora. Não é como se ele nunca tivesse chorado na vida, mas é que ele fez isso poucas vezes. Normalmente, isso ocorre só em alguns poucos eventos que realmente são traumáticos para ele.
Nós voltamos para o beco e começamos a entender nossa situação. Nós estávamos em um mundo bem semelhante à Europa medieval. Quase tudo a nossa volta lembrava as imagens que víamos em nossos livros de história quando ainda estudávamos.
— Então, nós fomos trazidos para um mundo que se parece com a Europa na idade média e quase todos os mapas de jogos de MMORPG... — Falei. — Que clichê.
Eu estava com algumas ideias na minha cabeça e, se tudo estivesse de acordo com o que eu pensava, havia a possibilidade de aquele mundo não ser assim tão estranho para mim. Eu já vi diversas vezes esses clichês onde o personagem é levado para um mundo medieval e precisa se virar, então, talvez, eu poderia tirar proveito do meu conhecimento sobre isso.
Mas, ainda assim, era surpreendente o fato de aquilo estar acontecendo comigo. Quem diria que eu, Jonathan Hoffman, iria passar por uma situação dessas...
— Ok... — Gabriel se recompôs. — Nós precisamos de um plano sobre o que devemos fazer primeiro. Digo, não vamos dar uma de protagonistas de anime, série ou seja lá o que for. Estamos em um mundo completamente diferente do nosso e precisamos nos focar em sobrevivermos até voltarmos para a casa, né?
— Sim, sim, claro. — Concordei com a cabeça, apesar de não ter dado muito ouvidos.
— Então, tem alguma sugestão?
— E-Eu? B-Bem... nós poderíamos... talvez devêssemos...
— Haah... — Com um suspiro, Gabriel deixou nítido que percebeu que não estávamos em sintonia. Enquanto ele se preocupava em pensar em algo, eu permaneci impressionado com o fato de eu estar realmente em outro mundo. — Acho que o melhor a se fazer primeiro é reunir informações sobre este mundo e criar um plano de ação a partir daí. Conhecimento pode ser a nossa melhor arma e defesa por aqui. O que acha?
— Sim, concordo.
— Então, onde as pessoas costumam ir para adquirir conhecimento?
— Em outras ocasiões, eu responderia internet. Porém, não acho que há internet por aqui.
— Se o principal meio de transporte por aqui é o cavalo, creio que a última coisa que este lugar deve ter seja internet.
— Onde devemos ir então?
— O local em que estávamos a menos de uma hora atrás, a biblioteca.
Realmente. Bibliotecas são um poço de informações e conhecimentos. Eu não sou muito chegado a leitura, mas eu não nego que os livros podem oferecer informações valiosas e, naquele momento, eles poderiam ser a nossa maior arma.
— Vamos lá então?
O rosto e a voz do Gabriel pareciam estar bem mais aliviados. Nem parecia que ele estava se debatendo e choramingando há menos de meia hora.
— Vamos. — Respondi.
Nós saímos em busca de uma biblioteca. Estávamos em um local desconhecido, então nossa melhor maneira de sobreviver era conhecendo o lugar.
...Gabriel...
De alguma forma, eu consegui me acalmar, então nós conversamos e decidimos que deveríamos ir a uma biblioteca, pois lá seria nossa melhor chance de saber mais sobre o mundo no qual estávamos. Nós saímos lentamente daquele beco e tentamos não chamar muita atenção. Nós tínhamos acabado de chegar em um mundo totalmente desconhecido e ser parado por algum tipo de polícia ou qualquer outra autoridade era a última coisa que eu queria que acontecesse.
Enquanto andamos pela rua, não conseguimos deixar de ficar perplexos com tudo a nossa volta.
Apesar de tudo ser diferente do que estávamos acostumados, era tudo tão bonito e vivo ao mesmo tempo. Havia uma grande multidão de pessoas conversando e passando para lá e para cá, tanto a cavalo, quanto a pé. O comércio também parecia ser bem movimentado naquela região. Eu não tinha certeza de nada, mas vi o que pareciam ser mercados, bares, restaurantes e mais vários outros tipos de estabelecimentos.
— Acho melhor perguntarmos para alguém se há uma biblioteca por perto. — Jonathan disse.
— É uma boa ideia.
Apesar de eu ter concordado, fiquei com receio das pessoas dali não falarem nossa língua. As vozes que eu escutava vindo delas pareciam falar, mas poderia ser só impressão minha.
Eu avistei um homem alto, careca e barbudo que estava dentro de uma pequena tenda com vários legumes expostos como se estivessem à venda. Ele parecia ser um comerciante e como comerciantes costumam saber bem sobre a área onde ficam, decidimos ir até ele. Ele estava revirando algumas coisas em um caixote no chão quando nos aproximamos.
— Com licença, senhor. — Eu o chamei, porém ele pareceu não ter me ouvido. Tentei chamar de novo e mais alto. — Com licença!
— Ah, clientes! — Ele se virou para nós com uma expressão bem amigável em seu rosto. — O que vão querer? Tenho diversas frutas e legumes! Fiquem à vontade para dar uma olhada!
— Sentimos muito, mas não estamos aqui para comprar nada. Na verdade, nós queríamos uma informação. O senhor sabe se há uma biblioteca por aqui?
— Biblioteca? — Ele coçou a barba e começou a pensar. — Acho que tem uma perto da praça.
— E onde fica a praça?
O senhor pareceu um pouco surpreso quando perguntei isso. Será que a praça daquele lugar era um local onde todos por ali deviam saber onde fica?
— Vocês não são daqui, né?
— Não, senhor. Não somos.
— Apenas sigam essa rua nessa direção. — Ele apontou para nossa esquerda. — No final dela, vocês vão ver a praça.
— Muito obrigado.
Então, nós começamos a seguir a rua na direção que o comerciante tinha apontado que, por coincidência, era a direção da qual nós viemos.
— Muito conveniente o povo daqui falar a mesma língua que nós. — Jonathan falou.
De fato, foi bem conveniente e foi muita sorte também. Nossa situação já não era muito boa, mas com o povo local falando a nossa língua, acho que tudo poderia ficar um pouco menos difícil. Porém, ainda havia a chance da escrita ser diferente. Iria ser bem decepcionante a gente conseguir falar com todos, mas chegar na biblioteca e nos depararmos com uma escrita totalmente irreconhecível. Nosso plano de ação iria por água a baixo na hora.
Após andar por alguns minutos, nós chegamos na praça. Era um local bem grande e bem bonito, por sinal. Havia árvores, bancos e um grande chafariz no meio dela. Nós demos uma breve olhada em volta e logo conseguimos avistar a biblioteca, então nos dirigimos até ela. Era um grande estabelecimento com um letreiro em cima da porta que dizia "Biblioteca de Alexandria".
— "Alexandria"... seria esse o nome dessa cidade? — Perguntei.
— Não sei. — Jonathan deu de ombros, não pareceu ligar muito. — Vamos entrar.
Subimos os três degraus e entramos.
Eu fiquei abismado quando pus meus pés lá dentro, pois o lugar era gigante e tinha dois andares. As estantes de livros eram enormes e compridas, e o número de livros que devia haver ali parecia beirar o infinito. Eu fiquei alguns segundos admirando aquele cenário lindo para mim, mas logo balancei a cabeça e voltei para a realidade.
Nós fomos para a recepção e havia lá uma senhora idosa de óculos que parecia já ter vivido bastante da vida, por assim dizer. Seus cabelos eram totalmente brancos, suas costas eram meio curvadas e seu rosto, bem, não parecia ser dos mais felizes ao ver dois simples garotos se aproximando dela. A cada passo que eu dava em sua direção, eu podia sentir sua antipatia ficando maior.
— Bom dia.
No momento em que eu falei isso, seu rosto, que já era pouco amigável, se fechou mais ainda e ela deu uma boa olhada em nós dois da cabeça aos pés. Parecia que ela estava nos analisando.
— O que vocês querem?
Ela nem retribuiu o meu “bom dia” e nos fez a pergunta em um tom bem rude. Naquela hora, a única coisa que eu pensei foi “ai, que saudade da minha querida Jessica”.
— Onde ficam os livros de história e geografia? — Jonathan perguntou.
— Ficam na seção de história e geografia, respectivamente.
— Ok. Muito obrigado.
Após isso, nós decidimos nos separar e fomos para seções diferentes. A moça não era simpática, mas foi útil e, pelo visto, ela parecia estar lá apenas para fazer o trabalho dela e nada mais que isso.
Provavelmente era do tipo que dizia "eu sou paga para te atender, não para ser sua colega".
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Eu e o Jonathan logo nos reunimos novamente. Como não queríamos perder muito tempo, havíamos decidido antes buscar por livros que tivessem informações relevantes, porém resumidas. Nós ainda tínhamos outros problemas que iriam surgir mais cedo ou mais tarde e precisariam ser solucionados ainda naquele dia, então ler uma enciclopédia inteira sobre aquele mundo estava fora de cogitação.
Eu estava com alguns livros de história e ele, com alguns de geografia.
— Ok. Vamos dar uma olhada e procurar informações que possam nos ajudar.
Nós sentamos em uma mesa e começamos a ler os livros. Depois de meia hora, havíamos juntado algumas informações interessantes. Eis o que tínhamos encontrado:
1 - Estávamos situados em um vasto continente chamado Galonia.
2 - Galonia era composto por cinco regiões distintas, denominadas Terras, as quais equivalem a países. Estas terras eram conhecidas como Terra de Haoni, Terra de Zefir, Terra de Zambezio, Terra de Alkinea e Terra de Nexus.
3 - O nome de cada terra derivava de uma antiga divindade:
Hao – Deusa da Água
Zef – Deus do Ar
Zambe – Deus da Terra
Alki – Deusa do Raio
Nex – Deus do Fogo
4 - Conforme a história diz, há aproximadamente dez mil anos, Nex se revoltou misteriosamente contra as demais divindades, desencadeando uma guerra conhecida como "A Guerra do Nexus". O conflito terminou com Nex sendo selado para sempre em um ato de autosacrifício de Zef, Hao, Zambe e Alki.
5 – Em Galonia, a magia se faz presente. Criada pelas antigas divindades, sua essência baseia-se nos cinco elementos, manifestando-se em oito níveis de domínio: Iniciante, Intermediário, Avançado, Santo, Rei, Imperador, Deus e Pilar.
6 - A manipulação da magia requer a presença de mana, a energia natural do mundo, armazenada nos seres vivos, porém era necessário um treinamento árduo para sua manipulação.
7 - Os feitiços mágicos não demandam encantamentos. Basta esvaziar a mente, concentrar-se no feitiço desejado e pronunciar seu nome. Quanto maior o nível do feitiço, mais mana ele consumirá, e a sua dominação está na prática contínua. O uso frequente de um feitiço também facilita sua realização futura.
8 - Existe outra forma de manipulação da mana, utilizada pelos guerreiros que conseguem envolver seus corpos com essa energia, potencializando suas habilidades físicas e sentidos. Essa manifestação de mana é chamada de Aura de Combate, sendo empregada, em especial, por espadachins mais habilidosos.
9 - Ocorrem, ocasionalmente, casos de pessoas cujo fluxo de mana sofre uma perturbação peculiar, o que lhes proporciona habilidades sobre-humanas. Esses indivíduos são conhecidos como "Herdeiros das Runas".
10 - Os seres mais poderosos de Galonia são conhecidos como Os Cinco Pilares, sendo eles atualmente: Pilar-Magia, Pilar-Norte, Pilar- Demônio, Pilar-Espada e Pilar-Dragão.
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Como esperado, esse mundo não parecia um RPG à toa. Lendo alguns dos livros, pudermos ver que não apenas há magia e esgrima por aqui, como tudo parece girar em torno disso também. Dito isso, resolvemos pegar algumas informações relacionadas a esses tópicos. Pode se dizer que, dada a nossa situação atual, fugimos um pouco da prioridade, mas eu realmente acredito que saber mais sobre essas características desse mundo pode servir de alguma coisa, e eu não achei outras informações que eram tão relevantes assim também.
— Vamos tentar não esquecer dessas informações, elas podem ser muito úteis.
— Pode deixar! — Jonathan concordou com a cabeça. — O que faremos agora?
— Vamos ver... acho que precisamos de dinheiro, pois iremos ficar com fome e também precisaremos de um local para dormir.
— Eu acho que tenho algum dinheiro aqui comigo — Ele pegou sua carteira e a abriu. — Têm o dinheiro da bebida do pai.
— Você realmente acha que eles usam esse tipo de dinheiro por aqui?
— Acho que não...
— Precisamos conseguir dinheiro local.
Começamos a pensar, porém, eu particularmente não conseguia ver muitas opções para nós. Eu não via nenhuma forma muito eficiente de como dois garotos de outro mundo poderiam conseguir dinheiro de forma rápida por ali.
Poderíamos tentar pedir emprego em algum lugar, mas muito dificilmente alguém iria nos contratar, dado o nosso visual naquele momento. Nós devíamos ser os únicos em todo aquele lugar que estavam vestindo roupas bem diferentes dos demais. Porém, mesmo que as roupas não fossem um grande problema, a falta de experiência seria. Ninguém iria querer dar emprego para dois garotos estranhos e inexperientes.
Eu não conseguia ter nenhuma ideia, mas, então, uma lâmpada brilhante surgiu em cima da cabeça do meu irmão.
— Tenho uma ideia!
— Diga.
— Já vimos diversos mundos assim em jogos e animes.
— E?
— Esses mundos sempre possuem guildas onde aventureiros se reúnem para fazer missões e ganhar dinheiro. Acho que deveríamos procurar por uma
Eu era um pouco familiarizado com o conceito de Guildas e, até onde eu sabia, Guildas eram estabelecimentos onde pessoas se reuniam para aceitar e ofertar trabalhos. Parece ser algo simples e prático, mas eu não sabia se ir atrás de uma parecia ser a melhor ideia.
Porém, não parecíamos ter outra escolha e, vendo que aquele realmente parecia ser um mundo que você via em videogames e animes, decidi confiar no instinto de nerd do meu irmão.
— Ok. Você pode estar certo.
— Beleza!
Decidimos arriscar e ver se realmente havia uma "Guilda de Aventureiros" pelo local. Se déssemos sorte, encontraríamos uma e ela iria ser a nossa melhor forma de conseguir alguns trocados.
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