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Transgressores -Os Bertottis #3

Capítulo 1

Prólogo

Isadora

"Mamãe, por que o céu é azul?"

"Papai por que a grama é verde?"

"Nandinha, por que as pessoas crescem?"

"Mi, como os bebês nascem?"

Por essas e outras perguntas que sempre fui uma pessoa considerada muito curiosa, alegre e às vezes intrometida.

A Isa, como todos me chamavam, nunca era desobediente, nunca reclamava, tirava boas notas, era a garota mais bonita da turma no ensino médio, a sempre amiga e companheira de todas as horas.... uma verdadeira garota exemplar.

Essa sempre foi a Isadora que as pessoas enxergavam, ou que queriam enxergar. Entretanto, esse modelinho de perfeição não é exatamente o tipo de pessoa que eu sou. Boa parte de mim ainda é essa pessoa, mas há uma parte em mim que ninguém vê, uma parte escurecida por algumas situações que aconteceram comigo, coisas que me atingiram e pessoas que me marcaram de forma cruel. Contudo, me forço a olhar além de mim, existe um mundo inteiro pela frente e é por isso que sigo adiante.

A uma essência em mim que faz sorrir, que me faz querer que o outro se sinta bem, então eu ignoro qualquer problema para fazer o impossível pelas pessoas que eu me importo. Não há nada no mundo que eu não faria, não mediria esforços por quem amo.

E talvez, só talvez, esse seja o meu problema, quer dizer, o meu MAIOR problema.

Até porque se não fosse por esse meu coração mole, eu não estaria aonde eu estou hoje... No fundo do poço e muito ferrada.

Estou atolada, mas diferentemente de todas as outras vezes, essa, a coisa está bem feia para o meu lado. Ora, é o meu pescoço que está em jogo!

Não sei o que fazer, acho que dessa vez não tenho saída. Até porque, quem seria louco o suficiente para se meter nessa insanidade comigo?

Capítulo 1

Isadora

Era uma das noites mais felizes da minha vida....

Como sempre, eu estava em mais um casamento. Porém, não era um casamento qualquer, não que eu desvalorizasse os demais em que já havia presenciado, jamais.  Contudo, esse era mais que especial por um motivo: era minha melhor amiga que estava vestida em um lindíssimo Vera Wang maravilhoso, escolhido a dedo por mim. É claro que ela também se apaixonou pelo modelo assim que seus olhos pousaram sobre aquela preciosidade.

***

Ela está tão linda, e todos os convidados estão atentos a cada movimento gracioso, adquirido após muito esforço e paciência, que ela exibia.

O noivo, agora marido, não parava de babar na visão que ela era em seus braços, enquanto dançavam a valsa nupcial.

Para quem conhece e acompanhou esses dois, sabe o quanto foi difícil e conturbado o caminho até o dia de hoje.

Mas, deixando de lado o passado e vivenciando o presente, me sinto plena e satisfeita com o rumo das coisas. Mesmo que eu esteja sozinha nessa fase da vida, não me chateio. Eu sei me alegrar com a alegria do outro, e fazer o dia dele ser o mais feliz possível. Porque é isso que melhores amigos fazem, apoiar uns aos outros, independente das circunstâncias.

Enquanto passeio ao redor da pista de dança que se encontra no centro do salão de festa, sinto meu braço ser tocado.

Viro-me para saber de quem se trata, e vejo meu irmão logo atrás de mim.

-Dança comigo? -Kai perguntou.

-Você sabe que eu não perderia a oportunidade. -respondi estendendo-lhe a mão enquanto uma nova música se iniciava.

Ele nos levou até o centro onde os outros pares já se encontravam, e iniciamos os passos ritmados de uma baladinha que a banda tocava.

-É, acho que somos só nós dois agora. -ele disse entre um refrão e outro.

-Verdade. -eu ri.  -Mas não há com o que nos preocupamos. Somos jovens, saudáveis e extremamente charmosos, faz parte da nossa abençoada genética. -gracejei.

-Você tem razão, ainda temos muito tempo pela frente. -ele respondeu de maneira pensativa.

Cerrei minhas pálpebras em sua direção, certamente havia algo que estava incomodando meu irmão.

-Vamos Kai, diga. O que está te deixando assim. -inclinei a cabeça para seu lado.

Em uma parte da música, Kaile fez um passo em que girava meu corpo em trezentos e sessenta graus, completando uma volta e retornava aos passos anteriores.

-Seja sincera comigo, Isa. Às vezes, você não sente falta de ter alguém, sabe? Para dividir os melhores momentos da vida, assim como o Miguel tem a Bella e a Fe também? -Kai indagou.

Ponderei por alguns segundos antes de responde-lo.

-Sim, eu também sinto, Kai. Mas sei, que mais cedo ou mais tarde, uma hora a gente vai encontrar nossa cara metade. Pode acreditar, eu sei que esse dia também vai chegar para nós. -eu disse com uma confiança que não era minha.

Entretanto o que me guiava a proferir aquelas palavras a meu irmão, era a certeza de que coisas boas acontecem para todos, uma hora ou outra elas acontecem, não é mesmo? Acho que sim.

Algumas pessoas gostam de me rotular como positivista ou uma romântica incurável. Já eu, gosto de acreditar que nem tudo no mundo é ruim e nocivo, que às vezes, o mundo pode ser um lugar melhor.

Se isso me faz soar como uma garota ridícula e utópica, eu não ligo. Prefiro ser vista assim, do que como uma pessoa cética que não acredita na vida.

Ao término da música nos separamos e deixamos a pista logo em seguida.

-Vá tirar Sofia para dançar, Itan acabou de sair da pista com ela. E você adora atazanar a pobre garota, não é como se você não fosse se divertir. -o cutuquei com o dedo indicador nas costelas.

-Tá bom, senhorita-sabe-tudo. Vou fazer esse enorme sacrifício. -debochou e foi em direção a Sofia.

No mesmo instante, Itan veio a passos largos e decididos em minha direção. Ele mantinha o contato visual durante todo o trajeto e um sorriso sedutor estampado nos belos lábios fartos.

Sorri em resposta quando ele parou a minha frente.

-Boa noite, elegantíssima dama. Me concederia a honra de ser o meu par na próxima dança? -sua voz rouca se pronunciou em bom tom.

-Ora, mas será um prazer. -respondi no mesmo nível.

Então ele segurou em minha mão e nos guiou para perto dos outros casais que já iniciavam os movimentos da próxima dança.

-Você está mais linda do que o permitido, Isadora. É praticamente um crime, tamanha beleza circular por aí sem um guardião. Eu posso ser o seu se você quiser. -ele iniciou sua artilharia de flerte.  -Fui eleito o melhor segurança pessoal do estado, se quer saber. -piscou para mim.

-Nossa, mas que homem dotado de qualidades. Posso saber quem te nomeou ao cargo de bom moço? -indaguei entrando na brincadeira.

-Desculpe-me linda, mas não vai ser possível. Sigilo entre cliente e profissional.

Gargalhei de sua saída estratégica. Ele merecia pontos por ser além de um rostinho bonito.

Nessa hora os instrumentos finalizaram a canção e nós nos retiramos da pista.

-Foi ótimo dançar com você, Isadora. Espero que haja mais vezes como essa. -ele se inclinou em minha direção quando eu já me afastava dele.

Itan primeiro depositou um beijo um pouco mais demorado do que o comum em meu rosto, e em seguida beijou minha mão em um gesto antiquado, porém elegante ao mesmo tempo.

-Com certeza haverá. -respondi ainda mantendo o sorriso e caminhei para o lado oposto do salão.

***

Eu estava ficando exausta por ter ficado tanto tempo de pé dançando sobre o enorme salto em que estou, e minhas pernas protestavam por causa disso. Já estava cogitando a possibilidade de ir me sentar em uma das mesas espalhadas pelo local, quando fui abordada mais uma vez.

-Dança comigo? -a voz se pronunciou próxima de mais, logo atrás de mim.

-Eu já estava indo me sentar. -me virei para fita-lo.

-Por favor, só uma dança, é o que eu te peço. Não me negue isso. -Maurício insistiu.

-Tudo bem, vamos. -respondi e ele me seguiu de perto enquanto abríamos o caminho entre as pessoas.

Uma música suave começou a ser tocada quando nos colocamos em posição.

Demos alguns passos e Maurício fez questão de diminuir a distância entre nós, colando seu corpo ao meu.

-Não acha que está mais próximo do que o necessário? -indaguei com as sobrancelhas arqueadas.

-Não o suficiente. -respondeu encarando-me diretamente nos olhos.

Em nenhum momento ele não deixava de fitar meu rosto.

Seguiu-se alguns segundos de silêncio antes que Maurício o quebrasse novamente.

-O que conversava com Itan? -ele perguntou curioso e eu quase, eu disse quase, ri, de tamanha audácia.

-Desculpe-me, mas isso não é um assunto que seja da sua conta. -contra-argumentei.

-Eu sei que não é, Isa. Eu só... eu só não gostei de vê-lo perto de você. -disse.

-Rá, mas isso é no mínimo hilário, Maurício. Quem disse que eu me importo com a sua opinião? O que você gosta ou deixa de gostar, já não me diz respeito há muito tempo. Então é melhor guardar os seus pensamentos para alguém que queira ouvi-los. -respondi sem me alterar.

Eu já estava cansada dessa antiga história. Meus assuntos mal resolvidos com Maurício ficaram no lugar a que pertenciam, no passado.

-Não diga isso, Isa. Sabe que eu me importo muito com você, e só estou dizendo essas coisas porque conheço o tipo de cara que Itan é. Ele é meu amigo, mas também é um galinha sem compromisso. Não quero que se machuque com ele. -seus olhos cor de esmeralda perscrutavam meu rosto.

-Ainda bem que isso não é um problema de sua responsabilidade. Eu já sou uma mulher adulta Maurício, e sei me virar. Não preciso que um cara venha me dizer o eu devo ou não fazer. Eu sou madura, inteligente e linda, não há nada que eu não seja capaz de realizar. -afastei suas mãos de mim ao término da música.

Saí a passos apressados do salão e Maurício veio logo atrás. Porque ele não me deixava em paz? -pensei sem entender.

Maurício segurou meu cotovelo fazendo-me parar de caminhar.

-Você esmaga meu coração cada vez que diz algo assim. Eu jamais subestimei a mulher incrível que você é, Isa. Então não coloque palavras em minha boca que eu não disse. -Maurício disse com o semblante entristecido e chateado.

Olhei de maneira tão séria para sua mão que ainda estava em meu cotovelo, que ele se encolheu retirando a mesma do lugar em que estava.

-Maurício, escute com atenção. Pare de se preocupar, pare de me perseguir. O que aconteceu é passado, eu sou uma pessoa livre e desimpedida, então, vê se me deixa em paz. -me virei para ir embora mas me lembrei de algo e me virei de volta para ele.  -Ah, e só mais uma coisa, é Isadora, não Isa, para você.

E fui embora com um enorme sorriso no rosto, satisfeita por não ter sucumbido aos verdes olhos charmosos pelos quais um dia fui apaixonada. Eu não era mais uma garotinha e não iria me rebaixar nunca mais por causa de um homem.

Vesti meu casaco no hall do prédio pois a noite estava fria, e saí. O som dos meus saltos era o único som a se ouvir na rua que estava se tornando cada vez mais deserta.

Em um certo ponto, não havia uma alma sequer transitando pelo local, e não achando seguro prosseguir sozinha, puxei o celular da bolsa para chamar um táxi. Porque eu não havia feito isso antes? -pensei comigo mesma.

 Foi então que um carro popular prata, cruzou a esquina há poucos metros de distância em tamanha velocidade que não conseguiu completar a curva, indo parar de encontro com muro de uma casa.

Um homem, que agora estava muito machucado, com cortes profundos na testa e sua roupa bem suja de sangue, abriu a porta amassada do carro e se arrastou com dificuldade para fora do veículo. Eu estava tão paralisada com tal cena, que não conseguia mover um músculo sequer do corpo.

Depois de alguns segundos de letargia, saí do estado de transe ao ver a cara de dor que o pobre homem sentia ao se locomover por alguns metros no asfalto. Eu estava um pouco longe, mas nada me impedia de ajuda-lo enquanto o socorro não vinha.

Disquei o número polícia e fui caminhando em sua direção. O telefone chamou por alguns instantes mas nada de alguém atender. Tentei novamente enquanto me aproximava do local do incidente.

Foi quando um outro automóvel de cor escura, entrou na rua parando em frente ao carro que acabara de colidir contra o muro.

Então, uma jovem mulher, com um moderno corte chanel em seus fios alvos como a neve, desceu do carro com suas botas de cano longo e saltos agulha, vestindo um sobretudo negro, caminhou de encontro ao rapaz que se desesperou ao vê-la.

Um pouco atordoada, me encostei na parede fria de uma padaria fechada e fiquei das sombras observando o que viria a seguir. Meus dedos trabalhavam frenéticos na tela do celular, tentando fazer contato com alguém que pudesse resolver essa situação que estava para lá estranha.

Prestando mais atenção, vi que a mulher possuía traços orientais, devido a marcante presença de seus castanhos olhos puxados. Ela também tinha, uma extensa tatuagem com dizeres que eu não sabia identificar o idioma, em sua coxa direita, que iniciava um pouco acima da barra do sobretudo e se alastrava para dentro do cano da bota.

Para o meu espanto, ela puxou de dentro de seu sobretudo uma arma de fogo cumprida e negra feita a noite. A luz da lua refletia-se no cano da arma no momento em que ela direcionou-a na mira do cara ferido.

-Nǐ zài wǒmen zhōngjiān yòng xuè zhīfù de pàntú. (Com sangue pagará, o traidor entre nós.) -ela disse algo em sua língua antes de atirar na cabeça do homem, que no instante seguinte estava caído no asfalto sem vida.

Sufoquei um grito na garganta colocando as mãos na boca. Assustada com o que meus olhos acabara de ver, dei alguns passos para trás, o que foi o pior erro da minha vida.

Quando meu pé dirigiu o segundo passo para  trás, esbarrei em algo que fez um barulho consideravelmente alto para uma rua deserta. Acho que foi uma lata de tinta ou seja lá o que for, só sei que isso chamou a atenção da mulher, que no mesmo segundo se virou na direção da qual vinha a fonte do ruido.

Me escondi atrás de uma das várias caçambas alaranjadas de lixo que haviam por ali, e fiquei espreitando por entre as frestas o movimento do outro lado.

A mulher disse algo que eu não consegui ouvir e de dentro do carro saíram dois homens vestidos de pretos da cabeça aos pés, e com gorros que lhe cobriam a maior parte dos rostos. Eles acenaram com a cabeça e vieram na direção em que eu me escondia.

Entrei em desespero sem saber o que fazer, correr não ia adiantar e me entregar é que eu não ia. Certamente eles iram me matar.

Mas eu não queria morrer, Deus sabe que não. Fiz uma prece silenciosa e mais rápida do universo, e quando abri meus olhos uma ideia surgiu em minha cabeça.

Resolvi entrar na caçamba de lixo atrás de mim. Aproveitei que a tampa estava aberta, fiz impulso com o corpo, subi na beirada e me joguei para dentro.

Não sei o que havia no lado de dentro, mas, algo afiado rasgou minha pele na parte interna do braço, um pouco acima do pulso até a altura do cotovelo. Aquilo ardeu como o inferno. Mordi os lábios entre os dentes para segurar o grito de dor que percorreu meu braço.

Ouvi o som de passos se aproximando, e estremeci de medo da cabeça aos pés. Escutei a tampa de algumas caçambas baterem contra a parede, eles estavam procurando dentro das lixeiras, eu ia ser descoberta! -pensei em pânico.

Capítulo 2

Isadora

Eu estava tremendo. Minha respiração era dificultada pelo medo e o odor pútrido que predominava o local. Minhas mãos apertavam a barra do meu casaco com tamanha força que os nós dos meus dedos estavam embranquecidos como de um cadáver de muitos dias.

Minha cabeça parecia estar sendo esmagada por um trator enquanto eu concentrava em manter-me em silêncio e escutar o barulho do lado de fora.

-Gāisǐ, jǐngchá dōu láile! (Maldição, a polícia está vindo!) -a mulher gritou algo em sua língua.

Os passos que cada vez mais estavam próximos silenciaram-se por alguns segundos e eu prendi a respiração com angústia.

-Lái ba, huǒjìmen, nàme wǒmen huì fāxiàn rùqīn zhě hé xiāochú. (Vamos embora, rapazes, depois descobriremos o intruso e o eliminaremos.)

Não entendi droga nenhuma do que ela dissera, mas senti um pequeno alivio ao notar que agora os sons estavam distanciando-se rapidamente de mim. Suspirei ao enxugar uma lágrima que escapuliu do olho, sentindo meu peito subir e descer em um ritmo acelerado.

Já não se ouvia mais nenhum ruído na rua deserta, entretanto não tive coragem ou forças para me mover ou sair do meio de todo aquele lixo mal cheiroso.

  Pouco tempo depois, não sei ao certo se foram minutos, segundos ou horas, devido ao meu estado de torpor, o som de sirenes atingiu meus tímpanos em cheio como uma bomba, alto, confuso e assustador.

Algo diferente estava acontecendo do lado de fora....

Muitas vozes falavam ao mesmo tempo, roncos de motores de carros e principalmente o barulho de vários rádios de comunicação preenchiam a rua que outrora estava silenciosa e vazia.

Me remexi entre os sacos de lixos, restos de alimentos e alguns objetos pontiagudos, estendendo os braços para em seguida alçar a tampa da caçamba que se abriu com o impulso, resultando em um baque contra a parede.

Botas negras e lustrosas como a noite foram a primeira coisa que vi surgir a minha frente, seguido pelo complemento de  um homem uniformizado com farda de policial. Ele segurava a arma em punho na minha direção com o dedo no gatilho.

-Parada, é a polícia! Mãos na cabeça, agora! -ele gritou chamando atenção de outros policiais que se juntaram a ele em posição de alerta.

-Não se mova ou eu atiro. -ordenou ríspido.

Sem muita firmeza dos meus próprios membros, fiz o que ele mandava colocando as mãos na cabeça em sinal de rendição.

-Algemem ela. -disse aos outros dois oficiais que logo obedeceram.

-Não... v-vocês n-não e-entendem. -gaguejei sentindo as lágrimas encharcarem meu rosto.

-Você tem o direito de permanecer calada. Tudo o que disser poderá e será usado contra você. -um deles leu os meus direitos enquanto me guiava até uma das várias viaturas que estavam no local.

Havia muitas pessoas, na verdade policiais ali, e até um rabecão estava estacionado próximo ao meio fio de prontidão.

Uma mulher, também uniformizada, encerrou a conversa pelo rádio da polícia e virou-se em nossa direção quando nos aproximamos.

-O que é isso? -perguntou se referindo a mim.

Ela aparentava estar na casa dos cinquenta anos de idade, mas seus cabelos escuros presos em um rabo de cavalo firme não deixavam a mostra um fio grisalho sequer.

-Encontramos a garota na esquina com a padaria. Estava dentro de uma caçamba de lixo. -respondeu o primeiro homem que havia me encontrado.

-O que estava fazendo na caçamba, garota? Com o vestido que está usando duvido que seja uma sem-teto. -ela disse com a mão sobre a arma que carregava na cintura.

-E-eu.... -minha voz tremulou e eu engoli a saliva sentindo um nó na garganta. -e-estava v-voltando de um c-casa...m-mento e-e....  -não consegui continuar a explicação pois as palavras se embaralhavam em minha mente e eu não tinha capacidade de formar uma frase coerente.

-Coloquem ela na viatura. Na delegacia a gente dá uma prensa nela. -prosseguiu sem se importar com meu estado de pânico.

-Inspetora a suspeita tem ferimentos, devo encaminha-la ao hospital primeiro? -o policial perguntou.

-É grave? -ela quis saber.

-Não, apenas alguns cortes e arranhões.

-Então leve-a direto para a D.P. -deu a ordem.

-Sim, senhora. -ele concordou prontamente.

 *

[Algumas horas depois em uma sala de interrogatório]

-Vamos. Quero saber o que uma moça como você estava fazendo em um beco àquela hora da noite, próximo a cena de um crime. Porque eu não consigo entender, como alguém que acaba de sair de um casamento não pega um táxi e vai para casa depois de uma longa noite, ao invés de ir caminhando com saltos altos desse tamanho. Isso não acaba com seus pés? Pois com os meus são sempre assim... -a tal investigadora interrogava-me algum tempo após minha chegada a esse lugar.

-E-eu já disse.

-Isso não faz sentido. Acha mesmo que vou acreditar em uma única palavra sua? Não sou idiota, garota, e é melhor você começar a falar. -ela deu um soco na mesa e eu pulei assustada na cadeira.

Mordi os lábios prendendo o início de um novo choro, o que pareceu a irritar ainda mais.

-Vou perguntar só mais uma vez. Qual é o seu nome?

Pisquei os olhos por alguns segundos tentando conter as lágrimas que se acumulavam na linha d'água dos meus olhos.

-RESPONDA! -ela rugiu nervosa.

-É I-Isadora. -respondi no mesmo momento em que alguém entrou na sala fechando a porta atrás de si.

Ao ouvir minha voz, a mesma pessoa virou-se de imediato e seus olhos castanhos fitaram-me espantados.

-Isadora? -perguntou certificando-se de que eu era pessoa que achava que era.

-Sim, sou eu.

-Desculpe, delegado. Estava apenas conversando com a garota. A suspeita foi achada próxima ao local do crime, onde Laminsk morreu essa madrugada. -a investigadora disse.

-Você está horrível, filha. O que houve com você? -perguntou preocupado ignorando totalmente o que a outra acabara de lhe dizer.

Ele ainda estava de roupa social, provavelmente deve ter saído direto do casamento para a delegacia. Ele era sempre assim, quando se tratava de casos de grande importância no trabalho.

Alexandre Ferraz olhava-me com compaixão no olhar, e aquilo me deu ainda mais vontade de chorar.

-E-eu... estava voltando da festa, senhor Alexandre. Eu... eu resolvi ir a pé para casa, não queria atrapalhar ninguém, todo mundo estava curtindo, eu estava cansada e só... -funguei. -só queria chegar em casa. Mas então tudo a-aconteceu rápido demais e eu fiquei... fiquei com tanto medo de morrer. -fechei os olhos com as lembranças.

-Tire as algemas dela agora, inspetora! -ele ordenou e ela obedeceu relutante. -Saia, eu quero falar a sós com ela.

Sem emitir um único protesto, a mulher se encaminhou para a porta e instantes depois havia sumido das nossas vistas.

Capítulo 3

Maurício

Droga.

Porque eu sempre tenho que fazer merda na vida? Porque?

Essa noite foi de longe o que eu esperava que fosse. Sei que deveria estar contente com a felicidade da minha melhor amiga, mas um gosto amargo invade meu paladar toda vez que relembro as palavras que ouvi vindas daquela boca.

Confesso que mereço cada segundo de dor e sofrimento, cada palavra que me atingira como golpe, o tratamento frio como as calotas polares, eu merecia tudo isso.... mas nem por isso deixou de doer.

Contudo não devo continuar me lamentando, eu provoquei essa situação em que vivemos, então só me resta aceitar.

Jogo o terno do smoking sobre a cama e me sento retirando os sapatos.

Você perdeu o direito de se importar a muito tempo, Ferraz. -ela dissera uma vez.

E o pior foi constatar a verdade que foi escancarada em minha cara quando ela terminou aquela conversa, a última que tivemos, com a sentença que destruiu-me por completo.

Você partiu meu coração no dia em que me abri para você, no dia em que eu mais precisei. Mas não tem problema não. -ela enxugou com violência uma lágrima que escorria.  -Não precisa se preocupar com a garotinha aqui. Sabe por que? Ela não existe mais, e o mais importante, também deixou de te amar nesse exato momento.

Fecho os olhos e me deixo cair sobre o colchão da cama king size. Eu não gostava de me lembrar dessas coisas, fazia tanto tempo.... mais precisamente há dois anos atrás.

Termino de me despir e me jogo debaixo dos lençóis. Não demora muito e logo o sono vem. Em algum momento entre um sonho ou pesadelo, tenho a sensação de ouvir um celular tocando. E cada vez o som ia ficando mais alto até que salto da cama e me deparo com uma luz vindo do travesseiro ao meu lado.

Meu celular.

Franzi o cenho enquanto meus olhos machucados pela luminosidade tentavam focar na parte escrita. Deslizei o dedo pela tela do aparelho atendendo a ligação.

-Alô? Quem tá falando? -perguntei ainda grogue.

A pessoa respondeu e eu imediatamente fiquei alerta.

-Pai? Por que está me ligando a essa hora? São... -conferi no relógio. - três e dezessete da manhã.  -resmunguei.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos o que acabou por me deixar mais nervoso.

-O que há, pai? O está acontecendo? É alguma coisa com a mamãe? Vamos, diga de uma vez. -exigi ansioso.

Só que eu não estava pronto para ouvir o que veio a seguir. Ele me conhecia o suficiente para isso, e talvez tenha sido por esse fato que demorou a começar a falar.

Eu sentia meus próprios batimentos cardíacos ecoando até meus ouvidos, enquanto corria pelo quarto em busca de minhas roupas.

Vesti a primeira coisa que encontrei pela frente, jeans, uma camisa simples e jaqueta de couro.

Peguei as chaves do carro sobre o aparador e saí trancando o apartamento.

Provavelmente devo ter quebrado muitas leis de trânsito e no futuro receberia as consequências dos meus atos em formas de multas. Mas eu não me importava com nada disso agora, eu só queria chegar a maldita delegacia de polícia.

Mal havia estacionado e já estava saltando para fora do carro deixando o veículo em uma posição estranha no estacionamento dos funcionários.

Dane-se, todos ali conheciam o filho do delegado .

Ao passar pelas portas de correr de vidro na entrada, ignorei a policial que estava na recepção e segui direto pelo corredor leste abarrotado de policiais excessivamente agitados e falantes.

Estava tão atordoado tentando me lembrar onde ficava as salas de interrogatório que não percebi alguém chamar meu nome pela segunda vez.

-Maurício. -na terceira chamada é que me dei conta.

-Estou com pressa Ted. Outra hora... -continuei a caminhar.

Ele seguiu-me insistente.

-...onde é que fica essa merda mesmo? -murmurei mais para mim do que para alguém em específico.

-Seu pai me mandou. -ele disse.  -Venha comigo, ele o aguarda lá embaixo.

Ah, sim. Como eu pude me esquecer? As salas de interrogatório ficavam no sub-um.

O temível andar que me era proibido quando criança ao passar um tempo no trabalho do meu pai.

Descemos de escada sem esperar pelo elevador que estava ocupado, e Ted me deixou depois de indicar a sala.

Entrei sem bater e dei de cara com ele, que mantinha o olhar fixo na parede de vidro que separava os espaços onde normalmente ocorriam os interrogatórios aos suspeitos.

Dei alguns passos apressados e olhei para o mesmo ponto em que ele olhava por sabe-se lá quanto tempo.

Então eu a vi. Ela estava encolhida do outro lado do vidro, seus braços estavam sujos e com alguns arranhões. O vestido que usara na festa e tanto havia ressaltado sua beleza, agora estava imundo e rasgado.

Avancei em direção a porta mas fui parado pela mão do meu pai que se espalmou em meu peito detendo-me.

-O que é? -indaguei transtornado.

-Tenha cuidado com ela, filho. Sei que gosta muito dessa moça, mas ela parece... eu não sei. -suspirou.  -Vá com calma, tá bom? Ela mal consegue falar.

Assenti com a cabeça e entrei sendo seguido por ele de longe.

Aproximei de Isadora e seus olhos azuis e expressivos agora vermelhos e opacos, arregalaram-se ao me observar. Me abaixei para ficar na altura de seus olhos e capturei suas mãos prendendo-as entre as minhas.

-Ei, princesa. O que houve? -disse baixinho.

Uma lágrima solitária escorreu por sua face e antes que caísse eu a enxuguei.

-Fala comigo, Isi. Eu estou bem aqui, por você, com você. -passei a mão por seu rosto macio ao que seus olhos se fecharam por alguns segundos antes de abri-los novamente.

-O que faz aqui? E-eu... a gente brigou lá na festa. -disse com a voz quase inaudível e desviou o olhar para a mesa a sua frente.

Virei o rosto em direção ao meu pai que entendendo a deixa saiu logo em seguida.

-Ei. -chamei segurando seu queixo fazendo-a olhar para mim.

-Não há nada nesse mundo que eu não faça por você, pequena. E não importa se estamos brigados ou até mesmo se eu estiver morto, eu ressuscito nem que seja só para livrar essa bunda bonita de uma encrenca. -ela deu um sorriso fraco que não chegou aos olhos.

Quando Isadora levantou o braço esquerdo para retirar minha mão de seu rosto notei um grande corte  na parte interior do mesmo.

-Merda, Isi. -resmunguei levantando-me.

Ela me olhou sem entender e eu apontei para o machucado.

Fui até a porta e confrontei com indignação o delegado.

-Por que raios ela não foi levada ao hospital se está machucada? Ela pode pegar alguma infecção com esse corte aberto. -gritei raivoso.

-Maurício.... -ele começou mas eu estava muito irritado para ouvir qualquer coisa.

-QUE TIPO DE TRATAMENTO É ESSE? NÃO PODEM FAZER ISSO NEM COM UM... -trinquei o maxilar e coloquei a mão em punho sobre a boca para não dizer toda a merda que estava entalada em minha garganta.

Ouvi Isadora chamando meu nome e voltei para perto dela mais uma vez.

-Está doendo, querida? Deixe -me olhar isso. -pedi brandamente.

-Eu é que não quis, Maurício. -ela disse enquanto eu examinava o ferimento.

-Não quis o que, Isadora. -perguntei sem prestar muita atenção ao que dizia.

-Que me levassem ao hospital. -levantei os olhos para seu rosto incrédulo.

-Você está louca, garota? Por que faria isso? -questionei ao solta-la.

-É meio óbvio, Maurício. Se eu desse entrada lá, qualquer um me reconheceria e iria... ligar para alguém da minha família.

-E é exatamente isso que você deveria ter feito. Por que não ligou nem para mim? -perguntei ofendido.  -Foi preciso o meu pai  avisar... -suspirei cansado.

-Você não entende? -exclamou com a voz embargada pelo choro que ameaçava recomeçar.

-Hoje... ontem, foi o dia mais... minha irmã acaba de se casar e você acha que eu seria capaz de destruir o momento mais importante da vida dela com os meus problemas? Eu prefiro morrer de uma infecção qualquer, do que arruinar a felicidade dela.

Jesus Cristo me ajude a não fazer nenhuma besteira. -pensei comigo mesmo.

-Então o que você pretende fazer? -eu disse de uma maneira que deve ter soado mais ríspida do que pretendia, pois Isadora encolheu-se minimamente ao som da minha voz.

-Chame Nicolas, ele vai dar um jeito nisso. Ligue para ele, por favor. -pediu.

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