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Subordinados -Os Bertottis #2

Capítulo 1 e 2

Sargento vulgo Vicente Salazar

  "Sim ou não. Dentro ou fora. Acima ou abaixo. Vive ou morre. Herói ou covarde. Lutar ou render-se. Direi novamente para estar seguro de que você me escuta. A vida humana é feita de opções. Viver ou morrer. Essa é a opção importante. E nem sempre depende de nós." - Grey's Anatomy.

Eu não tenho ideia porque a gente fica adiando as coisas, mas se tivesse que chutar, diria que tem muito a ver com o medo. Medo do fracasso. Medo da dor. Medo da rejeição.

Às vezes, o medo é de apenas tomar uma decisão, porque e se você estiver errado? E se você fizer um erro que não dá pra desfazer? Seja lá do que a gente tem medo, uma coisa é sempre verdade: com o tempo, a dor de não ter tomado uma atitude fica pior do que o medo de agir. Acaba parecendo que a gente está carregando um tumor gigante.

Você sempre ouve de amigos, parentes, conhecidos e até mesmo de desconhecidos a incrível história de como se decidiram na vida. Como escolheram a profissão que exerceriam no futuro ainda quando eram apenas crianças. Mas não é verdade, não é assim que a vida funciona, você precisa passar por uma situação que te pressione tanto, a ponto que defina suas escolhas, seus caminhos, quem você realmente é.

Todos nós já ouvimos os provérbios, os filósofos, os nossos avós nos falando para não perdermos tempo... Ainda assim, às vezes resolvemos pagar para ver. Temos que cometer nossos próprios erros. Temos que aprender nossas próprias lições. Temos que varrer as possibilidades do hoje pra baixo do tapete do amanhã até não podermos mais. Saber é melhor que o ponderar, despertar é melhor que o sonhar. E mesmo a maior falha, mesmo o pior erro possível, é melhor do que nunca tentar nada.

É dando o primeiro passo, que se decide o restante da caminhada...

 

CAPÍTULO 2-

Vicente

Era só mais um dia de aula comum. Eu e Alice, minha irmã gêmea, estudávamos no mesmo colégio e na mesma classe. Sempre fomos muito unidos desde pequenos, onde eu estava Alice estava também, e isso jamais havia mudado com o passar do tempo. Muito pelo contrário, quando fomos matriculados no colégio fiz questão que meus pais nos colocassem na mesma sala.

Como Alice era mais alta do que eu e que muitos de nossos colegas de classe, ela me defendia de tudo e de todos, sempre foi assim. Mas a medida que nossas idades foram avançando eu fui ficando mais alto e ultrapassei a estatura de minha querida irmãzinha e agora, eu é quem a defendia.

Alice era tudo para mim assim como eu era para ela, mas aos nossos seis anos de idade, nasceram os gêmeos Itan e Sofia. Sim, nossa família fora agraciada com dois pares de gêmeos em ambas as gestações. Alice se apaixonou por eles no mesmo instante, suponho que ela achava que eles eram assim como suas bonecas, seus novos brinquedos e isso me causou ciúmes.

Sei que apesar de tudo Alice ainda me amava assim como eu também a amava, e foi por causa disso, que após algum tempo, aceitei o fato de que agora eu tinha que dividir Alice com mais dois irmãos.

Quando os gêmeos fizeram dois anos de idade, Alice e eu estávamos com oito, e frequentávamos o terceiro ano escolar. Era terça-feira, só mais um dia de aula comum. Fizemos tudo que uma criança da nossa idade faz, correr, pular, falar, gritar, escrever, falar, pintar e falar. Éramos as crianças mais falantes da turma, e os mais incríveis também.

Ao final da tarde o sinal do colégio soou e todas as crianças pularam de suas cadeiras, jogaram seus materiais em suas mochilas e correram para fora da sala de aula enquanto a professora nos lembrava de fazer a lição de casa.

Alice saiu na frente e fui logo atrás, mas na confusão que havia de tantas pessoas correndo de um lado para o outro no pátio acabei perdendo minha irmã de vista, fiquei desesperado e comecei a procurar por todos os lados. Fui até a escada que levava a segundo andar do colégio, como ali era um ponto mais alto pude ter uma vista melhor e comecei a inspecionar a multidão em busca de uma cabeleira castanha escura presa por um laço vermelho.

E há alguns metros de onde eu estava avistei sua mochila das princesas e logo depois um rabo de cavalo preso por sua inseparável fita se destacarem entre os inúmeros corpos ali presentes. Alice estava abaixada no meio daquela confusão, será que ela havia caído? Será que estava machucada? Disparei na direção em que a tinha visto e segundos depois eu a havia alcançado.

Puxei seu braço para levanta-la e vi que ela estava bem, e que havia uma outra garotinha menor no chão, ela tinha cabelos tão loiros que parecia a luz do sol ao meio dia e seus olhos de um azul intenso estavam vermelhos, ela estava chorando e devia ter no máximo uns cinco anos de idade de tão pequena que era. A garotinha estava machucada, seu joelho estava sangrando muito, deve ter caído no meio dessa correria.

-Vivi, me ajuda! -Alice gritou. -Eu não consigo levantar ela.

Ela tentou pegar a garotinha novamente mas não conseguiu, Alice era bem magrinha e não tinha muita força. Ainda bem que sempre fui o mais forte da família, eu pensei.

-Deixa que eu faço, Ali. -ela se afastou. -Vamos colocar ela naquele banco ali. -eu apontei om a cabeça e ela assentiu.

Passei meus braços por baixo dos da garotinha e a levantei do chão. Coloquei-a em meu colo, ela era um pouco pesada para mim, mas mesmo assim segui com ela até o banco que havia visto anteriormente. Coloquei-a sentada e ela não parava de chorar, Alice apareceu ao meu lado com enorme pedaço de papel higiênico dobrado em várias partes e estava molhado. Ela passou delicadamente no joelho da garota e limpou todo o sangue que havia no local.

-Segura isso aqui, tá? -ela disse para a garota que fez o que ela havia mandado segurando o papel contra o joelho.

-Qual é o seu nome menininha? -minha irmã perguntou.

-É-é é nan-nanda. -a garota disse timidamente enquanto fungava.

-Nanda, que nome bonito! Meu nome é Alice, mas você pode me chamar de Ali, e esse aqui é  Vicente meu irmão, mas pode chamar ele de Vivi, igual eu. -ela sorriu para a outra que nos olhava com olhos curiosos.

-Então nanda, você é de que turma? Vou chamar sua professora pra te ajudar, você sabe o nome dela?

Ela fez que não com a cabeça.

-Ali, fica aqui com ela que eu vou chamar alguém pra ajudar. Me espera aqui, tá?

-Tá. -ela respondeu e se sentou ao lado da garota e continuou a falar.

Fui até a diretoria e encontrei a professora Rosana que dava história na nossa turma. Corri até ela que sorriu para mim.

-Que foi, querido? Posso te ajudar? -Rosana passou a mão em minha cabeça bagunçando meu cabelo.

-Tia, minha irmã e eu ajudamos uma menininha lá no pátio, ela caiu e machucou o joelho e estava chorando.

-E aonde ela está agora?

-No banquinho perto da escada.

-Tudo bem, vamos ver isso.

Seguimos até o banco novamente e vi que elas não estavam mais sozinhas, havia uma mulher alta e loira conversando com elas, não dava para ver seu rosto pois estava de costas para mim e para a professora, mas ao nos aproximarmos pude ver o seu rosto e percebi que ela era muito bonita.

-Oh, Giovana. -disse tia Rosana.

Ela se virou em nossa direção.

-Aquele é o meu irmão que eu falei. -disse Alice.

-Eu sinto muito que isso tenha acontecido, só fiquei sabendo agora do ocorrido.

-Tudo bem, Rosa. A fê é uma menininha forte, não é meu amor? -ela pegou a garotinha nos braços e ela logo aninhou sua cabecinha no pescoço da mulher.

-Quero agradecer esses dois meninos espertos que ajudaram minha garotinha.  -ela deu um beijo no rosto de Ali e outro em meu rosto.

Senti meu rosto esquentar de vergonha pelo beijo que havia ganhado de uma mulher tão bonita.

-Vocês foram muito corajosos, obrigada!

-Não foi nada de mais. -eu desviei os olhos constrangido.

-Foi sim, talvez quando vocês crescerem se tornem ótimos médicos.

-Eu gostei disso!  -Alice gritou animada.  -Eu quero ser médica e usar aquelas luvas de plástico com aquele chapeuzinho engraçado. Você sabia que meu pai também é médico?

-Ah, é?

-É sim. E usa aquela roupa branca com luvas e tudo!

-Isso é maravilhoso.

-Eu sei, vou pedir meu pai para levar a gente para dar uma volta no hospital essa semana. Você vai vivi?

-É, talvez.

-Talvez não, você vai comigo! Você é meu irmão gêmeo e tem que ir se eu for.

-Tá legal, Ali. Não precisa gritar e nem fazer um escândalo.

-AEEEE. -ela gritou.

-Bom, tenho que ir. Tchau meninos, e boa sorte lá no hospital.

-Tchau. -respondemos ao mesmo tempo.

Depois disso, vi minha mãe entrando no colégio e cumprimentar o porteiro, ele respondeu alguma coisa e ela veio em nossa direção.

-Meninos!

-Mamãe! -Alice correu até ela.

-Mãe! -também fui até ela.

-Helena, como vai? -perguntou Rosana a minha mãe.

-Muito bem, e você Rosana? Os meninos tem se comportado?

-Eu vou bem também. Alice e Vicente são ótimos alunos, embora conversem muito durante o horário de aula, mas são apenas crianças, aí eu dou um desconto. -ela piscou nós.

-Bom, vou ter uma conversinha com os dois mais tarde. -ela fez cara de brava.

-Ah, não! -eu e Ali falamos ao mesmo tempo.

Essa era um coisa que sempre fazíamos quando estávamos encrencados. Mamãe tentou segurar uma risadinha, mas falhou e aí percebemos que ela estava apenas brincado.

Saímos do pátio e seguimos para o estacionamento do colégio onde ela havia estacionado o carro. Entramos no veículo e nossa mãe nos fez colocar o cinto de segurança, e logo após deu partida colocando o veículo em movimento.

Mamãe ligou o som e uma música começou a tocar baixinho pelos alto-falantes do carro.

-Mãe, mãe, sabe o que eu e vivi fizemos hoje?

-Não, querida. O que vocês fizeram?

-Nós ajudamos uma pessoa, na verdade uma garotinha. Ela tinha caído e se machucado. Tava saindo muiiiito sangue, sabe? Aí eu e vivi, colocamos ela sentada no banco, mãe, e eu limpei o machucado dela, tirei todo o sangue e ela ficou boa e parou de chorar.

-É mesmo, querida?

-É mãe. Aí a mãe dela apareceu depois, e falou que a gente salvou a vida dela! Não é o máximo, mãe? E também falou que quando a gente crescesse, a gente ia virar médico.

-Nossa, que legal, filha.

-Na verdade ela disse que a gente ajudou a filha dela, e que talvez, quando a gente crescesse poderíamos ser bons médicos.

-Deixa de ser chato, vivi. Quando eu crescer eu vou ser médica, como o papai.

-Isso é bom, seu pai ficará feliz ao saber disso, princesa.

-Você só sabe brincar de boneca, Ali. Seus pacientes vão ser suas barbies? -provoquei-a.

-Você é um idiota! -Alice gritou furiosa e eu ri.

-Idiota é você, bebezão! -retruquei.

-Vicente! -minha mãe mandou um olhar zangando em minha direção através do espelho do retrovisor.

Ela parou o carro no cruzamento quando o sinal fechou no vermelho.

-Vocês dois parem já com isso! Sabem que eu não gosto desse tipo de palavra na boca. Peçam desculpas, agora!

-Desculpa, mãe. -dissemos em uníssimo.

-Agora digam um para o outro.

-Desculpa, vivi.

-Desculpa, Ali.

Deu partida quando o sinal abriu ficando verde. Ela se concentrou na estrada novamente enquanto emendava a bronca.

-Bons meninos. Espero que isso não se repita de...

Um carro que vinha na pista oposta avançou em nossa direção e acertou a lateral do carro onde estava o motorista e na parte de atrás Alice. Mamãe tentou desviar, mas foi tudo muito rápido, e quando percebemos o impacto já havia acontecido.

Nosso carro foi arrastado por alguns metros e parou entre um poste e o carro que havia nos batido.

Minha visão ficou escura por alguns instantes, mas aos poucos minha mente foi voltando a consciência e captando os sons, cheiros e a dor a minha volta. Abri meus olhos desesperado e a primeira coisa que vi foi a figura imóvel de minha mãe pressionada pelo airbag.

-Mãe!  -gritei.  -Mamãe!  -a chamei novamente, mas não ouve resposta.

Tentei sair do lugar para ver como ela estava e percebi que estava preso pelo cinto de segurança. Quando fui destravar o cinto vi uma pequena mão toda suja de sangue perto da trava. Olhei para cima em pânico, e foi pior do que eu havia imaginado.

A porta esquerda do carro estava toda deformada e parte do metal estava para dentro do veículo prendendo parcialmente o corpo de minha irmãzinha.

-Alii! - gritei sacudindo seu bracinho fino.  -Ali, responde por favor! Eu juro que não vou mais implicar com você, só a-abri o olho. Fala comigo, Ali.

Ouvi o som de sirenes se aproximando do local e vozes abafadas falando coisas desconexas que eu não conseguia compreender. Meus olhos estavam ardendo assim com minha garganta, e de repente senti algo pingar na minha roupa. Olhei para cima e a única coisa que vi foi o teto amassado. Senti outra gota e toquei minha bochecha, estava molhada, eu estava chorando e nem havia percebido.

Havia muita fumaça dentro e fora do carro o que provocava uma tosse incômoda e meus pulmões se esforçavam muito toda vez que eu gritava por Alice ou por mamãe. Depois disso, tudo foi um borrão. Do momento em que os bombeiros retiraram as ferragens e até o momento em que fui posto em uma ambulância, as imagens se misturavam e eu acabei apagando em algum momento do trajeto.

Quando acordei estava em um quarto de hospital onde eu sabia, que papai trabalhava. Olhei desesperado para todos os lado em busca de alguém e encontrei meu pai sentado de mau em um sofá que havia próximo a cama hospitalar.

-Pai. -chamei-o.

Ele despertou e piscou algumas vezes até focalizar meu rosto.

-Oh, meu filho! -ele se levantou e veio me envolver em um abraço apertado, retribuí na mesma intensidade, eu estava muito confuso.

-Como você está se sentindo? Sente dor em algum lugar?

-Eu tô bem, pai. Minha cabeça só tá doendo um pouquinho.

-Tudo bem, filho. Isso passa. Vou pedir para uma enfermeira trazer algo para você daqui à pouco. -ele passou seus dedos entre os fios do meu cabelo.

-Pai, o que aconteceu? Cadê a mamãe e a Ali?

Ele me encarou sério por um momento e eu senti o medo atravessar meu copo. Será que elas se machucaram muito? Suavizando o semblante, papai não conseguiu esconder o brilho das lágrimas em seus olhos.

-Vicente, aconteceu uma coisa. Eu vou te dizer, mas primeiro você precisa ficar calmo, ok? Sua mãe está bem, ela apenas... machucou o braço, mas isso vai melhor com o tempo.

-E a Ali? Ela também se machucou?

-Filho, a Ali... se machucou, muito.

-Então você vai consertar ela? Você faz isso com as outras pessoas, também pode fazer com ela.

-Filho, a Ali nã-não pode ser... c-consertada.

-Porque? O que ela tem?

-Filho, a Ali morreu. Ela está morta e está descansando agora.

-NÃO! Não pode! Você tem que consertar ela, pai! -eu gritei.

-Filho, e-eu preciso que você se acalme.

-PAI! Não... ela não pode... ela não... pai... -eu comecei a chorar e soluçar ao mesmo tempo.

-Talvez s-se e-eu ti-tivesse fe-feito alg...

-Não filho, não havia nada que você pudesse fazer. Nem você, nem eu ou os médicos poderia ter salvado Ali.

E nós dois choramos abraçados ali, naquele quarto de hospital, por vários e vários minutos.

Capítulo 3

INTERNATO (5 anos atrás)

Primeiro dia

Fernanda

Hospital da Graça, esse é o lugar. -penso ao adentrar a recepção observando cada detalhe do lugar com certa admiração e fascínio.

O coração batendo disparado no peito, ali estava o meu futuro e realidade!

-Cada um de vocês presente aqui, está cheio de expectativa. Até pouco tempo atrás, estavam na faculdade aprendendo sobre medicina. Hoje vocês exercerão a medicina de verdade.

Um homem alto, cabelos escuros feito a noite, com frios e calculistas olhos azuis, dentro de um jaleco branco nos apresentava o que seria nossa vida daqui para frente.

-Os anos que passarão aqui serão os melhores ou os piores de suas vidas, cada um será testado até o seu limite.

Ele nos olhou com um sorriso um tanto sádico enquanto continuava o percurso conosco em seu encalço.

-Olhem a sua volta e diga oi para o seu concorrente. Alguns de vocês vão trocar para outra especialidade mais fácil. Outros vão desistir por não aguentar a pressão... Esse é o ponto de partida, se irão se sair bem ou não é o que vamos descobrir.

***

-Tudo bem, Felipe, Lucas, Diego, Alex. -um cara de jaleco chamou os nomes e saiu logo em seguida.

-Só homens foram chamado para essa turma? -perguntei a uma menina ao meu lado, ela tinha olhos ligeiramente puxados e um corte chanel ousado.

-É, as mulheres não são muitas esse ano. -ela resmungou. -Só falta ter que aturar um bando de macho se achando para cima de mim. -ela rolou os olhos.

-Você é a Cristina, não é?

-...andem logo, não tenho o dia todo. -alguém disse irritado.

-Com que residente te colocaram? Fiquei com Luíza Mafra. -ela disse.

-A satã? Eu também. -respondi.

-Pegou a satã? Eu também. Pelo menos seremos torturados juntos. Sou Jonathan Borges, com t e h no final. Nos conhecemos na primeira visita ao hospital, eu fui o cara que derramou refrigerante nas próprias calças, bom, tecnicamente foi um acidente quero dizer. -um rapaz que estava a alguns metros de nós interrompeu.

A garota que se chamava Cristina olhou para mim como se perguntasse de onde saiu aquele cara. A olhei sem saber o que dizer.

-Bom, agora vocês acham que eu sou desastrado... e que vou acabar fazendo alguma merda.

-Uhum. -Cristina murmurou e saiu para longe.

-É que... eu estava meio nervoso, sabe? -concordei prendendo o riso.

-Jonathan, Cristina, Fernanda, Isabel. -alguém chamou do corredor.

Chegamos todos no enfermeiro que havia nos chamado.

-Vocês da Luíza Mafra, final do corredor a sua esquerda. -ele disse e nos deu as costas.

-Como ela deve ser? -o tal Jonathan perguntou.

-Uma velha má, esquelética e que usa os óculos do inferno. -Cristina respondeu.

Chegamos até o local que nos foi indicado e uma mulher de estatura média, cabelos ruivos e ondulados examinava uma prancheta no balcão.

-Pensei que satã fosse uma velha enrugada. -a menina que havia se ajuntado por último falou.

-E eu que fosse feia. -Jonathan disse.

-Talvez seja apenas algum boato que algum de seus colegas sexistas ultrapassados tenha inventado sobre ela... porque talvez, ela seja melhor do que eles. Aí colocaram esse apelido para depreciar sua autoestima e confiança. -a garota continuou.

-Deixe-me adivinhar, você foi eleita a líder do grêmio na escola, isso subiu a sua cabeça e você achou que era a presidente da nação. -Cristina a provocou.

Isabel, que deveria ser seu nome, já que fora o único nome feminino além do meu e de Cristina a ser chamado para essa turma, cerrou os olhos para Cristina e foi até nossa residente.

-Bom dia, meu nome é Isabel Cor...

Luíza a olhou de modo tão cortante que a garotou parou no meio da frase.

-Tenho algumas regras, e é bom que vocês se lembrem delas.

-Primeira delas: Não quero saber a porcaria do seu nome. Eu não me importo, odeio cada um de vocês, nada que fizerem vai mudar isso.

Me assustei com o tom e a arrogância em sua voz.

-Protocolos de trauma, lista, chamadas, as enfermeiras chamarão um de vocês. Irão responder cada chamada correndo, entendem? Co-rren-do. -ela falou com se fossemos retardados.

-Segunda: Seu primeiro plantão começa agora e dura quarenta e oito horas.

Pisquei para acompanhar as informações, enquanto a seguíamos pelos corredores do hospital.

-Lembrem-se de uma coisa, vocês são internos ou seja, o nível mais baixo da cadeia alimentar cirúrgica. Cumprem ordens até desmaiarem e não reclamam. Usem as salas de descanso para dormirem o quanto conseguirem ou quando for possível, o que nos leva a terceira regra: Se eu estiver dormindo, nunca, jamais, em tempo algum, me acordem. Se virem, já são crescidinhos o suficiente.

-Quarta, é bom que não matem ninguém enquanto estiverem trabalhando comigo. Não quero entrar para o ranking das péssimas estatísticas. -ela disse tão séria que não houve margem para que alguém a questionasse.

-E por último, não sejam lerdos em nenhum instante, aonde eu for vocês vão atrás feito cachorrinhos obedientes abanado o rabinho.

Ela disse ao sair correndo e todos nós fomos atrás.

-Saiam do caminho! -ela gritou para as pessoas.

Um grave paciente havia dado entrada na emergência do hospital, Luíza designou a cada um de nós para realizarmos vários tipos de exames, com isso, somente muitas hora depois é que tivemos alguns minutos para comermos qualquer coisa que nos mantivesse de pé.

-Esse turno é uma maratona, me sinto na corrida de São Silvestre só que sem os tênis de corrida. -disse Jonathan na mesa durante nossa breve refeição.

-Deixa de ser fresco, o pior ainda nem começou. -Cristina criticou mastigando seu sanduíche natural.

-Aquela... acho que ela me odeia. -Isabel comentou colocando uma colher de iogurte na boca.

-Ah, cala essa boca, para que tanto drama? Ela parece odiar todo mundo, mas você não vê ninguém reclamando.

-Olha só seu chiuaua de chanel, você fala dela mas é tão arrogante e prepotente quanto. -Isabel rebateu e todos na mesa prenderam a risada.

-Boa tarde, internos. -quase dei um pulo da cadeira ao ouvir uma voz grave e forte falar atrás de mim.

Lentamente virei o pescoço para olha-lo assim com todos faziam no momento. Era o mesmo cara que nos havia apresentado o programa de internato. Ele estava com um sorriso estranho no rosto, mas quando viu eu me virar para ele seus olhos se estreitaram e seu sorriso vacilou por um instante.

-Está no quadro, mas eu resolvi dar a boa notícia pessoalmente. Como se sabe, a honra de auxiliar e ser o braço direito por um dia do chefe da cirurgia, aprender tudo em primeira mão e realizar procedimentos mais avançados os quais seus colegas não terão a mesma oportunidade, é reservado para o interno mais promissor.

Todos nós o fitamos mais atentamente, não que eu quisesse fazer isso, até porque eu me sentia um pouco insegura para isso, mas mesmo assim é um caso a se pensar, uma coisa que contaria na hora de preencher o currículo.

-Como o chefe da cirurgia ainda não chegou, sou eu quem escolherá. Ele olhou para todos nós e depois simplesmente declarou: Fernanda Bertotti.

-Eu? -olhei para ele sem entender.

-Sim, acho que você escutou da primeira vez, não é?

-Sim, senhor. -respondi engasgando.

-Ótimo. -ele se retirou sumindo do nosso campo de visão.

***

-Ei, moço! -cutuquei o cara que estava de costas para mim e lia algo no balcão.

-Meu nome é Rafael, mas para você pode ser só meu amor. -ele se virou e sorriu sedutor.

-Legal, mas eu queria saber onde encontro o doutor...? Ah, eu nem sei o nome dele. Mas eu procuro o chefe da cirurgia.

-Doutor Thomas, ele é neurocirurgião. Deve estar no quarto andar vendo algum paciente.

-Obrigada. -agradeci apressada.

-Tente se informar mais se quiser sobreviver nesse hospital, gata.

-Ata... -resmunguei o deixando para trás.

Peguei o elevador e subi até o quarto andar, procurei em todos os quartos mas não o encontrei em lugar algum, e nenhuma daquelas enfermeiras fofoqueiras souberam me informar onde encontra-lo.

Resolvi descer e pedir por alguma informação com algum outro médico, eu tinha que correr para não me atrasar e foi por isso que quando as portas do elevador mal se abriram e entrei com tudo, apertei o andar do térreo e fiquei batendo o pé nervosa até o último fio de cabelo.

-Você poderia fazer a gentileza de parar com isso? Está me deixando irritado. -congelei no mesmo instante em que ouvi aquela voz, implorei mentalmente para que fosse outra pessoa, mas quando me virei tive para certificar-me, tive certeza de que hoje não era o meu dia de sorte.

-Doutor Vicente.

-Esse é o meu nome. Senhorita Fernanda, gostaria de saber se não fui claro o suficiente hoje mais cedo?

Pisquei para conter o nervosismo e não consegui formular uma resposta coerente, eu estava em pânico!

-S-sim, mas é que eu...

-Não quero saber de desculpas. Está atrasada.

-Mas o doutor...

-O doutor Thomas não poderá comparecer essa tarde e nem a noite.

-Ah. Então isso quer dizer que eu... estou liberada?

-O que? Claro que não, garota! Você está comigo agora. Tome esse prontuário, leia, decore, para ontem! -ordenou ríspido.

Comecei a ler enquanto pensava que o estava seguindo, até que o ouvi me chamar.

-Anda logo, garota. -ele disse já no final do corredor e eu corri para alcança-lo.

  E eu pensando que não poderia ficar pior... ledo engano, era apenas o primeiro dia!

Capítulo 4

INTERNATO

Segundo dia

Fernanda

Vá, volte, ande, se mecha, suma da minha frente! Essas são as frases que mais ouço ultimamente. Me sinto esgotada tanto fisicamente como psicologicamente, eu não estava preparada para isso, na verdade acho que ninguém está, a faculdade não nos prepara para isso, não nos prepara para a vida real.

Os músculos de todo o meu corpo protestam em sinal de cansaço quando recebo mais uma ordem do Sargento.

-Vá para a emergência, faça algo de útil por lá. -ele diz e eu aceno em concordância.

Aperto o botão do elevador, espero alguns segundos e aperto novamente, ...nada do bendito chegar. O jeito é descer os cinco andares até chegar ao andar de atendimento da emergência ou ficar esperando o elevador e tomar a maior bronca da galáxia por estar demorando, então resolvo ir de escada.

Chego ofegante ao primeiro andar e tento pensar coerentemente por onde começar.

-Doutora, tem uma garota no leito cinco vomitando e queixando-se de dores abdominais. -uma enfermeira me entrega o prontuário para a paciente.

Vou até o leito cinco e puxo a cortina de privacidade e a fecho atrás de mim. Sobre a cama hospitalar está uma mulher alta, corpo esguio e curvilíneo, cabelos escuros até a cintura e olhos azuis como duas pedras de safira.

A mulher aparentava ser bem nova e muito bonita, mas o estado deplorável em que se encontrava no momento não favorecia muito sua aparência, nem mesmo as caríssimas roupas e os sapatos de salto que agora jaziam no chão, amenizavam a palidez e o suor que grudava alguns fios de cabelo em seu rosto.

-Um minu.... -ela disse com a boca dentro do balde em que vomitava.

Ela terminou me entregando o balde e se recostou nos travesseiros atrás de si. Coloquei o recipiente mal cheiroso no chão e a fitei.

-Moça, pode me dizer o seu nome? -perguntei.

-Uhum, ainda bem que eu não conheço você... -ela disse tentando me reconhecer no meio de suas memória nubladas pelo álcool. -Só não conta... p-pro meu... -ela tentava se lembrar do restante da frase.

Ótimo, a garota estava claramente pra lá de bêbada.

-Tudo bem. Mas eu quero saber o seu nome primeiro.

-Sofia. -ela resmungou rindo de algo com os olhos fechados. -Meu nome é Sofia. -ela repetiu.

-Certo Sofia, o que você está sentindo?

-Uma droga de dor no coração...

-Que tipo de dor? -perguntei enquanto anotava tudo.

-Uma assim... beeem grande. -sua voz estava enrolada.  -Do tipo que te faz querer morrer. Aquele cachorro diz que me ama, mas no fundo só consegue me deixar triste... e chateada. -seus olhos marejaram.

Fiquei com um pouco de dó da garota, mas começava a ficar irritada com ela, porque caramba, eu estava trabalhando!

-Sofia, que tipo de dor física você está sentindo? No seu corpo, onde dói?

-Ah. Meu estômago, tá doendo horrores.

-Ok. Vou tirar seu sangue, fazer alguns exames e medica-la, está bem? -perguntei ao colocar as luvas e verificar seu abdômen.

Não parecia haver nada de errado, constatei, ela provavelmente só estava com a cara cheia além da conta.

Abaixei a camisa dela de volta para o lugar antes de retirar as luvas. Só que antes mesmo que eu pudesse me afastar do leito, a garota veio em minha direção, colocou a cabeça para o lado de fora da cama e... vomitou.

A filha de uma mãe sujou além da minha calça de uniforme, meus tênis também viraram parte do conjunto pegajoso e fedorento.

Fechei meus olhos, não cometi o erro de respirar fundo, o fedor a minha volta era o suficiente. Lentamente abri minhas pálpebras, tentando manter a calma.

-Eu sinto muito. -ela disse com os olhos arregalados.

-Não se preocupe, eu já volto em alguns instantes. -me virei para sair dali o mais rápido antes que eu a esganasse.

-Manda isso pro laboratório, por favor. -pedi para um enfermeiro que passava no momento.

Ele fez uma careta para minha roupa mas mesmo assim pegou o conteúdo para os exames laboratoriais.

Segui até o elevador com intenção de ir buscar roupas novas em minha mochila, mas para isso eu teria que ir até a sala destinadas para nós internos, que ficava no segundo andar, tudo isso tendo que encarar os olhares feios das pessoas em minha direção por causa do mau cheiro.

Quando o elevador abriu as portas no meu andar, praticamente voei para fora, andei apressadamente querendo me livrar daquela sujeira, mas ao dobrar o primeiro corredor dei de cara com a última pessoa que desejava ver na vida.

-Mas o que... que droga é essa, garota? -perguntou doutor Vicente.

-Um paciente vomitou em mim...

-Eu não quero saber, some logo da minha frente e troca essa roupa. -disse ríspido e saiu andado.

Grosso, estúpido!

Corri até a salinha e como não havia ninguém por lá, só fechei a porta e troquei meu uniforme por outro e descartei o mesmo em um saco plástico.

Já com roupas limpas e novas voltei para a emergência, atendi outros pacientes e fui até o laboratório pegar os resultados.

-Ah, você está aqui de novo. Foi mal pela roupa. -Sofia disse sonolenta.

-Tudo bem, já passou. Vou colocar você no soro, daqui a pouco deve se sentir melhor. -disse prendendo o elástico em seu braço e limpando o local com um algodão embebido em álcool.

-Duvido muito. -ela bufou.

Depois de achar sua veia enfiei a agulha na mesma.

-Prontinho. Agora é esperar entrar na corrente sanguínea e fazer efeito. -verifiquei o fio conectado ao balão do soro.

E tão rápido com foi da primeira vez, a filha da mãe vomitou mais uma vez em mim, só que dessa vez ela conseguiu sujar até a camisa do meu uniforme!

-Mas o que... -eu estava tão irritada que me limitei a virar as costas e sair dali antes que eu pudesse fazer algo do qual eu me arrependesse.

Saí pisando duro até o elevador, apertei o número do segundo andar e aguardei as portas se fecharem.

-É, parece que o dia não está sendo muito bom para alguém. -comentou alguém atrás de mim.

Virei-me e fitei um cara encostado no fundo do elevador, era o mesmo do dia anterior. Tornei a olhar para frente com o semblante fechado.

-Sou Rafael, conversamos ontem. -ele lembrou.

-Eu sei. -retruquei rude.

-Não, você nem mesmo se lembrou do meu nome. -ele debochou.

-Tanto faz. -disse quando as portas se abriram e saí em disparada.

Caminhei a largos passos para tirar aquele uniforme imundo antes que um ser indesejável me flagrasse mais uma vez nesse estado.

Entrei com tanta pressa na sala, que outrora estava vazia, que quase acertei alguém que estava atrás da porta. Mas porque merda tinha alguém atrás da porta? Uma enorme mão a segurou por um momento e logo em seguida se abriu revelando quem estava ali.

Grande Merda.

Seu olhar duro quase atravessava minha pele.

-Por que raios você ainda não tirou essa maldita roupa?

-E-eu... -gaguejei tentando encontrar palavras para explicar, mas estava nervosa de mais para formular uma frase decente.

-Você é surda ou idiota? -ele gritou.

-Eu...

-Some daqui, garota!

-Mas... -tentei protestar.

-Cara, deixa de ser troglodita. -ouvi uma segunda voz dizendo do lado de dentro.

-Não se meta, Itan. -Vicente ralhou.

-Ah, cala a boca. -o outro disse abrindo o restante da porta e eu pude ver o dono daquela voz. -E aí, lindinha? Vai entrar ou não? -ele perguntou brincalhão.

-É claro. -respondi sem graça.

Entrei no local sob o olhar reprovador do doutor Vicente, e uma avaliada da cabeça aos pés pelo outro cara.

Ele era um homem particularmente charmoso e muito bonito. Tinha expressivos olhos azuis que seguiam todos os meus atos e movimentos.

-A coisa não parece muito boa para o seu lado. -o cara comentou casualmente.

Sentir meu rosto esquentar instantaneamente.

Segui até meu armário, encontrei minha mochila e procurei, pedindo internamente para que houvesse um par extra de uniforme.

Eu sabia que os dois ainda estavam ali, praticamente podia sentir seus olhos queimando em minhas costas.

-Itan, é melhor você ir resolver esse assunto. -ouvi doutor Vicente dizer para o outro. -E você, doutora Fernanda, o que ainda está fazendo aqui? Por que não se move e tira esse.... essa coisa fedorenta, hein? -ele disse rude.

Minhas mãos até tremeram de raiva, ele não tinha o direito de brigar e me humilhar publicamente! Por que ele sempre tinha que ser esse ser idiota que gostar de maltratar os internos na frente dos outros? É como se quisesse provar para todos que ele era superior.

Bem, ele realmente era meu superior, mas isso de uma forma hierárquica, e não de uma forma tão literal. Eu era uma pessoa igualzinha a ele, será que ele não conseguia enxergar isso? Será que ele não podia demonstrar um pouco de compreensão?

Não, não. Ele era muito babaca para ter empatia por qualquer pessoa.

-Olha só... -me virei furiosa para ele.

Eu estava cansada de ser seu saco de pancada.

-Eu estava fazendo justamente o que senhor mandou.

-É mesmo? Então por que eu ainda estou te vendo nesses trapos? -disse escorrendo escarnio em cada palavra.  -A quanto tempo eu já havia ordenado para que se trocasse, e a doutora ainda continua com os mesmos "trajes"?

Com um estalo liberei a ira que transbordava dentro de mim.

-A.DOUTORA... -eu disse pausadamente enquanto retirava meus tênis e os lançava em um canto qualquer.

-...NÃO.CONTINUA...  -retirei minha calça e a joguei contra parede.

Vi os olhos dos dois marmanjos se arregalarem.

-... COM.O.MESMO.TRAPO. -finalizei tirando a camisa de uniforme deixando-a cair aos meus pés.

Voltei até meu armário, apenas de lingerie, para pegar novas roupas para me vestir. Depois de alguns segundo ouvi um assovio, que certamente, não vinha do doutor Vicente e sim do outro cara bonitão.

-É, pelo visto acho que escolhi a profissão errada. Queria eu ser médico agora, e trabalhar nesse hospital.

Rolei os olhos por tamanha infantilidade.

-Itan, cai fora daqui. Falo com você mais tarde.

-Não mesmo, cara. Vou apreciar o show até que a estrela diga que acabou. -ele riu.

-Eu vou contar mentalmente até três, no dois eu vou arrebentar a sua cara até que você perca a consciência. -Vicente disse tão duro que até eu estremeci coma a ameaça.

-Tá, tá, eu já tô indo.

-Vê se pega sua irmã e vai direto para casa dessa vez.

-Nossa irmã você quer dizer.

-Some. -Vicente rosnou.

Ouvi o som da porta se abrir e novamente fechar atrás de mim. Pesquei uma camisa amassada no fundo da mochila e uma calça que ficava um pouco larga de mais em mim, mas era o que eu tinha no momento.

Passei a camisa pela cabeça e ajeitei desleixadamente meu cabelo que se desprendeu no processo. O doutor-de-merda não tirava os olhos de cima de mim.

-Que foi? -perguntei ao notar sua expressão dura.

Ele pigarreou e finalmente voltou a falar, quer dizer, brigar.

-O que você acha que está fazendo doutora? Não pode ser insubordinada ao seu superior! Posso fazer da sua vida um inferno, se isso for necessário. Existem regras nesse hospital e elas devem ser cumpridas. Então quando seu superior te da uma ordem, você não questiona, não grita, e muito menos desobedece. Você se acha melhor do que algum de seus colegas internos? E por isso acha que pode fazer e dizer  o que bem entende? Pois eu te digo que não!

-Olha aqui, senhor. -fui até onde ele estava, parei a pouquíssimos centímetros de distância de seu rosto, e cutuquei seu peito com a mão que ainda segurava a calça. -Com todo respeito, mas eu não fui insubordinada. Por diversas vezes tentei explicar a situação mas o senhor não me ouviu. Eu não estava com o uniforme sujo de hoje mais cedo, eu já havia me trocado, mas uma há uma bêbada lá na emergência que fez o favor de vomitar em mim DE NOVO. E eu corri para tirar isso a tempo, mas o senhor estava aqui e... e... -comecei a gaguejar de nervosismo. -... o senhor c-começou a brigar e-e g-gritar...

Eu já estava mais afastada dele nesse momento sentindo o peso e o cansaço de um dia inteiro sem dormir e nem descansar por um só minuto.

Com a visão meio embaçada vi doutor Vicente olhar ligeiramente assustado para mim e piscar algumas vezes seus grandes olhos azul safira.

-Er... desculpa, Fernanda. -era a primeira vez que ele me chamava pelo primeiro nome sem o sarcástico doutora antecedendo. -Fui um pouco duro com você hoje.

-Um pouco? -eu disse meio que rindo meio que chorando.

-Tá, talvez eu tenha sido bastante duro com você hoje. Mas não foi por mal, juro que não. Eu trato a todos assim, não pense que é uma coisa pessoal com você, mas isso também faz parte da sua formação. É assim que se formam grandes profissionais. -ele agora segurava em meus ombros e olhava diretamente em meus olhos.

Sequei o vestígio de lágrimas que ainda restava em meu rosto com o dorso da mão.

-Você... está melhor agora? -perguntou parecendo verdadeiramente preocupado.

-Acho que sim. -balancei a cabeça.

Ele deu um sorriso meio tenso. Suas palavras não consertavam o estrago, mas pelo menos amenizavam o efeito.

-O senhor não vai me marcar pelo resto da vida, não é? Tipo me perseguir e me espezinhar por causa do que aconteceu na frente daquele outro médico. Eu não quis de maneira nenhuma desrespeita-lo, só que... é...

-Relaxa, garota. Vou fingir que o episódio de hoje nunca aconteceu. -disse condescendente.

-Mas o que o outro médico vai pensar?

-Isso não importa, ele nem médico é, esqueceu que ele mesmo havia dito?

-Ah, sim...

-Se não se importa, tenho mais coisas a fazer. -ele cortou o clima ameno.

-Eu também. -sorri sem graça. -Doutor... -chamei quando ele estava se dirigindo a porta.

Ele parou e voltou o olhar para mim.

-Obrigada por me ouvir e compreender. -eu disse baixinho ao me aproximar dele.

-Tudo bem, doutora. Volte ao trabalho ao sair daqui. E ah, só mais uma coisa, faça isso com uma calça de preferência. Não queremos que um show particular  se torne um show público, apenas poucas pessoas tem direito a um passe vip. -ele piscou sedutoramente e saiu pela porta.

E eu? Eu fiquei pasma com tamanha ousadia e insinuação, porque essa era a primeira vez que ele dizia algo do gênero, já que ele era considerado o sargento-mandão-perfeitinho.

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