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Através Dos Tempos

Tempo de você

Anos antes em algum lugar de Londres...

Caminho pelo corredor, meus pensamentos me levam até anos atrás quando eu era jovem...

Tempos idos de momentos maravilhosos.

Ainda consigo recordar claramente dela saindo de seu quarto e correndo por estes mesmos corredores.

Me pego sorrindo. Balanço a cabeça para afastar tal lembrança e volto a caminhar em direção a porta por onde a iluminação invade o corredor.

Assim que alcanço meu destino posso ver duas crianças no tapete roto em frente à lareira com seus brinquedos espalhados. Me permito encostar no batente da porta e observá-los por algum tempo.

Quem percebe minha presença é a pequena menina de cabelos escuros e luminosos olhos verdes.

­­– Papai! Já viestes ler nossa história?

O menino me recebe com um sorriso e corre para recolher seus pertences. Juntos terminam rapidamente e já correm para suas camas e se jogam nelas.

Vou até a estante e pego um livro de capa vermelha já muito gasto, caminho até a poltrona que fica no vão das camas, me sento e olho para seus pequenos semblantes iluminados pela curiosidade.

A leitura perdura por um tempo e quando ergo meus olhos, vejo os dois já derrubados em seus travesseiros de pena. Ergo meu corpo cansado e depois de beijar suas faces, guardo o livro e deixo um dos abajures aceso.

Caminho para fora do quarto e paro em frente à outra porta, entro neste aposento olhando tudo ao redor. Sobre a penteadeira ainda tem o vidro de perfume e as maquiagens que usava.

Ainda tem como sentir seu perfume no ar.

Tudo está em seu lugar como se a qualquer momento ela fosse romper casa adentro e brigar por eu estar em seu quarto.

Vejo seus vestidos dispostos nas araras e estendo meus dedos para tocar o tecido num gesto de carinho.

Apesar de todas as mudanças que ocorreram, não permiti que nada fosse mexido, minha mãe gostava de sentar aqui e conversar com as paredes numa eterna saudade. Quando ela se foi, proibi qualquer um de entrar e apenas uma empregada realizava a limpeza.

Pela janela avisto o jardim cuidado com esmero e fico recordando do dia que escalei sua janela e vim visitar seu quarto sem meus pais saberem.

Como senti sua falta por todos esses anos. Meu maior arrependimento foi ceder à pressão de meus pais.

Minha vida foi recheada de "se". Vivo o que chamo de meia vida depois que ela se foi. Vi meus amigos me abandonarem, até que fui me desculpar por todas as besteiras que fiz.

Minha mãe se foi rodeada por uma dor absurda e meu pai não suportou vê-la sofrendo. Dois anos depois a seguiu em seu descanso.

Fiquei casado com uma mulher que não suportava, vivíamos como quase todos os casais da época: de aparência.

O que salvou minha vida foi o nascimento de meus filhos e o tempo que fiquei fora na guerra.

Meus pés me levam até a penteadeira, vejo a escova que ela usava ainda com alguns fios de cabelo grudados. Ainda posso recordar vividamente do seu longo cabelo castanho solto ao vento, adornado por laços e fitas.

Deixo-me levar no tempo e permito que uma lembrança doce invada meu coração. Ela sentada ao piano com minha mãe ao seu lado conseguindo tocar as primeiras notas de alguma canção, seu sorriso de felicidade ao executar sem erros o trecho.

Meu pai com seu cachimbo, sentado a mesa da biblioteca, recostado, de olhos fechados apreciando as notas que saiam de suas adoráveis mãos.

Minha mãe e seu sorriso jovial, apreciando a melodia e ajudando-a a terminar a primeira parte.

Recordo do seu grito de alegria ao correr ao meu encontro e se jogar em meus braços. Mesmo com o ar de reprovação de meus pais consegui deixar seu riso me contagiar e sentei próximo ao piano para que ela tocasse novamente.

Deixo aquele quarto para trás e caminho para a parte de baixo do grande casarão. Vou até a biblioteca e meus olhos percorrem as paredes até encontrar o retrato da bela mulher sentada na estufa da casa, de costas, os cabelos soltos, aparecendo apenas o delicado perfil.

Não preciso de uma imagem do seu rosto para recordar suas feições. Elas ficaram gravadas em minhas retinas.

Escuto um barulho e ao me virar me deparo com a minha amiga Alicia ajoelhada em frente ao grande espelho. Seu pranto silencioso é sofrido, mas não posso fazer nada.

Ela se foi como uma brisa que acariciou meu rosto durante o verão.

Vejo minha amiga ali a estender sua mão num pedido mudo, mas o espelho não reage de forma nenhuma. Todos na casa falam que Alicia perdeu a sanidade quando tudo aconteceu. A perda e desilusão fez com que ela não pudesse mais fazer nada além de esperar a volta de sua grande amiga.

Me aproximo e seus grandes olhos castanhos se voltam para meu rosto, perdidos e acusadores.

Ajudo-a se erguer e com paciência caminho em direção ao seu quarto. Ela se joga em sua cama e quando estou fechando a porta sua voz surge num murmúrio baixo:

– O que será de mim sem a minha amiga? O que acontecerá comigo se ela não voltar? Porque a mandastes embora?

No mesmo instante ela se encolhe virando de costas no leito me deixando ali sem saber o que lhe responder.

Ela se foi. Esta é a única verdade que me sustenta. Ela voltou para seu lugar e deixou para trás pessoas que a amavam verdadeiramente.

Deixo o quarto e quando estou fechando a porta escuto seu suspiro triste:

– Porque não voltastes para me buscar? Porque não viestes Melissa?

Capítulo 1

Desço correndo a escada de casa e apesar do atraso consigo pegar uma maçã na fruteira sobre o balcão da cozinha e sair em disparada pela porta da frente.

Meu tempo está cronometrado e chego ao ponto junto com o ônibus escolar. Entro de cabeça baixa e vou me sentar no último banco. Jogo minha mochila no chão e dou a primeira mordida já com meu livro nas mãos.

Apesar de ainda poder ouvir os murmúrios dos outros ocupantes do ônibus me obrigo a desligar. O percurso é rápido, mas são algumas paradas até chegarmos ao destino.

Espero todos descerem e me dirijo a porta por último. Penso assim até que escuto um ruído e quando olho para um dos bancos a direita vejo umas das meninas que me perseguem se agarrando com um garoto.

Eles se assustam e quando olham na minha direção posso ver que o rapaz é o namorado da Tracy. Acho que demonstro reconhecê-lo, pois logo Alice se coloca na minha frente e vejo seu olhar furioso em minha direção.

– Se contar alguma coisa que viu aqui para a Tracy juro que vai se arrepender.

Apenas aceno confirmando e corro para a escola. Não presto atenção em nada, mas assim que chego ao meu armário, já um pouco mais calma, posso escutar o burburinho.

Frases soltas que falam das roupas que uso, do meu cabelo, da minha falta de beleza. Os comentários não me abalam mais. Já me acostumei com esse tratamento.

Me isolo. Caminho de olhos baixos, fixos no chão. Eu tentei entender porque me tratam assim, mas agora? Quem se importa?

Não entendo porque implicar com minhas roupas, estou de uniforme. Não é igual para todos? Não uso maquiagem e não uso nada justo ou agarrado.

Só sinto meu coração disparar quando sua voz chega num tom de deboche:

– Ora ora e não é que o monstrinho veio para a escola com suas roupas nada sensuais? Não bastou o vexame de ontem ainda aparece assim na minha frente?

Risadas seguem suas palavras e ergo a cabeça por segundos, mas ao olhar em seus olhos abaixo a cabeça imediatamente.

Astro do time de basquete e garoto mais desejado e popular da escola. O uniforme lhe cai bem, melhor que em qualquer outro. Ele tem cabelos castanhos, pele clara e olhos esverdeados. Só que quando se fixam nos meus, vejo ódio. Como ele podia me odiar tanto? Tudo por causa do primeiro dia! Meu péssimo primeiro dia.

Entrei na escola de cabeça baixa, ninguém estava me dando atenção. Ótimo. Encontrei meu armário com facilidade, quando estava prestes a fechá-lo sinto que alguém se aproxima.

– É aluna nova? – sua voz é suave e levemente curiosa, sinto que ele me observa o que faz minha resposta sair mais baixa do que esperava.

– Desculpe não conseguir ouvir. – ele diz sorrindo.

Que sorriso! Olho em seus olhos para responder, mas volto a encarar o chão. Que olhos são aqueles? Lindos olhos esverdeados. Me perco neles.

– Sim. – digo timidamente.

Ele é muito lindo. Deve fazer sucesso com as meninas.

– Para que tanta timidez? – ele ri. – Vamos começar de novo. Prazer sou Ben Marshall.

Não criei coragem para olhá-lo novamente, então apenas aumento um pouco meu tom de voz.

– Prazer em conhecê-lo. Sou Melissa Contré.

– Nome bonito. Francês?

– Sim.

– Você é muito linda, já pensou que formaríamos um belo casal?

Gelei. Como assim um belo casal? Acabei de conhecê-lo e ele já quer ficar comigo? Tento responder de forma educada.

– Desculpe, mas eu não entendi o que quis dizer. – olho para os lados.

Todos estão nos observando, me sinto ainda mais nervosa.

Olho em seu rosto e vejo uma mudança enorme em seu semblante.

– Querida. – seu tom se tornou sarcástico. – Você acha que está em que século? Desculpe, mas aqui as coisas são diferentes, quando eu chego numa garota ela não me nega nada. Entendeu?

Choque deve ser a palavra certa. Ele não era um garoto fofo? As pessoas ao redor começam a sussurrar que ele levou um fora. Me chamam de esquisita.

Ele entende o que dizem e apóia sua mão direita no armário ao lado da minha cabeça e aproxima seu rosto do meu. Me encolho o máximo que consigo.

– Você deveria se dar por feliz. Por esta oportunidade. Já se olhou no espelho? Nem a minha avó se veste desta maneira! – seu tom é rude e no final ele ainda ri, um coro de risadas o segue.

As lágrimas já estão prontas, corro para o banheiro e ouço os comentários terríveis. Estranha? Monstrinho? Por que tanta maldade?

Eu só queria que esse dia passasse. Que tudo isso fosse só um pesadelo, mas não era. Era a minha realidade.

Enquanto pego meus livros respiro fundo várias vezes e pela milésima vez coloco uma mecha do meu cabelo no lugar. Pego tudo que preciso. Fecho o armário e vejo a ponta do seu tênis na minha frente. Não penso em nada e apenas desvio do seu caminho até chegar a minha sala de aula.

Caminho para meu isolamento no fundo. E depois de sentar, levanto a cabeça por poucos segundos observando os outros alunos entrarem. Quando ele entra na sala seus olhos grudam nos meus e me obrigo a desviar o olhar rapidamente.

Sinto meu rosto enrubescer e me obrigo a afundar o rosto no livro que tenho nas mãos. Percebo que alguém está falando comigo e ao erguer meu rosto dou de cara com a Srta. Elisa, nossa professora de português.

– Melissa, poderia fazer a gentileza de abrir o livro de história da literatura na página 124? Ou seu livro é muito mais importante?

– Me desculpe, eu realmente não vi a senhorita. – abro meu livro.

– Talvez ela queira ler para nós Srta. Elisa? – Ben fala com seu tom mais irônico – Esquisita. – fala meio tossindo e todos seus amigos mais próximos dão risadas.

Olho para a professora em pânico. Vejo seu rosto relaxar e me dar um sorriso, percebo que ela não chamou minha atenção por maldade.

– Então, Ben como o senhor deseja muito que ela leia que tal vir aqui com os senhores Joel, Mark e Johnny e começarem a ler?

De onde estou percebo que eles não gostaram muito da idéia e ficam resmungando, mas quando a professora os chama novamente obedecem e começam a ler.

Quando o Joel começa a ler a sala passa a ter piadas baixas e risadas. Ele tem dificuldade e, realmente, sinto pena dele. Como as pessoas podem ser tão maldosas? Mas me mantenho calada. Sei que quem se opõe paga por isso.

O sinal toca e Ben volta ao seu lugar com um olhar fuzilante na minha direção, sorte que o próximo professor entra imediatamente. Sou poupada de qualquer comentário.

No intervalo vou até o canto mais distante e continuo lendo enquanto mastigo uma barra de cereal. Estou tão entretida que quando escuto um barulho, olho para frente e vejo Ben agarrando uma menina a poucos metros de onde estou.

Sua mão está dentro de sua blusa. Acompanho seus movimentos e quando ele a coloca de costas para onde estou e a beija olhando na minha direção me sinto intrusa.

Levanto e sinto seu olhar me acompanhar. Pelo canto dos olhos vejo-o afastá-la e dar um leve tapa nas nádegas dela, que sai toda sorridente em direção à cantina.

Assim que guardo meus livros e vou em direção à saída vejo o carro que minha mãe usa parado no meio fio. Me jogo ao seu lado e vamos em direção ao centro.

Ela me leva por diversas lojas de antiguidades. Estamos andando já há algum tempo e sua voz apenas me fala: “apenas mais uma e já vamos embora”.

A sineta da porta toca assim que entramos e uma vendedora se dirige até onde estamos e minha mãe já vai até um móvel que está no fundo da loja. Observo minha mãe se afastar e apesar de amá-la fico com dó do meu pai ele sempre cede aos seus desejos.

Estou olhando uma bacia de ágata branca com um jarro do mesmo material quando vejo uma moldura que me chama a atenção. Ela é escura como ébano e brilha mesmo à distância.

Caminho desviando dos móveis e acabo ficando de frente para um espelho de corpo inteiro, sua superfície, à primeira vista, lembra um lago calmo e silencioso.

Fico olhando meu reflexo nele e lembro da forma como o Ben me olhou. Surgem, delicadamente, pequenas ondulações começam no canto inferior, próximo à moldura e vão até o centro se desfazendo. Sem pensar estico minha mão e toco a superfície do espelho. De repente, uma imagem se forma. Vejo poltronas listradas de vermelho e dourado aparecerem.

Ao fundo uma estante que vai do chão ao teto com livros, uma escada e sobre ela um rapaz belamente vestido, aparentando ter a minha idade. Fico observando-o tirar um livro e escorar o corpo na prateleira para lê-lo. Ele não olha para trás.

Dou uma risada baixa e penso que estou ficando realmente louca, puxo minha mão soltando um pequeno arfar de espanto. Ele se vira e olha ao seu redor.

A imagem se desfaz e fico pensando que isso não aconteceu. Olho para o espelho e nada aparenta estar diferente. Esfrego meus olhos e dou uma risada que sufoca um pequeno soluço.

Vejo meu reflexo e nada nele me chama a atenção. Sou baixa para uma garota de 16 anos, pele clara e cabelos castanhos escuros, longos, lisos na raiz e cacheados nas pontas.

Minha mãe sempre me fala que devia andar com eles sempre soltos, mas não me sinto bem. Me acostumei a usá-lo preso. Tenho olhos verdes e um rosto com maçãs do rosto bem desenhadas.

Quando termino de olhar minha imagem vejo a superfície tremular novamente. Estico minha mão para tocá-lo, e estou quase lá, quando escuto uma voz que me impede de continuar, me viro para olhar em um par de olhos iguais aos meus.

Minha mãe vem falando com a vendedora, mostrando o móvel que gostou e quando me procura com o olhar vejo que seu interesse foi despertado pelo espelho que eu admirava anteriormente.

– Mel que espelho lindo. Gostou? – me pergunta.

– Gostei mãe, ele é realmente muito bonito. – respondo.

Neste momento vejo os olhos assustados da vendedora e ela apenas caminha até onde estou e delicadamente me tira da frente do espelho.

– Desculpe senhora, mas este não está à venda, é uma peça muito antiga e de estima da proprietária da loja. – fala me empurrando o mais longe possível do espelho.

Sinto um vazio dentro do peito. Queria ver o rapaz mais uma vez. Recordo seus traços... Ele me lembra alguém, mas quem?

Minha mãe mesmo reclamando muito acaba cedendo à vendedora e compra a cômoda que ela viu quando entrou.

Não me aproximei mais do espelho. Fiquei ainda mais curiosa sobre ele. O que ele pode fazer?

Capítulo 2

Estou atrasada, meu despertador não tocou e perdi a hora por completo! Me arrumo em tempo recorde e vou para a escola ainda terminando de prender meu cabelo.

Chego com meia hora de atraso. Vou para a sala do diretor para explicar o motivo, mas como não costumo me atrasar, não recebo advertência, ele ainda me permite entrar na primeira aula.

Passo no meu armário correndo e entro na sala, todos me olham. Devia ter esperado.

Ouço uma voz estridente falando:

– Caramba! Só porque meu dia estava bom!

Outro garoto segue seu coro e acrescenta:

– Aff bolinha! Porque não volta para casa para a minha felicidade?

– Nossa – gelo com sua voz irônica. – Pensei que seria um dia maravilhoso. Pelo jeito me enganei. – sinto meus olhos arderem.

“Mel se controle. Não chore.” – penso.

– Posso saber o porquê desta algazarra? – a voz do Sr. Willians surge impaciente – Melissa vá para o seu lugar. E se eu ouvir mais algum comentário maldoso em direção a ela, vocês irão fazer uma visitinha à sala do diretor.

A sala fica em um silêncio. Ninguém quer desobedecer.

– Agora – ele continua. – Ben, Mark e Natasha. Respondam a estas questões que estão na lousa. Já que estão com tanta vontade de falar, falem algo que preste. Cinco minutos para responder, ou tiro um ponto de cada um.

Coitados! Por minha culpa serão castigados. Quando percebo seus olhos raivosos sobre mim, abaixo minha cabeça e sinto algumas lágrimas escorrerem, as limpo imediatamente.

As aulas estão passando na mesma lentidão e ouço caçoarem aqui, ali, mas não dou atenção, até que um papel cai em minha mesa. É dele!

 

Escuta aqui Melissa, se você continuar se fazendo de coitada e eu receber mais uma comida de rabo de algum professor, vai odiar ter me conhecido. Então fica na sua e se liga. A culpa não é nossa, você que é ridícula por natureza, apenas mostramos o óbvio.

Fica a dica, ou vai sofrer.

 

Ele deve ter razão. Devo merecer tudo que recebo, sou uma aberração no mundo, seria melhor se eu não existisse. Viro o bilhete e respondo.

 

Desculpe.

 

Ele se surpreende ao ver que respondi, mas logo muda sua expressão e começa a rir, seus amigos pegam o papel e acompanham sua risada. Me sinto no chão.

– Bom que sabe. – fala, mas se cala.

Estou tão triste que nem percebo que estou novamente na frente da loja de antiguidades.

Entro sorrateiramente. Como não avisto ninguém, caminho até o espelho e vejo meu reflexo nele. Não surge nada apenas meu reflexo e depois de alguns minutos fecho meus olhos e penso na imagem que vi naquele dia.

Abro os olhos e quando toco a superfície do espelho com meus dedos às ondulações acontecem. A sala aparece na minha frente. Um desejo de estar lá me invade e estou pensando na minha insanidade quando ouço um barulho no fundo da loja, passos apressados vindo na minha direção. Saio correndo da loja.

Em casa escuto meus pais conversando na sala, mas assim que entro se calam.

– Oi querida, vou pedir para servirem o almoço. Estávamos te aguardando.

– Desculpe a demora é que vim de ônibus. – respondo.

– Porque está vindo de ônibus, filha – pergunta meu pai – Se quiser peço para o motorista ir te buscar.

– Não! Não precisa. Gosto de vir assim pai. – meu pai apenas me olha e concorda com um aceno de cabeça.

Como falar para ele que tenho medo que descubra como são meus dias naquele lugar? Me arrependo, mas afasto a sensação e me obrigo a sorrir e levar minha bolsa para o quarto.

Mais um dia vem e logo após a escola me vejo novamente, na loja de antiguidades. Não sei por que, mas me sinto em paz aqui.

Olho pela vitrine e não tem ninguém na parte frente. Entro e corro, vou até o espelho.

Observo sua superfície por alguns segundos até que ele trêmula, toco sua superfície e a imagem aparece, vejo o mesmo garoto de antes, ele está sentado. Me lembra de alguém que conheço.

“Não pode ser!” – olho para aquele rapaz sentado e me obrigo a esfregar os olhos.

– Ben! – grito assustada.

Ele olha para mim com uma cara confusa, fecho meus olhos, não pode ser verdade, é apenas uma ilusão.

– Mocinha? – ouço uma voz feminina e grave atrás de mim, meu coração dá um pulo, abro meus olhos e encaro o reflexo de uma mulher alta, elegante e com uma expressão séria no rosto.

A imagem do garoto se foi. Deve ter sido nervosismo. Apenas fruto da minha imaginação. Convencida disto viro para mulher e a encaro.

– Perdoe-me o grito. Apenas me assustei. – digo com sinceridade e medo.

– O espelho lhe interessa? – ela me pergunta como se não tivesse ouvido minhas desculpas.

– Sei que não está à venda. Apenas o acho bonito. – falo e ela sorri.

– Ele é uma das peças mais inestimáveis de minha coleção. Quem sabe não possa passá-lo a você?

Meu coração dá um salto no peito e não acredito no que ela acabou de falar. Caminho até a porta e sinto que estou sendo observada, saio da loja com calma e quando ando alguns metros começo a correr.

Vou todo o percurso até minha casa pensando se posso pedir o espelho para meu pai e quando estou em frente à porta decido não fazer isso com ele. Se for uma peça inestimável deve custar muito caro.

Vou para meu quarto e fico pensando quais seriam os poderes dele. Será que ele mostra os desejos mais profundos? O que sentimos? Ou foi apenas uma peça pregada pelo meu coração?

Ainda estou na mesma posição quando ouço batidas na porta, a voz do meu pai me chega.

– Mel? Está acordada?

– Oi pai pode entrar. – falo

– Oi filha, você não foi me ver quando chegou, aconteceu alguma coisa? – ele pergunta – Está tudo bem na escola?

Seus olhos são observadores e me pego tentando pensar em uma desculpa. Ele já se sacrifica demais para nos dar o conforto que temos que não posso deixar que ele descubra o que acontece.

– Está sim, pai. Só fui até uma loja onde vi um espelho. Gostei muito, mas parece que ele não está à venda. – ele caminha até a cama e se senta próximo.

– Você gostou do espelho? – ele pergunta.

– Ele é lindo tem uma moldura em madeira escura, de corpo inteiro. O senhor sabe que não ligo para antiguidades, mas este me chamou a atenção. Só isso.

– Tem certeza que é só isso? Se você quiser me contar qualquer coisa saiba que estou aqui.

– Claro pai. Eu sei sim. – falo e sinto uma dor no coração por estar omitindo coisas dele.

Dou um sorriso e ele deposita um beijo na minha testa e se levanta.

– Vou pedir para trazerem um lanche para você.

Ele sai e fecha a porta com cuidado. Fico mexendo no computador até que a cozinheira chega com a bandeja e a deixa próxima a cama.

Estou sem fome. Fico pensando em tudo que aconteceu hoje e me entristeço por causar tanto problema para o Ben.

Como pude me apaixonar por ele? Só não posso permitir que ele descubra. Vou até a cama e me deito até pegar no sono, sonho com o menino do espelho:

Ele está sentado com um livro sobre os joelhos. Suas roupas são diferentes. Ele está de calça social preta, camisa imaculadamente branca e por cima um colete preto com uma corrente saindo do bolso.

Não pode ser ele! Tem um ar tão mais velho e ao mesmo tempo seu rosto parece tão inocente. Seu cabelo está repartido de lado e não há um fio fora de lugar. Seus olhos têm um brilho de surpresa como se ele estivesse me vendo também.

Caminha na minha direção e vejo o Ben ali. Não acredito que seja ele, quando ele estende sua mão, me encolho como se ele fosse me bater.

Sinto um medo do que pode sair de seus lábios e quando não sinto seu toque, tiro as mãos que protegem meu rosto e vejo-o me olhar com tristeza.

– Estás com medo de mim, senhorita? Jamais iria machucar tão bela dama. Venha deixe-me ajudá-la a erguer-se. – a voz é parecida com a do Ben, mas não é ele.

Me afasto, corro por um local escuro.

Acordo assustada na minha cama. Meu corpo está banhado em suor. Vou até o banheiro, lavo meu rosto e me obrigo a me acalmar.

Na manhã seguinte corro para pegar o ônibus da escola. Sento no fundo e ninguém nem se digna a me olhar. Estou a algumas quadras de casa quando o ônibus para e pega mais uma pessoa. Olho para frente e sinto meu coração acelerar no peito, sem pensar coloco a mão sobre ele.

Ele está sorrindo conversando com Natasha, mas quando seus olhos me localizam no fundo do ônibus, sua feição muda. Desvio olhar. Ele se senta e não perde a oportunidade.

– Como conseguem ficar neste ambiente fechado? Não sentem esse cheiro de podre que está aqui? – fala abrindo as janelas.

Alguns dão risadinhas e olham na minha direção, mas ninguém fala nada. Sinto meu rosto enrubescer.

Ao chegarmos à escola espero todos descerem, fico por último. Agradeço o motorista que me olha com pena.

Sigo até meu armário e pego meus livros, estou caminhando de cabeça baixa pelo corredor quando sinto alguém me empurrar e caio de joelhos. Meus livros se espalham todos e me levanto recolhendo meu material.

– Você é idiota garota? – fala uma voz masculina e quando olho para ver se é comigo vejo um rapaz forte e alto, cabelos castanhos escuros e olhos castanhos. Ele me olha e estende sua mão – Tudo bem com você? Se machucou?

Apenas faço que não, ele se abaixa pega meus livros e os coloca nos meus braços.

– Obrigado. – falo olhando em seu rosto e dou um pequeno sorriso.

– Não foi nada. Me chamo Austin, prazer. – seu sorriso é lindo, mas não me abalo com ele.

– Prazer, sou Melissa Contré. – respondo.

– Lindo nome, Melissa. Bem, nos vemos por aí. – saio pelo corredor e escuto uma pequena discussão, mas não dou atenção nenhuma.

Entro na sala de aula e vou para meu lugar, sem prestar atenção ao que falam durante minha passagem. Vejo Ben entrar vermelho de raiva, mas nem olho na sua direção e sou salva de qualquer comentário pela chegada da Srta. Elisa que já nos pede para abrir nossos livros.

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