Após correr durante dias pela floresta, meus pés já não tinham forças para continuar. O cansaço me consumia, cada parte do meu corpo clamava por descanso. Sangue seco cobria alguns cortes e arranhões espalhados pelos meus braços e pernas, e minha respiração era descompassada, quase sufocante. Quando avistei um estabelecimento à beira da estrada, senti uma mistura de alívio e temor. Eu precisava de ajuda. Mas seria seguro?
Com passos hesitantes, me aproximei da entrada. Foi então que uma voz cortou o silêncio, firme e alta, chamando meu nome. Meu coração disparou. Congelei no lugar e, lentamente, virei a cabeça, torcendo para que fosse apenas um engano. Mas não. Os dois homens de terno preto estavam ali, exatamente como eu temia. Eles me encontraram.
O desespero me dominou antes que eu pudesse raciocinar. Meus músculos, ignorando o cansaço, responderam à única opção que parecia viável: fugir. Sem pensar duas vezes, corri para dentro do estabelecimento, o coração martelando contra o peito, os olhos buscando uma saída, uma solução. No frenesi do momento, esbarrei violentamente em alguém. O impacto me jogou ao chão, me fazendo soltar um gemido abafado de dor.
Por um instante, o mundo pareceu desacelerar. Olhei para cima e encontrei um homem parado à minha frente. Ele sequer se moveu com a colisão. Seus olhos firmes, escuros e intensos, cravaram nos meus, e, de alguma maneira inexplicável, me senti segura. Não sabia dizer por que. Talvez fosse a postura rígida, o semblante impassível, ou o uniforme militar de cor marrom que vestia. Talvez fosse o simples fato de que, por um momento, ele não parecia uma ameaça.
Com um gesto firme, ele estendeu a mão para mim.
— Tudo bem, moça? Se machucou? — perguntou, sua voz carregando um tom de preocupação genuína.
Engoli em seco, sentindo um nó se formar na minha garganta. Eu queria dizer que estava bem, que tudo estava sob controle, mas não havia como disfarçar meu estado deplorável. Mesmo assim, forcei um sorriso e murmurei:
— Estou bem... Só um pouco distraída.
Ele me analisou com olhos perspicazes, claramente não acreditando muito em minha resposta. Mas, para meu alívio, não insistiu. Depois de me ajudar a levantar, ele me lançou um olhar sério.
— Não corra desse jeito por aí. Poderia ter se machucado de verdade.
Não podendo contar sobre o perigo real que me cercava, rapidamente inventei uma desculpa:
— Estou atrasada para um compromisso muito importante e acabei me perdendo. Sinto muito por esbarrar em você com tanta força.
Se ele acreditou ou não, eu não sabia. Mas, sem questionar, ele me conduziu até uma mesa próxima e pediu ao garçom um cardápio para mim. Protestei, dizendo que não precisava, mas ele insistiu, sua postura inabalável tornando impossível recusar. A verdade era que eu precisava de comida. Meu corpo estava fraco, e a fome se tornara insuportável.
Quando o cardápio chegou, meus olhos brilharam. As imagens dos pratos eram tentadoras, me deixando quase indecisa. Sentia-me como uma criança em uma loja de doces, querendo escolher tudo ao mesmo tempo. No fim, optei por um bife acompanhado de uma salada. Era a melhor escolha? Talvez não. Mas foi o que decidi.
O tempo de espera se arrastou, cada minuto parecia uma eternidade. Mas quando finalmente fui servida, senti um alívio indescritível. A primeira garfada reacendeu meu apetite ainda mais. O sabor era tão bom que, por um instante, esqueci tudo ao meu redor. Quase. Porque o homem militar ainda me observava, impassível. Sua presença era forte, e seu olhar, intenso demais para eu ignorar.
Sentindo a necessidade de aliviar a estranha tensão, pedi uma bebida. Escolhi um suco de caju com tangerina. Parecia uma combinação curiosa, mas, naquele momento, eu estava disposta a experimentar qualquer coisa que me oferecesse um mínimo de conforto.
Quando a bebida chegou, me deliciava com cada gole, cada pedaço do prato. Mas aquele breve momento de paz não duraria muito. O alívio durou pouco. Muito pouco.
Pois os homens de terno me encontraram novamente.
Meu sangue gelou. Minha mente entrou em alerta máximo.
O que eu faria agora?
Quando vi aqueles dois homens se aproximando, abaixei a cabeça, torcendo para que não me reconhecessem. Meu coração martelava dentro do peito, minhas mãos suavam, e meu corpo tremia levemente. Enquanto passavam ao meu lado, virei o rosto na direção oposta, tentando desaparecer dentro de mim mesma. O homem que estava comigo percebeu minha inquietação—dava para ver isso em seus olhos atentos—mas, por algum motivo, ele não disse nada. Apenas observava, analisando.
Um dos homens parou, hesitou por um breve momento e, então, colocou a mão sobre o meu ombro. Meu corpo enrijeceu. O toque, mesmo leve, pareceu um peso esmagador sobre mim. Mantive a cabeça baixa, como se isso fosse suficiente para me proteger, e foi ali, naquele exato instante, que uma lágrima solitária escorreu e caiu sobre o prato à minha frente. A dor, o medo, a exaustão—tudo se transformando em gotas silenciosas.
O militar, que até então permanecia em silêncio, se levantou abruptamente. Com um movimento firme, afastou a mão do homem, talvez com mais força do que pretendia. O impacto fez o sujeito cambalear para trás. Um clima de tensão tomou conta do ambiente. Os dois começaram a discutir, e a troca de palavras foi se tornando cada vez mais intensa.
Foi então que um dos homens disparou uma justificativa improvável, desesperada—disse que eu era sua filha e que havia fugido de casa, sofrendo de uma doença psicológica que me fazia acreditar que estava sendo perseguida. Um argumento frágil. O militar franziu a testa, cruzou os braços e encarou os dois, seu olhar calculista avaliando cada palavra, cada expressão.
O restaurante inteiro assistia à cena em silêncio absoluto, olhos cravados em mim como se eu fosse uma peça de teatro em exibição. Queria desaparecer. Queria me encolher, me enfiar debaixo da mesa e fingir que não existia.
Enquanto os três homens continuavam do lado de fora, minha mente estava em um turbilhão. Não sabia o que fazer. Não sabia se corria ou se ficava. Então, por um impulso quase automático, apenas continuei comendo. Cada garfada misturada ao sal das lágrimas que escorriam pelo meu rosto. Meu corpo se movia mecanicamente, ignorando o olhar inquisitivo dos clientes. A vergonha me corroía, mas o instinto de sobrevivência falava mais alto.
Foi quando o som dos tiros explodiu no ar.
O restaurante mergulhou em um caos repentino—gritos, cadeiras tombando, corpos se jogando ao chão em busca de abrigo. Eu fiz o mesmo, instintivamente. O ruído ensurdecedor ecoava em meus ouvidos, e a única coisa que conseguia sentir era meu coração quase escapando pela garganta.
A porta se abriu com força, e Gustav surgiu na entrada, seu semblante tenso, mas controlado. Ele arrumava o cinto, e seu olhar varreu o ambiente, avaliando a situação. Todos estavam aterrorizados, e minha mente disparou suposições. Seria ele o responsável pelos disparos? Queria assustá-los ou matá-los? E o pior—teriam contado algo sobre mim que o fizesse me enxergar como um problema?
Minha respiração estava descontrolada. Eu ainda estava no chão, mesmo depois do alvoroço diminuir. E, mais uma vez, o militar se aproximou, estendeu a mão e me ajudou a levantar.
— Você está bem? — perguntou, seu tom mais suave do que eu esperava.
Ao invés de responder sua pergunta, decidi perguntar o nome dele.
— Gustav. — Sua resposta veio firme. — Sou estrangeiro. Meu nome não é muito comum por aqui.
Achei um nome bonito. Estrangeiro ou não, parecia combinar perfeitamente com ele. Aproveitei para agradecer.
Ele me analisou com curiosidade, e seu próximo questionamento veio quase como um desafio.
— Qual o seu nome, garota?
Respondi sem pensar muito, no calor do momento:
— Miku.
Foi seco. Rápido. Quase rude. O peso da situação me impediu de suavizar a resposta. Espero que ele não me odeie por isso.
O silêncio pairou por um instante, mas logo Gustav retomou sua postura firme.
— Quem eram aqueles homens? Por que estavam atrás de você?
Minha mente acelerou, procurando uma saída. Não podia contar a verdade. Não agora.
— São ladrões. Roubaram meus pertences. — Disse, tentando soar convincente.
Ele estreitou os olhos, ponderando minha resposta. Talvez tivesse acreditado, talvez não. Mas o que veio em seguida deixou claro que, independentemente disso, seu ódio por aqueles dois homens cresceu.
— Eles fugiram. Mas eu não confio nisso. — Ele olhou ao redor, analisando tudo com cautela.
Meu peito ainda estava apertado. O medo persistia. Mesmo sabendo que os dois haviam partido, eu não me sentia segura o bastante para ir embora sozinha. Gustav percebeu isso. Se aproximou, e sua voz veio firme, mas acolhedora.
— Quer uma carona até sua casa?
Levantei os olhos para ele. Sorri, aceitando.
Mas... deveria contar para ele que não tenho uma?
Após sairmos do restaurante, caminhamos até o pátio, onde todos os carros dos clientes estavam estacionados. Pela primeira vez, pude olhar ao redor com calma, sem a adrenalina da fuga turvando minha percepção. O lugar era bonito—mais do que eu esperava. Árvores frondosas se espalhavam pelo espaço, suas folhas dançavam suavemente ao sabor do vento, e a grama brilhava em um verde vibrante, impecável. Um lago artificial repousava no centro, abrigando pequenos peixes que nadavam em círculos tranquilos. Para minha surpresa, havia peixes cor de rosa—uma visão quase surreal. Nenhum lixo no chão, nenhuma sujeira visível. Era um lugar perfeito para uma refeição em paz. Paz… se ao menos eu pudesse desfrutá-la.
Gustav começou a andar, e eu o segui sem questionar. Seus passos eram firmes, decididos, como se soubesse exatamente para onde me levar. Estranhamente, nos dirigíamos para o fim do estacionamento, onde poucos carros estavam estacionados. Algo nisso me parecia incomum, mas logo avistei o veículo ao qual ele nos conduzia.
Nunca fui boa com modelos de carros. Não sabia se era um Fusca ou uma caminhonete, mas sua aparência me chamou atenção de imediato. A pintura brilhava ao ser beijada pelos raios do sol, transformando-se em um espelho que refletia o ambiente ao redor. Por dentro, era revestido de couro sintético preto—e eu gostei disso. O toque sofisticado me fez sentir que aquele carro possuía história, personalidade.
Entramos. Gustav girou a chave na ignição, e o motor rugiu suavemente. O som me fez lembrar do meu pai. Uma memória fugaz, distante, como uma brisa tocando meu rosto e desaparecendo antes que eu pudesse segurá-la. Suspirei, afastando os pensamentos. Não era hora de me perder em lembranças.
Saímos do estacionamento e pegamos a estrada. A paisagem do lado de fora se movia rápido, como se o mundo corresse ao contrário. As nuvens no céu formavam desenhos estranhos, e eu tentava identificar formas familiares, um hábito infantil que nunca abandonei. Mas a inquietação dentro de mim crescia. Alguma coisa estava errada. Eu sentia. Era um pressentimento denso, opressor, como se algo estivesse prestes a acontecer—algo ruim.
Dois longos e silenciosos minutos se passaram, e eu continuei observando pela janela. Pelo relógio digital acoplado ao rádio do carro, já havíamos rodado por quase duas horas quando finalmente chegamos a uma cidade. O cheiro de maresia tomou conta do ar, e tudo ao redor gritava "cidade portuária turística". Barcos por todos os lados—de verdade, em miniaturas, em pinturas espalhadas pelos estabelecimentos. Até um restaurante em formato de barco existia ali.
Mas algo interrompeu minha breve fascinação.
Assim que passamos pelo arco de entrada da cidade, notei um carro preto atrás de nós. Os vidros eram escuros, impossibilitando a visão de quem estava dentro. A angústia se instalou no meu peito como um peso sufocante.
Gustav notou meu nervosismo e olhou pelo retrovisor. Sem que eu precisasse dizer nada, ele compreendeu. Pedi para que ele entrasse em algumas ruas aleatórias, desse algumas voltas, apenas para confirmar se realmente estavam nos seguindo. Ele aceitou a ideia sem hesitar. Mas transformou a simples tentativa em um verdadeiro labirinto, se movendo por becos e avenidas como um jogador experiente. O problema? Eu não sabia mais como sair dali. Estávamos completamente perdidos.
Mas pior do que estar perdida era saber que, apesar de todas as voltas e desvios, o carro preto ainda estava atrás de nós.
Gustav não perdeu tempo. Encontrou uma saída rápida e pegou a estrada novamente. Meu coração estava disparado. Olhei para trás e vi o veículo nos perseguindo implacavelmente.
Quando me virei para frente, meu estômago despencou.
O velocímetro marcava quase 200 km/h.
— Gustav... — murmurei, minha voz presa na garganta.
— Fique tranquila. Eu sei o que estou fazendo. — Sua voz era firme, como se realmente estivesse no controle.
Eu queria acreditar nele. Queria confiar. Mas era difícil quando cada fibra do meu corpo me dizia que isso não terminaria bem. Tentei respirar fundo, manter a calma. Inspirei lentamente e soltei o ar devagar.
Foi então que um disparo ecoou.
Meus olhos se arregalaram. Me virei imediatamente para trás. O carro preto havia começado a atirar contra nós.
Meu corpo inteiro congelou.
— São pistolas inglesas. As balas não atravessam essa lataria. — Gustav disse, como se isso fosse algum tipo de consolo.
Mas para mim, aquilo era grego. Não entendia nada sobre armas, sobre resistência de carros. A única coisa que eu sabia era que estavam tentando nos matar. E a cada minuto eu sentia meu desespero se aprofundar.
Será que já posso chorar agora, ou espero mais um pouquinho?
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