Peter King

— Peter King. Você deve ser Anny Evans.

— Dra. Evans — corrigiu-o. — Como entrou aqui? Os cachorros não latiram.

— Devem ter gostado de mim.

A voz de Anny soava desconfiada e o olhar cauteloso quando falou:

— Estou ocupada no momento, e você chegou quarenta e cinco minutos adiantado, sr. King. Não podemos conversar agora. Terá de voltar ao escritório ou retornar num outro dia.

Anny se conteve para não rir quando notou Cedric, um dálmata, erguer a perna para urinar nos sapatos de Peter King, muito sofisticados e decerto feitos à mão. O sr. Cosméticos, como Anny decidiu se referir a ele.

Depois de chacoalhar o pé, afirmou:

— Pode ser que tenha razão. É melhor eu aguardar na sala de espera, ou escritório, como você o chama.

Anny se pôs a observar Peter King. Devia ter uns trinta e três anos. Olhos castanhos, cabelos castanhos um pouco encaracolados, feições fortes, belo, musculoso, descomprometido. Não pôde deixar de notar que ele não usava aliança em nenhum dedo.

E muito bem vestido. Camisa branca impecável. Tudo bem combinado num corpo que só fazia realçar o traje.

Anny perguntou-se quantos batons ele tivera de vender para comprar aquela roupa. Continuou se perguntando até que se lembrou da própria aparência, que deveria estar horrível.

"Devo estar igual a um animal selvagem. "

Pensou ela.

— Você me lembra alguém. -- Falou Anny.

— Muitas pessoas me dizem isso, mas nunca são capazes de identificar quem eu as faço lembrar — Peter começou a se dirigir para a sala de espera.

— Eu recordarei, mais cedo ou mais tarde — Anny começou a distribuir a ração.

Os cachorros esperavam, pacientes, até todos os pratos estarem completos.

— Certo, rapazes. Atacar!

Após a refeição deles, Anny os soltou para corridas individuais.

— Vinte minutos. Quando escutarem o assobio, entrem aqui! — ela gritou.

Anny trabalhou sem pressa, empilhando as tigelas na pia de aço inoxidável cheia de água e sabão. Dissera a Peter King que estava ocupada, portanto iria lavar e secar as tigelinhas com muito esmero. Afinal, ele chegou muito cedo, e ela não queria que King achasse que estava a sua disposição.

"Ele que espere." Pensou Anny.

Fazia seu trabalho com os olhos fixos no espelho acima da pia. Sim, sua aparência era péssima. Não usava um pingo de maquiagem, os cabelos se achavam despenteados e sujos, a blusa de moletom, manchada, e um de seus tênis tinha uma protuberância na sola.

Anny concluiu ter pisado na sujeira dos animais.

Limpou a sola, guardou os pratos para o dia seguinte e assobiou para que todos entrassem.

— Depois de me arrumar um pouco, parecerei tão bem apessoada quanto ele — sussurrou para os animais e deixou os cachorros entrarem no canil.

Annabelle jogou a cabeça para trás e uivou.

— Tenho cinco minutos disponíveis, sr. King. Eu já disse a seus quarenta e sete advogados que não vou vender minha casa. Que parte dos "nãos" você ainda não entendeu?

— A parte dos quarenta e sete advogados — afirmou ele, com ironia. — Tenho apenas dois. Acho que você deve estar se referindo às quarenta e sete cartas.

Anny deu de ombros e não respondeu.

— Achei que talvez eu pudesse levá-la para jantar... e nós poderíamos... discutir os prós e contras de vender sua propriedade — Peter sorriu.

Anny viu covinhas e magníficos dentes brancos. Todos certos numa fileira, como pérolas combinando.

— Poupe seu tempo e seu dinheiro, sr. King. Um jantar não modificará minha decisão. Sabe o que mais? Nem mesmo gosto do batom que o senhor fabrica. Já experimentei e é muito oleoso. As cores são abomináveis. Os nomes que você deu a eles são tão ridículos que chegam a ser absurdos. Framboesa de Queijo Louise, por exemplo. Que tipo de cor é essa?!

Vendo o olhar inexpressivo dele, Anny acrescentou:

— Trabalhei numa loja de cosméticos para conseguir pagar a faculdade de Veterinária, portanto, não sou tão leiga no assunto quanto pode estar imaginando.

— Entendo — Peter continuava impassível.

— Não, não entende, mas tudo bem. Seu tempo acabou, sr. King.

— Trezentos e cinqüenta mil dólares, dra. Evans. Você poderia mudar para outro lugar. E muito bom.

Anny sentiu os joelhos fraquejarem.

— Lamento, sr. King. Não estou interessada.

"Que loucura Anny, calma." Pensou Ela.

— Quinhentos mil, e é minha maior oferta. É pegar ou largar. Você jamais receberá uma proposta como esta. Está na mesa agora. Quando eu sair daqui, ela irá junto comigo, e não haverá retorno, mesmo que você mude de idéia.

Anny poderia ter considerado aquilo com seriedade se Annabelle não tivesse escolhido aquele momento para uivar.

— Tenho de ir, sr. King. Annabelle está uivando. Ela tem artrite, e está na hora do remédio dela — Anny devia estar fora de seu juízo perfeito para recusar meio milhão de dólares.

Annabelle tornou a uivar.

— Eu não sabia que cachorros tinham artrite — comentou ele, tentando ser simpático.

— Eles têm muitas coisas, sr. King. Desenvolvem males do coração, têm câncer, catarata, problemas na próstata e tudo o que as pessoas têm — meneou a cabeça. — Acha mesmo que nós, humanos, possuímos o privilégio das doenças?

Aqui é o único lar que esses animais conhecem. Ninguém mais os quis, por isso os acolhi. Meu pai, e meu avô antes dele, era dono deste canil. E tornou-se meu lar e o lar deles.

— Espere. Ouça-me — tentou Peter, antes que ela se retirasse e o deixasse falando sozinho. — Você poderia comprar uma instalação nova e moderna com o dinheiro que estou disposto a pagar. Este lugar é bastante antiquado. Parece mais um

barraco. Sua madeira está apodrecendo, as celas do canil estão enferrujadas, o concreto rachou...

— Ainda assim, o terreno é muito bom, e a localização, excelente. -- Disse ela.

— Além disso, você poderia comprar equipamentos modernos — argumentou

ainda, como se ela não tivesse dito nada. — Se quer minha opinião, acho que você está sendo egoísta, pensando em si mesma, não nos animais. O passado já se foi. Não pode trazê-lo de volta, doutora, nem desejar que isso aconteça.

Peter respirou fundo.

— Minha proposta estará de pé até sexta-feira. Pense nisso, reflita sobre todas as vantagens. Se sua decisão ainda for não vender a propriedade até lá, prometo que não a perturbarei mais — fez uma breve pausa. — Eu até mesmo vou aumentar o meu preço para setecentos e cinqüenta mil dólares. Para provar que não estou tentando trapaceá-la.

Anny suspirou.

— É claro que não — disse, sarcástica. — Por isso começou com duzentos mil e agora chegou a setecentos e cinqüenta. Não sou tola, sr. King. Vamos direto ao ponto. Qual sua oferta final?

Foi a vez de Peter King olhar com cautela para a jovem doutora a sua frente.

Anny tinha olhos expressivos e feições bonitas. A avó dele a adoraria. Sadie diria que Anny possuía coragem e força.

— Um milhão de dólares.

— Isso é por acre, certo? Tenho um pouco mais de três acres. Aliás, acho que quase quatro.

Peter King abriu a boca, perplexo. Annabelle uivou de novo.

— Você quer três milhões de dólares por este... barraco?!

— Não. Três milhões pela terra. E não apenas três milhões, uma vez que, como falei, tenho mais de três acres. Haverá um adicional. Você tem razão, é um barraco. Mas é meu lar e o lar desses animais. Trabalhei muito duro para manter esta

propriedade e pagar meus estudos. O que sabe sobre trabalhar, sr. Cosméticos? Eu poderia fazer uma coleção dessa coisa que você vende por oito dólares o tubo, aqui mesmo na cozinha. Só preciso de meu livro de química.

Meneou a cabeça, aborrecida.

— Saia agora mesmo daqui e não volte, a menos que tenha três milhões de dólares em mãos — Anny estudou a expressão atônita no belo semblante.

— E melhor que vá embora antes que comece a nevar, o que arruinaria esses seus sapatos

sofisticados de, no mínimo, trezentos dólares.

— Seu querido cachorro já os arruinou.

— Mande-me a conta!

Anny o empurrou para fora e bateu a porta. Esperou por mais ou menos cinco minutos para se certificar de que Peter partira, antes de abrir a porta de novo e dirigir-se ao canil.

Limpou as mãos empoeiradas na própria roupa e se pôs a chorar.

Os animais saíram de suas celas, que não tinham grades, para circulá-la, lambendo e passando as

patinhas nas faces molhadas de lágrimas. Entre soluços, Anny praguejou e amaldiçoou todos os homens que vendiam batons.

— Se ele aparecer com três milhões de dólares mais o adicional, teremos de sair daqui — dizia, com tristeza, aos animais. — Mas aí teremos escolhas. Poderemos permanecer em Nova Jersey, ir para o sul ou para o norte, dependendo do melhor negócio que fizermos. Vocês poderão comer hambúrguer e atum todos os dias, e eu,

bife de filé mingnon sempre que quiser.

Anny limpou as lágrimas.

--Convidaremos Gertie para ir morar conosco.

Não quero mais chorar agora. Podem voltar a dormir, queridos. Venha, Annabelle, é hora de seu remédio.

Anny apanhou a pilha de contas de sobre a mesa do escritório, a fim de levá-las para dentro da casa. Com os dois mil dólares de Gertie e ração para os cães e gatos, poderia agüentar até o final de janeiro, e então estaria de volta às mesmas

condições de algumas horas antes.

Três milhões de dólares, no entanto, era uma fortuna, mais dinheiro do que algum dia pudera sonhar em ter. Assim como eram setecentos e cinqüenta mil.

Não, Peter oferecera um milhão de dólares. Vezes três. Além do adicional por seu quase quarto acre. A oito dólares cada batom, quantos batons o sr. Cosméticos teria de vender?, indagou-se, tentando fazer as contas.

Algo como trezentos e setenta e cinco mil. Ora, deveria ter dito dois milhões por acre!

Aquele poderia vir a ser um Natal maravilhoso, afinal de contas.

Continua....

***

LIVROS DA FAMÍLIA KING

1° No amor e na guerra

2° Amor a toda Prova

3° Sr King Henrique

4 ° Lucas King O MAGNATA

Mais populares

Comments

Denise

Denise

PETER KINGS é empresário e, como tal, visa lucros e manutenção do império. Independente da beleza física, tem que ter imagem de firmeza e credibilidade. Ele pareceu ser uma pessoa boa, não somente de fachada. Então, se GERTIR for mesmo mãe ou avó do PETER, qual o motivo da família querer colocá-la no abrigo?

2024-09-10

0

Lulu 🌹

Lulu 🌹

Deve ser filho ou neto da moradora de rua 🤔🤔🤔

2024-03-23

7

joana Almeida lima

joana Almeida lima

Deixa de leseira mulher, já estava marcada a ida dele até aí, mesmo vindo adiantado. Porque está criando problemas? Os dois não teem mesmo que conversar?

2024-03-13

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!