conhecendo Nino

Meu nome é Nino. Tenho 29 anos. E quero contar a vocês a minha história.

Não me lembro muito da minha família. Sei que eu tinha um pai, uma mãe e um irmão — flashes de memória que ainda insistem em aparecer. Mas, em uma noite, tudo mudou. Recordo-me de gritos, choro e correria. Lembro também de alguém me pegando no colo e me colocando no porta-malas de um carro. Depois veio um avião. E então, fui entregue a um homem.

Esse homem me levou para uma casa — ou melhor, um barraco. Lá havia outras crianças. Eu mal conseguia andar direito e já era obrigado a pedir esmolas nas ruas, fazer pequenos furtos, contar histórias tristes e fingir estar doente. Só mais tarde entendi que ele nos explorava. Éramos quinze crianças ao todo.

Um dia, a casa foi invadida — acredito que pela polícia. Levaram todos. Mas eu, por ser o menor e o mais atento, percebi o movimento antes. Corri para um esconderijo: um fundo falso no piso. Fiquei ali até o silêncio voltar. Quando saí, estava sozinho. Permaneci naquela casa por alguns dias, mas logo percebi que não estaria seguro ali. Então, fui morar nas ruas.

As ruas foram meu abrigo. Aprendi cedo a não confiar nas pessoas. Conheci abrigos, conheci adultos que queriam repetir o que aquele homem fazia. Fugi de todos e aprendi a ser esperto. Assim fui crescendo.

Eu tinha por volta de dez anos quando ouvi um choro perto de um carro abandonado. Aproximei-me e vi uma menininha. Ela não parecia viver nas ruas — estava assustada, sozinha. Perguntei seu nome. Ela respondeu: “Maria Luiza, mas pode me chamar de Malu.”

Naquele instante, decidi que a protegeria de todos os perigos.

Nós nos tornamos família — um abrigo um para o outro. Conseguimos, por muito tempo, manter distância dos piores riscos da rua. Fomos crescendo juntos. Por ter muitos conhecidos — e muita gente me devendo favores —, consegui várias coisas para nós dois. Até nos matricular em uma escola sem que ninguém fizesse perguntas.

Malu era — e é — uma garota meiga. Mas o sentimento que sempre tive por ela nunca foi de homem para mulher. Foi de irmão. Eu a protegia. Depois de tantas lutas, viramos adultos. Sobrevivemos ao meu grave acidente, que quase me tirou a vida. E então conhecemos Kimberly — a nossa “outra irmã”.

Lembro-me de Malu insinuar que talvez eu e Kimberly pudéssemos ter algo, mas não aconteceu. Meu coração não acelerou. Ficamos amigos. E dessa amizade nasceu um amor de irmãos. Kimberly também era sozinha no mundo. Quando voltou para a Itália, nos convidou para irmos com ela. E nós aceitamos.

Hoje vivemos juntos aqui. Eu consegui um emprego que, no começo, era apenas para servir café em uma grande empresa. Logo o dono, senhor Valentim, me chamou para ser seu assistente — seu “faz-tudo”. Disse que eu tinha potencial. Kimberly trabalha no RH da mesma empresa, e Malu, em uma cafeteria. Seguimos a vida. Sei que Malu sonha em cursar Arquitetura. Faço o que está ao meu alcance para ajudá-la a realizar esse sonho.

Há dois anos, algo inesperado aconteceu. Eu estava no escritório da cobertura, quando o senhor Valentim me passava algumas instruções. De repente, dois homens entraram armados e renderam meu chefe.

Eu sempre fui tranquilo, mas cresci nas ruas. Aprendi a perceber uma ação antes de ela acontecer. Um segundo é suficiente para entender tudo.

E foi assim que eu fiz.

Os dois homens apontavam armas para o senhor Valentim. Eu, desarmado, sabia que tinha uma chance. Sempre fui bom em desarmar e imobilizar pessoas. Situações como aquela já haviam cruzado meu caminho inúmeras vezes. Em uma fração de segundo, desarmei os dois e os imobilizei.

— O senhor está bem, senhor Valentim? Quer que eu chame a polícia? — perguntei, ainda apontando uma das armas para eles.

— Pode soltá-los, Nino. Foi apenas um teste. E você passou com todas as honras — disse ele.

Larguei a arma, sem entender nada.

— Eu tenho te observado desde que começou a trabalhar para mim — continuou Valentim. — Sei do seu potencial. Mas quero que me responda uma coisa. Dependendo da sua resposta, sua vida pode mudar.

— Pode perguntar, senhor — respondi.

— Como você conseguiu desenvolver essas habilidades? Dá para perceber que você não é uma pessoa comum.

— O senhor sabe que eu não sou daqui. Nasci e fui criado no Brasil. Mas o que não sabe é que fui criado nas ruas. Precisei enfrentar muitas situações como essa — ou até piores. Tive que aprender a me defender. Era questão de vida ou morte.

Valentim me olhou com admiração.

— Eu já sabia, Nino. Ninguém entra na minha empresa sem que eu investigue a vida primeiro. Você passou em todos os testes: honestidade, lealdade, agilidade, coragem.

Vou te perguntar outra coisa. Já ouviu falar da Cosa Nostra?

— Já sim, senhor. É uma das máfias mais poderosas da Itália, não é?

Valentim sorriu.

— Exatamente. Mais um ponto para você.

— E o senhor é o chefe, não é? — arrisquei.

Os olhos dele se arregalaram.

— Mais um ponto para você, Nino. Mas como descobriu?

— Cresci nas ruas. Sobrevivi porque aprendi a ver onde os olhos não enxergam. Reparo em detalhes, em padrões. Quando eu tinha oito anos, já sabia quem fazia parte de tráfico de pessoas, armas ou drogas. Aprendi cedo a reconhecer. Digamos que eu sei “ler” as pessoas.

Valentim se aproximou.

— Você é raro, Nino. Quero te oferecer algo. Gostaria que fosse meu consigliere.

Respirei fundo.

— Seria uma honra, senhor. Mas tenho apenas um pedido em troca.

— Pode falar. Se estiver ao meu alcance, considere feito.

— Eu tenho uma irmã. Não é de sangue, mas é como se fosse. Salvei-a das ruas quando ainda era uma criança. Desde então, somos só nós dois. Ela tem um sonho: cursar faculdade. Por mais que eu tenha lutado, nunca consegui ajudá-la a realizar esse sonho. Gostaria de pedir sua ajuda para que Malu possa estudar. Se o senhor puder fazer isso, serei fiel ao senhor pelo resto da vida.

Valentim sorriu.

— Você não cansa de me surpreender, rapaz. Essa moça tem muita sorte de ter você ao lado dela. É claro que ela vai fazer faculdade. Aqui na minha empresa temos um programa de bolsas para quem não pode pagar. Colocá-la nesse programa vai ser fácil.

A partir de hoje, Nino, bem-vindo à Cosa Nostra.

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Comments

Tânia Márcia Gomes

Tânia Márcia Gomes

perfeito autora já tou gostando

2025-10-16

2

Fatima Vieira

Fatima Vieira

já gostando muito

2025-10-20

1

Adriana Neri

Adriana Neri

👏👏

2025-10-15

1

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