O sábado amanheceu com um clima preguiçoso na casa de Rose e Helena. O sol entrava pelas janelas, iluminando os cantos da cozinha e refletindo nas panelas penduradas, enquanto a avó assobiava uma melodia antiga. Helena, por sua vez, estava inclinada sobre uma samambaia caída no chão.
— Levanta, Morte Sorridente! — gritou a tia, batendo de leve na planta. — Não posso acreditar que você ainda está aí, sem nenhum esforço para sobreviver!
Agatha rolou os olhos da cama, rindo silenciosamente. A tia tinha a estranha mania de dar nomes dramáticos às plantas que insistiam em morrer, e, mesmo que fosse ridículo, era algo que a fazia sentir-se em casa. Ao seu ladoLouise ainda dormia profundamente, enrolada nas cobertas. Um beijo suave no rosto da namorada, deixou Agatha captar o rastro de sonhos bizarros de Louise: florestas luminosas, bibliotecas voadoras e livros que dançavam de um lado para o outro. Sorriu ao imaginar Louise reagindo se descobrisse que Agatha podia “ler” seus pensamentos até mesmo nos sonhos.
— Bom dia, sonhadora — murmurou, inclinando-se para beijar sua testa. — Acorda antes que eu saia sem você para a loja de magia.
Louise murmurou algo que não se entendia, enroscando-se mais nas cobertas. Agatha suspirou, mas não pôde evitar rir. Pequenos momentos assim tornavam o cotidiano leve e acolhedor.
Após o café da manhã, com pão fresco e chá, as duas partiram para o centro da cidade, caminhando pelas ruas familiares. Conversaram sobre filmes, plantas dramáticas, pequenas discussões sobre quem havia esquecido de lavar a louça, e até mesmo sobre as ideias estranhas que Valentim poderia ter tido na loja de magia na semana anterior. Risadas surgiam a cada passo, e Agatha aproveitava para sentir pequenas vibrações nos objetos ao redor, algo que só sua telepatia e precognição lhe permitiam captar.
Chegaram finalmente à Erdrid's Arcana, a loja de magia de Valentim. O jovem estava atrás do balcão, sorrindo com aquela mistura de teatralidade e charme natural que sempre causava risadas nos visitantes. Pequenas chamas dançavam nos dedos dele, criando círculos luminosos que subiam e desciam com precisão quase artística.
— Bem-vindas ao reino do impossível! — anunciou Valentim, inclinando-se e estendendo as mãos em direção aos artefatos. — Prometo que não mordem… a menos que mereçam.
Louise arqueou uma sobrancelha, observando com atenção cada objeto. Sua hipermnésia permitia que ela recordasse detalhes minuciosos de cada item visitado antes, e ela comentava coisas que ninguém mais lembraria:
— Lembra daquele cristal que quase explodiu na última semana? Disse, piscando para Agatha.
— Sim, lembro — respondeu Agatha, ajustando discretamente algumas pequenas poções com telecinese para que não caíssem. — Mas ele parecia ter vontade própria.
Enquanto exploravam a loja, Alex entrou silenciosamente, cruzando os braços e sorrindo.
— E estão se divertindo sem mim? — provocou. — Espero que não tenham acendido fogueiras dentro da minha loja.
— Apenas as que eu permiti — respondeu Valentim, levantando uma pequena chama que girou em espiral no ar. — Apenas por efeito dramático, prometo.
Entre risadas e brincadeiras, Agatha aproveitou para refletir sobre Nefari, o livro que permanecia selado no sótão da Valthor’s Vintage. Ela ainda não havia conseguido abri-lo, havia uma magia que protegia o volume, que era desconhecida, antiga e poderosa. A especulação sobre a origem do selo tornou-se o assunto principal da conversa:
— Não sei que tipo de magia seria capaz de criar algo assim — disse Agatha, pousando os olhos sobre um globo antigo que girava sozinho. — Telecinese, precognição, telepatia, nada disso chega perto do que protege aquele livro.
— Parece magia antiga de verdade — opinou Alex. — Talvez algo que só Mestres antigos poderiam realizar. Feitiços de proteção ligados a entidades primordiais, ou algo ainda ainda mais poderoso.
— Ou uma mistura de tudo — acrescentou Valentim, enquanto criava pequenas chamas que circulavam os dedos, iluminando os rostos de todos. — Algo para garantir que só quem tiver a sensibilidade certa consiga sequer tocá-lo.
Louise, entre risos e curiosidade, comentou:
— Talvez seja como uma caixa de segredos vivos, se você não souber lidar com eles, acaba queimado ou esquecido.
O grupo continuou conversando, trocando teorias e ideias, até que Agatha sugeriu uma pequena parada antes de voltar para casa: a visita à casa de Filó, uma velha curandeira conhecida na cidade. Filó era sábia, excêntrica e tinha grande conhecimento sobre magia antiga. Morava em uma casa pequena, com jardim cheio de ervas e poções secando nas janelas, cercada por uma aura de mistério e conforto ao mesmo tempo.
Ao chegarem, Filó os recebeu com um sorriso largo e mãos cobertas de manchas de tintura de ervas.
— Minhas meninas! — exclamou, abraçando Louise e Agatha. — E Valentim e Alex, vocês também! Que alegria ver jovens interessados em magia de verdade, e não apenas em explosões e luzes.
Enquanto tomavam chá feito com ervas aromáticas, Agatha explicou brevemente a situação do livro selado. Filó escutou atentamente, coçando o queixo e analisando as palavras com cuidado.
— Hmmm, Nefari, já ouvi falar sobre esse livro, mas o selo, pelo que vocês estão dizendo, parece antigo, de magia primordial, ligada à proteção de conhecimentos sagrados. Não é algo que se quebra com força bruta ou habilidade comum. É mais sobre compreensão, sensibilidade e paciência.
— Então não podemos apenas levá-lo para a loja de magia? Perguntou Agatha.
— Não, minha querida — respondeu Filó com um sorriso gentil. — Quanto mais você mexe sem conhecer, mais forte ele se torna. O lugar dele é seguro, onde ninguém ousa mexer sem razão.
Enquanto conversavam, Agatha percebeu pequenos sinais de seu próprio poder se manifestando: o globo de bronze que carregava em pensamento girou sozinho, objetos próximos vibraram levemente, como se confirmassem que estavam no caminho certo. Louise segurou sua mão, transmitindo confiança com sua presença silenciosa.
O dia terminou com o grupo voltando para casa, o céu tingido de tons alaranjados e violetas pelo pôr do sol. Agatha e Louise aproveitaram o momento para pequenos gestos de carinho, mãos entrelaçadas, risadas sobre pequenas piadas internas e conversas sobre os pais de Louise, James e Emily, que sempre apoiaram a filha, mesmo lidando com sua memória quase infinita.
— Seja lá o que vier — disse Louise, encostando a cabeça no ombro de Agatha — a gente vai enfrentar, juntas. Sempre.
— Sempre — respondeu Agatha, sorrindo e sentindo a segurança da presença dela. — Mas se você rir das plantas da tia Helena de novo, eu vou dar nome a todos os gatos da cidade.
Louise riu, e Agatha soube naquele instante que, por enquanto, a paz do fim de semana reinava. O livro Nefari permanecia no sótão, seguro, pulsando com mistérios antigos que ainda precisavam ser compreendidos. Aventuras, segredos e perigos estavam à espreita, mas naquele momento, com risadas, magia e pequenos gestos de afeto, a vida parecia completa.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 47
Comments