CAPÍTULO 3

   O cheiro de antisséptico e desinfetante só aumentava meu nervosismo. O que, diabos, eu estava fazendo ali? Por um instante, considerei sair correndo daquela clínica. Mas já tinha passado pela recepção, já estava na cadeira dura de espera, com o panfleto amassado entre os dedos. Então fiquei.

   Apertei a alça da mochila como se fosse capaz de segurar o caos dentro de mim. A mulher atrás do balcão continuava digitando sem pressa, como se eu não existisse. Até que finalmente levantou os olhos para mim.

   — Pois não? — perguntou, com aquela voz monótona de quem já estava cansada de repetir a mesma coisa mil vezes.

   Forcei um sorriso nervoso e deslizei o panfleto sobre a mesa, tentando não gaguejar.

   — Eu… queria informações sobre isso. — minha voz saiu baixa, quase um sussurro. Olhei para os lados, temendo que alguém me ouvisse, embora o lugar estivesse quase vazio.

   Ela pegou o papel, leu rápido e então me mediu de cima a baixo. O olhar dela foi como uma lâmina invisível: primeiro para os meus sapatos gastos, depois para minha mochila velha, e por fim parou no meu rosto. O julgamento estava estampado.

Senti o sangue ferver.

    — Algum problema? — soltei, mais ríspida do que pretendia.

   Ela suspirou, ajeitou os óculos no nariz e finalmente decidiu cumprir o trabalho dela.

   — O processo é simples, mas exige disciplina. — começou, num tom mais profissional. — Primeiro, vamos agendar exames para garantir que você está saudável e fértil. Depois, passará por estimulação ovariana: injeções diárias de hormônios por uns dez dias. Isso faz com que seus ovários produzam vários óvulos de uma vez, em vez de apenas um.

Meu estômago deu um nó.

   — E… dói? — arrisquei.

Ela apoiou as mãos na mesa.

   — Durante os dias de hormônio, pode sentir cólicas, inchaço e sensibilidade. O pior é o desconforto. No dia da coleta, usamos uma agulha guiada por ultrassom para retirar os óvulos. É rápido, e para isso usamos sedação, ou seja, nada de dor.

Balancei a perna nervosamente.

   — E tem risco? — insisti.

   Ela deu de ombros, como quem já tinha decorado aquela resposta.

   — Os riscos existem, claro. Reação hormonal, sangramento leve, em casos raríssimos complicações maiores. Mas estatisticamente é seguro.

   Recuei o corpo para trás, pronta para inventar uma desculpa e dar o fora dali. Até que ela soltou a última carta:

   — Cada ciclo de doação rende, em média, setecentos a oitocentos mil ienes. Dependendo da qualidade e da quantidade coletada, pode passar disso.

   Eu congelei. O número ecoou dentro da minha cabeça como um sino. Não resolveria tudo, mas seria suficiente para pagar os atrasos da faculdade, para pagar algumas dívidas, para dar fôlego à minha mãe.

    Meus dedos tremeram. Respirei fundo, levantei o rosto e encarei a atendente com uma firmeza que não sentia segundos antes.

    — Eu quero fazer o procedimento. — disse, com a voz firme.

Ela apenas assentiu, como quem já esperava.

   — Vou providenciar os documentos.

   Saí de lá com uma pasta de exames e instruções nas mãos. Minha cabeça, no entanto, parecia uma tormenta. Ainda assim, sabia que não havia mais volta. Eu tinha tomado a decisão.

...----------------...

   Os dias seguintes passaram como um borrão. O relógio se resumia a alarmes para as injeções de hormônio. O espelho refletia uma versão de mim que oscilava entre inchada, cansada e instável. Por sorte, minha mãe não desconfiou. Eu escondia as seringas em caixas de remédio, descartava no caminho da faculdade, inventava desculpas para o humor estranho.

Shiho, claro, não engoliu calada.

   — Você tá maluca, Mai. — sussurrou durante a aula, quando eu confidenciei tudo a ela. — Como vai explicar tanto dinheiro de repente? Já pensou nisso?

   O professor abaixou os olhos para o livro, e aproveitei o instante para me inclinar até ela.

    — Sim. Você me emprestou.

Ela arregalou os olhos.

   — Eu?! — a voz dela subiu tanto que a colega da frente virou com cara de poucos amigos. — Sua mãe nunca vai acreditar nessa baboseira!

   — Vai acreditar, sim. — sussurrei, firme. — Confia em mim.

Shiho bufou, cruzando os braços.

   — Você é impossível…

...----------------...

   Naquele mesmo dia, depois da primeira aula, ela insistiu em me acompanhar até a clínica. Estava mais nervosa do que eu.

— Você perdeu a noção, Mai. — murmurou, balançando a cabeça. — Maldita hora que eu peguei aquele panfleto.

   Suspirei fundo, mas não respondi. Sentamos no corredor, lado a lado. Havia outra mulher aguardando também, mexendo no celular.

Shiho, inquieta como sempre, não resistiu.

   — Você também veio doar óvulos? — disparou, sem cerimônia.

   — Shiho! — sussurrei, arregalando os olhos.

   A mulher levantou o rosto do celular e respondeu com um sorriso educado:

   — Não, querida. Estou aqui para um processo de inseminação.

   — Ah… entendi. Boa sorte, então. — Shiho devolveu o sorriso como se fosse uma conversa de elevador.

   Assim que a moça se afastou em direção ao banheiro, virei para ela com a testa franzida.

   — Precisa ser tão inconveniente?

Ela deu de ombros.

   — Só perguntei. Qual o problema nisso?

   Antes que eu pudesse retrucar, uma voz ecoou no corredor:

   — Senhorita Kato?

   Levantei num pulo. A assistente, de jaleco impecável, me aguardava na porta.

   — Sim, sou eu. — respondi, lançando um último olhar para Shiho.

   Ela ficou, me observando com a expressão preocupada de sempre. Eu segui em frente, sabendo que dali em diante, estava sozinha.

   Ao entrar no consultório, meu coração batia tão alto que parecia disputar espaço com o zumbido constante das máquinas.

   — Senhorita Kato, pode entrar. Já vamos começar. — A médica me recebeu com um sorriso firme. Tinha por volta de quarenta anos, traços elegantes e um ar de quem estava acostumada a lidar com nervosismo alheio.

Assenti em silêncio, sentindo as pernas pesarem.

   A enfermeira me guiou até uma pequena cabine. Pediu que deixasse minhas roupas dobradas sobre a cadeira e me entregou um daqueles aventais hospitalares de tecido claro. Aquele laço atrás parecia frágil, como se a qualquer momento pudesse se desfazer. Calcei também aquelas meias descartáveis, que faziam barulho contra o chão encerado.

   Quando voltei para a sala, sentei-me na cama acolchoada, tentando parecer calma.

   — Vamos iniciar o procedimento — disse a médica, ajustando as luvas. Sua voz era profissional, mas eu mal conseguia prestar atenção. A tensão me deixava surda.

Engoli em seco.

   — Não… não seria necessário algum tipo de sedação? — perguntei, lembrando do que a moça havia informado.

Ela ergueu os olhos para mim, tranquila.

   — Não se preocupe. Neste caso, a sedação não é necessária. Será rápido, apenas um leve desconforto.

   Mordi o lábio, estranhando a resposta, mas forcei a me convencer: ela era a médica, não eu. Ela sabia o que estava fazendo.

   Deitei-me lentamente, o coração acelerado. O teto branco parecia girar. Tentei controlar o tremor nas mãos, respirando fundo.

   — Cateter pronto. Vamos iniciar com a transferência — disse ela em um tom técnico.

   A palavra "transferência" ecoou estranha. Tentei processar, mas o nervosismo me anestesiava. Talvez fosse apenas um termo médico, nada demais. Decidi não pensar muito.

   O procedimento começou. Não doeu tanto quanto eu temia. Havia um desconforto insistente, uma pressão que me fazia contorcer as mãos contra o lençol, mas nada insuportável.

  Quando tudo terminou, levantei-me devagar. Não senti fraqueza, não havia dor forte. Era como se tivesse passado apenas por um exame mais invasivo. Suspirei aliviada.

   E mais aliviada ainda fiquei ao checar o celular: o valor já estava lá, oitocentos mil ienes. Automático, direto na conta. Aquela sequência de zeros me fez sorrir pela primeira vez em dias.

   No corredor, encontrei Shiho de braços cruzados, batendo o pé no chão.

   — Por um instante achei que você fosse desistir — comentou, com um ar entre reprovação e alívio.

Levantei o celular na frente dela, mostrando a tela.

   — Desistir disso? Olha só.

Ela soltou um assovio baixo.

   — Uau… pelo visto valeu a pena mesmo.

    Saímos juntas para a rua. O ar frio da tarde bateu contra meu rosto, trazendo uma estranha sensação de liberdade. Shiho ajeitou a bolsa no ombro e riu, lembrando de algo.

   — Ah, Mai… você reparou? Aquela moça que estava esperando com a gente também se chamava Kato.

   — Como assim? — franzi o cenho, erguendo a mão para acenar a um táxi.

   — Quando a assistente a chamou, falou “Senhorita Kato” também. — respondeu Shiho, divertida, como se fosse uma coincidência engraçada.

Pisquei algumas vezes, surpresa.

   — É um sobrenome comum. — murmurei, encolhendo os ombros. — Normal acontecer.

   Entramos no carro. O motor ligou, e deixamos a clínica para trás. Dinheiro na conta, problema resolvido. Pelo menos… por enquanto.

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Comments

Carolina Luz

Carolina Luz

será que a outra tava lá pra receber o material do Ren,ou erraram com a inseminação também??vixi 🤔🤔🫢🫢

2025-09-12

3

Erika Silva

Erika Silva

nossa essa história promete
confundiram as mulheres

2025-09-11

2

Cristiani A.L.

Cristiani A.L.

Vixiii...Trocaram os procedimentos...😯🤔

2025-09-11

3

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