O culto tinha acabado, os fiéis iam se dispersando pela porta da igreja. A noite no morro estava fresca, mas ainda tinha fumaça de fogos subindo. Milena caminhava ao lado da Ana, de cabeça baixa, com a bíblia apertada no peito.
— Mih, se tu fosse mais solta, ia ser disputada nesse baile — Ana soltou, rindo. — Já pensou? Os cara iam pirar em ti.
Mih suspirou.
— Para com isso, Ana. Eu não sou dessas...
Mal tinham dado três passos na rua estreita, quando um moleque encostou. Tênis de marca, boné torto, sorriso cheio de malícia.
— Aí, princesa... — ele se aproximou, olhando de cima a baixo. — Fala pra mim... o que tu esconde debaixo dessa saia longa aí?
Ana arregalou os olhos, puxando Mih pelo braço.
— Bora, Mih. Ignora.
Mas o cara se aproximou ainda mais, rindo debochado.
— Qual foi? Dá um sorrisinho, só quero trocar uma ideia... Aposto que tu é gostosinha por baixo dessa santidade toda.
Mih ficou paralisada. O coração disparou, o rosto corou de vergonha e medo.
De repente, uma voz grossa, carregada de ódio, ecoou atrás deles:
— Cê tá ficando maluco, porra?
O moleque empalideceu. K2 vinha descendo a viela, encapuzado, mão na cintura onde a Glock descansava. Ao lado dele, ninguém menos que Martins, o dono do morro, de boné baixo, cigarro no canto da boca, olhar frio como pedra.
— Pô, K2... eu não sabia que era tua prima, mano — o moleque gaguejou, dando dois passos pra trás. — Só tava de resenha.
K2 avançou, dedo na cara dele:
— Resenha é o caralho! Tu respeita ela, porra. Essa aqui é sangue do meu sangue. Se eu ver tu falando com a Mih de novo, eu mesmo vou te enterrar, tá entendendo?
O moleque engoliu seco e correu, desaparecendo no beco.
Mih ainda tremia. Ela ergueu o olhar devagar e foi quando encontrou os olhos de Martins.
Ele não disse nada. Só tragou o cigarro, soltou a fumaça devagar e encarou ela e Ana, como quem observava algo raro no meio do lixo da favela. O olhar dele era intenso, invasivo, mas não vulgar. Um olhar que dizia: um dia eu vou ter essa santinha nas minhas mãos.
Mih desviou os olhos, sem coragem de sustentar.
— Bora, Mih — K2 falou, firme, colocando o braço por cima dos ombros dela. — Vou te levar em casa.
Martins deu meia-volta, rindo de canto, e sumiu no beco com dois vapores atrás.
Mais tarde, Mih trancou-se no quarto. Ainda sentia os olhos de Martins queimando nela. O coração não parava de bater forte.
Ela se levantou devagar, foi até o guarda-roupa e abriu a gaveta de baixo. Lá estava guardado um short jeans que Ana tinha dado escondido, dizendo: “Um dia tu vai criar coragem de usar.”
Mih respirou fundo e, tremendo, vestiu o short. O espelho mostrou outra versão dela: pernas à mostra, curvas que nunca tinham sido vistas. Pela primeira vez, se viu como mulher e não só como a filha do pastor.
Mas a porta se abriu com força. O pai entrou.
— Que PORRA é essa, Milena?! — a voz dele explodiu.
Ela tentou cobrir as pernas com as mãos, mas era tarde. O pastor Silas fechou a cara, vermelho de raiva.
— Eu criei filha pra ser puta, é?! Tu acha que vai sair na rua mostrando essas pernas igual vagabunda?! Isso não é roupa de menina decente!
— Pai, eu só... eu só quis experimentar... — Mih chorava.
Mas ele não quis ouvir. A mão pesada caiu no braço dela, depois no rosto. A cada palavra, um tapa.
— TU É MINHA VERGONHA! TU NÃO VAI VIRAR ESSES LIXO DE MULHER DE BAILE!
Mih caiu no chão, chorando, o braço latejando com a força dos tapas. O rosto ardia, e já dava pra ver roxos subindo na pele clara.
— Se eu te ver com isso de novo, eu te arrebento — o pastor gritou antes de sair, batendo a porta com violência.
Mih ficou sozinha, soluçando, abraçada a si mesma.
Mais tarde
A porta da sala se abriu com força. K2 chegou, suado do corre, boné virado, olhar desconfiado. Chamou pela prima, mas o silêncio respondeu. Subiu até o quarto dela.
Quando entrou, viu Mih encolhida na cama, o rosto inchado e o braço marcado.
— Caralho, Mih... quem fez isso contigo? — ele se aproximou, já sabendo a resposta.
Ela hesitou, mas não aguentou segurar:
— Foi... foi o pai. Ele me bateu porque me pegou usando um short.
O sangue de K2 ferveu. Ele fechou os punhos, respirou fundo, mas não conseguiu se segurar. Desceu as escadas com passos pesados até a sala, onde o pastor lia a bíblia.
— Pastor... vamo trocar ideia. — K2 disse, a voz carregada de ameaça.
Silas ergueu os olhos, firme:
— Não tenho nada pra falar contigo.
K2 chutou a mesa, derrubando o livro no chão.
— Nunca mais encosta a mão na Mih, ouviu? Nunca mais! Tu acha que porque é pastor tem direito de descontar em cima dela? Se eu descobrir que tu bateu nela de novo, eu mesmo vou mandar tu sumir desse morro.
O velho engoliu em seco. Tentou bancar o rígido, mas sabia com quem falava. O dízimo da igreja vinha do bolso do sobrinho.
— É minha filha... eu educo como eu quiser.
K2 avançou, o dedo quase encostando no rosto dele:
— Não, caralho. Ela é minha prima. Tu só cuida porque a mãe dela não tá aqui. Tu quer continuar com tua igrejinha cheia? Então nunca mais levanta a mão pra ela. Senão eu corto tua fonte, e tu volta a ser mendigo no asfalto.
O pastor Silas abaixou a cabeça. Não ousou responder.
K2 voltou pro quarto. Encontrou Mih ainda encolhida. Sentou do lado dela, tirou um saco de papel da mochila.
— Come, prima. — Ele colocou em cima da cama um X-Tudo embrulhado e um Guaravita gelado. — Tu precisa comer.
Mih olhou pra ele, os olhos marejados. Sorriu de leve, mesmo com o rosto doendo.
— Obrigada, K2.
— Eu tô aqui, tá ligado? Ninguém toca em tu.
Ela mordeu o lanche devagar, tentando esquecer a dor.
O sol nasceu preguiçoso, iluminando as vielas. Mih acordou cedo, ainda com o braço roxo. Vestiu a saia longa novamente e prendeu o cabelo. Mesmo ferida, ainda era sábado dia de culto de manhã.
Saiu de casa com a bíblia no braço, caminhando pelas ladeiras. Passou pelo beco principal, onde sempre tinha movimento de vapores.
E foi ali que viu.
Martins estava parado ao lado de uma moto preta, fumando. Dois homens armados cercavam ele, mas foi o olhar dele que a paralisou.
Os olhos do dono do morro se encontraram com os dela. Por alguns segundos, o tempo parou. Ele tragou devagar, olhando direto pra Mih, como se já soubesse cada segredo que ela escondia.
Depois, o olhar dele desceu para o braço dela, onde a marca roxa escapava por baixo da manga.
Mih corou, baixou os olhos, mas não conseguiu andar. Martins deu uma última tragada, jogou o cigarro no chão e subiu na moto. O motor roncou, ecoando pelo beco.
Ele passou por ela devagar, o olhar ainda cravado nela, como quem marcava território sem dizer uma palavra.
E foi embora, deixando no ar a fumaça e a sensação de que, cedo ou tarde, a vida de Mih e a dele iam se chocar.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 65
Comments
Eloi Silva
o pastor não tem nada e o bode desfraldado porque educa não e espancar os filhos ele tem que se converter antes de dar um de Serginho
2025-09-16
2
Alany Batista Costa
Esses que vivem falando de pecado são os piores e que fazem coisas horríveis odeio fanatismo religioso
2025-09-18
1
Leitora compulsiva
a santinha vai fazer milagre rsrsrsrs ou melhor já está fazendo pq o boy tá mexido 🤭🤣
2025-09-12
1