Capítulo 3

Tomaso sentiu um aperto no peito. A dor dela era crua, real, e o fez lembrar da própria perda, da mulher que amava e que nunca mais voltaria, com o filho deles, que tanto almejavam e sonharam ter. Mas havia algo diferente ali. Dara não estava apenas na pior. Ela estava lutando, pelo filho.

Ele se levantou devagar, pegou uma manta dobrada sobre a poltrona e a colocou sobre os ombros dela com cuidado.

— Você não precisa passar por isso sozinha. — disse, com a voz firme, mas gentil.

— Aqui, você está segura. E eu vou te ajudar. Não nos encontramos, por acaso.

Dara olhou para ele, surpresa, como se não soubesse como reagir à bondade.

— Obrigada... — murmurou, com os olhos baixos.

Ele sorriu indo em direção a porta:

— Agora termina de comer. Depois, descanse. Amanhã a gente vê o que fazer. Posso te levar ao médico, obstetra.

— A farmácia talvez. Grávidas, precisam de vitaminas, acompanhamento.

Ela assentiu, ainda emocionada, e voltou a comer em silêncio. Tomaso saiu do quarto devagar, deixando a porta entreaberta. No corredor, parou por um instante, respirando fundo. Algo dentro dele estava mudando. E ele sabia, aquela mulher não era apenas uma visita passageira. Ela era o início de algo que ele ainda não conseguia nomear, mas que o fazia, não poder desistir.

Dara terminou de comer em silêncio, limpando os olhos discretamente com a ponta dos dedos. O prato estava vazio, e o bebê começou a mexer, agitado, como se quisesse agradecer, a refeição.

Dara esperou um pouco e saiu do quarto, levando a bandeja, quando passou pela sala, falou desconcertada:

— Obrigada, de verdade. Estava delicioso, o bebê gostou, ele se agitou muito. — disse ela, com a voz baixa.

Tomaso assentiu, levantando-se para pegar a bandeja.

— Fico contente. Amanhã irei ao mercado, a geladeira está vazia.

— Se precisar de qualquer coisa, é só chamar. Eu tenho sono leve. — respondeu, sem olhar diretamente para ela.

— Meu quarto, é perto, do seu. Mas eu durmo, na sala, quase todas as noites.

Ele foi para a cozinha, levando a bandeja até a pia. Ela ficou um pouco parada, em pé o observando e retornou para o quarto, sem saber como se comportar, na casa de um estranho.

Tomaso depois, subiu para o quarto onde costumava ficar, mas não dormir. A casa era grande, cheia de cômodos que agora pareciam vazios demais. Cada porta fechada guardava uma memória, cada corredor ecoava o silêncio de uma vida que já não existia.

Ele observou a porta do quarto de Dara, entreaberta, passou reto e foi deitar, pensando na sorte que ela teve. Deitou-se na cama, mas não conseguiu dormir. Ficou olhando para o teto, com os braços cruzados atrás da cabeça, enquanto a chuva continuava a cair lá fora. Ele nem trocou as roupas, achando que ela podia chamá-lo, as pressas.

A ironia do destino o consumia. Sua esposa Maria, havia morrido no parto, depois de várias perdas e tentativas de terem um filho. Um dia que deveria ter sido o mais feliz se transformou no mais cruel. Ele nem quis ver o corpo do filho. Nunca quis saber, se parecia com ela ou ele. Enterrou os dois no mesmo dia e, desde então, carregava um luto que não sabia como abandonar.

E agora, ali estava ele. Ajudando uma mulher grávida, abandonada, fugindo de um passado violento. Uma mulher que, como sua esposa, carregava uma vida dentro de si, mas sem ninguém ao lado. E ainda assim, ela queria aquele bebê.

Tomaso sentia que não podia simplesmente seguir com o plano que havia traçado para si. Não agora. Não com Dara ali. Porque o pior poderia acontecer, ele começou a pensar, reflexivo:

“Talvez eu possa deixá-la com um bom dinheiro”. “Uma das minhas casas, para ter segurança. Tudo o que ela precisa para começar de novo. E depois... depois eu sigo com o que tinha decidido.”

Mas mesmo enquanto pensava nisso, algo dentro dele resistia, receio dela ser ingênua, e perder o que ganhasse. Como se a presença de Dara tivesse acendido uma luz tênue em meio à escuridão que ele habitava há anos. Ele não tinha herdeiros, diretos. Sua família, tinha boas condições, seus sobrinhos eram estudados, todos bem criados. Seus irmãos, eram tinham as próprias coisas, comércios, casas de aluguéis.

Ele virou-se na cama, inquieto. O som da chuva parecia mais suave agora. E pela primeira vez em muito tempo, Tomaso não se sentia completamente sozinho. Esperou ansioso pelo amanhecer, queria saber se Dara teve mais contrações.

O sol ainda mal havia tocado as janelas da casa quando Dara se levantou, curiosa e apreensiva. A casa estava silenciosa, envolta por aquele tipo de paz que só existe no interior. Ela caminhou descalça até a cozinha, com os cabelos bagunçados, a roupa amassada. Estava faminta com a barriga roncando.

Tomou água, e começou limpar a cozinha, foi lavando a louça. Era um gesto de gratidão. Mesmo com medo, ela abriu a geladeira, encontrou uma panela, com o resto do arroz do jantar e, sem pensar muito, pegou uma colher e começou a comer ali mesmo, em pé, com o olhar atento à porta, como se estivesse cometendo um delito.

Tomaso havia acordado pouco depois, tomou banho. Vestiu-se com a mesma simplicidade de sempre, calça de moletom, camiseta escura lisa e foi direto ao quarto de hóspedes. Queria ver como Dara estava, se havia dormido bem, se precisava de algo. Mas ao abrir a porta, encontrou o quarto vazio.

Franziu o cenho e saiu à procura dela pela casa. Ao chegar à cozinha, parou na porta, observando em silêncio.

Dara estava ali, com a panela na mão, comendo deliciosamente, o arroz gelado puro, ficou com os olhos arregalados ao perceber que havia sido flagrada.

— Me desculpa... — disse ela com a boca cheia, foi imediatamente, largando a panela.

— Eu estava com fome... não queria incomodar...

Tomaso se aproximou, sem qualquer sinal de reprovação. Começou rir surpreso.

— Você pode ficar à vontade. Essa casa é grande demais pra continuar vazia. — disse, com um tom divertido.

— E, pra ser sincero, não tem quase nada aqui. Eu vou ao mercado daqui a pouco. Vamos encher essa geladeira.

— Afinal, você ficará hospedada aqui. Coma, pode comer.

Dara sorriu, tímida, ainda constrangida. Pegando a panela novamente.

— Eu agradeço... mas não quero abusar da sua hospitalidade. Hoje, eu vou embora. Já fiquei demais.

— Deve ter uma pousada aqui. Na cidade.

Tomaso a olhou por um momento, pensativo, enquanto colocava a água para ferver. Havia algo nela que o tocava profundamente, talvez a força disfarçada de fragilidade, talvez o fato de que, pela primeira vez em muito tempo, ele se sentia útil.

— Não, eles não dão emprego a uma grávida.

— Você não quer... um emprego? — perguntou, com naturalidade.

— Eu não moro aqui. Só venho de vez em quando. Mas a casa precisa de alguém. Alguém que cuide, que mantenha tudo em ordem.

— Você poderia ficar. Trabalhar aqui. Ter um lugar seguro.

— Claro, quando se recuperar, do nascimento.

Dara ficou em silêncio, surpresa. Seus olhos se encheram de uma mistura de alívio e medo. Era uma oferta generosa, mas também inesperada. Ela abaixou o olhar, pensativa.

— Eu... não sei o que dizer Tomaso. É muita responsabilidade.

Tomaso deu um leve sorriso. Colocando o pó, no coador de café.

— Diz que vai pensar.

— E come direito. Não precisa se esconder pra isso. Tudo o que tiver aqui, você pode comer.

— Menos café, né? Sabe que não pode?

Ela riu, ainda tímida, e foi sentar-se à mesa.

— Não sei nada, disso. Que vergonha.

Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que talvez o mundo estivesse lhe dando uma chance. E pode ser notada, como uma gestante normal. Ela achou graça, do quanto ele dava atenção, a isso.

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Comments

Rosa Maria

Rosa Maria

Ele salvou ela, mais ela vai ser a salvação dele.Sera se não foi a esposa dele que colocou ela no caminho dele.

2025-09-10

2

Marluce Machado

Marluce Machado

Ela está salvando ele sem mesmo saber, e ela a ela, tudo pra dá certo. Eu estou adorando e ansiosa por mas capítulos

2025-09-10

3

Fafa

Fafa

Que lindo!!!! Ajudando ela, ele sem querer encontrou o sentido de continuar vivendo 🥰

2025-09-10

2

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