Centro Renascer

Ia passando pela sala e meu pai me chamou para uma conversa com aquele ar de soberba que só ele consegue ter, misturado com impaciência.

— Marcos, vou falar só uma vez e não vou repetir.

— Fala logo, doutor Paulo Buchala. Tenho coisas melhores para fazer.

Ele soltou uma risada de escárnio, daquelas que me faziam rir involuntariamente:

— Coisas melhores, é? Vai disputar racha com seus amigos idiotas? Ou nadar pelado de novo na fonte da cidade? Não… espera. Melhor a terceira opção: vai bater em um guarda e se meter em problemas com a polícia de novo.

— Ah, pai… essa terceira você acertou em cheio — respondi, meio divertido, meio irritado. — Fui julgado e condenado a serviços comunitários, acho que vou ter que varrer a praça por alguns dias.

Ele franziu a testa, exasperado:

— Serviços comunitários? Não, Marcos. Seu destino é o Renascer. Lá você cumprirá seis meses de pena sob supervisão rigorosa.

— O Renascer? — respirei fundo, tentando disfarçar o choque. — Aquela linha dura? Entre crianças e adolescentes?

— Sim, exatamente. É a melhor forma de garantir que você não cause mais confusão — disse ele, com aquele sorriso de quem se acha dono da situação. — Frei Francisco já deve estar chegando para levá-lo.

_O senhor sabe que lá é um lugar para adolescentes e que eu tenho 41 anos?

_Eu consegui com nosso advogado que trocasse seu serviço voluntário por seis meses lá, quem sabe você vendo os mais novos aprendendo a se portar como homens aprenda a ser um também e pare de me envergonhar.

Suspirei, abrindo os braços como se fosse enfrentar uma sentença de guerra, mas sei que não tem como brigar contra meu pai.

— Três dias, e aquela velha vai desistir de mim — pensei, confiante demais, planejando tocar o terror, vou bagunçar a cabeça dos adolescentes que ela vai me expulsar de lá.

Subi para o quarto e joguei três trocas de roupa em uma mochila, convencido de que três dias seriam tempo suficiente para me divertir, testando limites da velha.

Cada peça parecia dizer:

“Você não vai me dominar.”

Coloquei minha jaqueta de estimação e desci, o Frei Francisco estava na sala, sereno como sempre.

— Bom dia, Marcos. Preparado para o primeiro dia da sua nova vida?

— Não muito… o senhor deve conhecer bem a velhota, não é? — tentei soar indiferente.

O Frei trocou um olhar discreto com meu pai, que piscou para ele, divertido:

— Claro! A velhota… eu a conheço há anos, ajudei a montar o Centro Renascer.

— Avisa para ela que vou tocar o terror e destruir tudo que já salvou! — falei, tentando impor autoridade, mas minha voz traiu meu nervosismo.

O Frei sorriu enigmaticamente:

— Eu queria ver você fazer isso… a velhota vai te derrotar no primeiro olhar.

Subi no carro do frei e o motorista dele saiu como sempre com uma calma que eu não tenho, acho que o tempo que levou de minha casa no Centro Renascer daria para ir até Rio Preto e voltar umas duas vezes de tão devagar que o homem guiava.

O carro entrou por uma porteira bem cuidada e parou no pátio, desci e o primeiro som que chamou minha atenção foi um grasnado estridente, quase feroz. Franzi a testa:

— Que bicho faz esse barulho? Parece perigoso…

Então avistei o ganso: grande, imponente, com aquele olhar fixo e ameaçador. O coração me deu um pulo — como um bicho daquele tamanho poderia ser tão intimidador? E andar solto pelo local?

— Ótimo. Primeiro meu pai, agora um ganso assassino… qual será a próxima surpresa?

Caminhando pelo patio, notei rostos familiares: os rapazes da festa do milho, agora uniformizados e ocupados com tarefas. Um deles quase se engasgou com um copo de água ao me ver, outro tentou esconder atrás de uma mangueira e outro tocou o ganso.

— Olha só… eles também estão aqui — murmurei, franzindo a testa. — E eu que pensei que ia ser divertido destruir tudo sozinho… Esses já serão meus aliados.

Mais à frente, percebi os pais da moça com quem dancei, ocupados com os animais. Franzi o cenho:

Então ela mora aqui? Tudo dentro do centro? Será que ela é uma das internas? Se for, deve ser rebelde, eu vou me divertir muito.

Uma voz firme chamou a minha atenção:

— João, não esqueça de separar os melhores para a exposição! Quero tudo perfeito, temos um mês para organizar!

Me virei e vi Ana, movimentando-se com confiança entre os animais, dando ordens sem notar minha presença.

Ela me trouxe lembranças da festa do milho: firme, decidida, impossível de ignorar. A postura dela exalava autoridade e cuidado, como se dominasse tudo à sua volta sem esforço.

Não estava de uniforme como os rapazes, usava calça jeans, camisa e um boné preto.

O cheiro de feno, de terra molhada e do ganso misturado ao perfume dela me atingiu de repente. Tentei me concentrar, mas o corpo reagiu antes da mente: algo ali me deixava curioso e irritado ao mesmo tempo.

Ela finalmente se virou, notou o Frei e se aproximou:

— Bom dia, Frei Francisco!

Ele apresentou:

— Ana, este é Marcos, o rapaz de quem falei.

Meu corpo congelou. Ela me encarou, e por um segundo o tempo pareceu suspender. Depois começou a rir:

— Nunca diga nunca…

Fiquei surpreso, sem entender direito, tentando manter minha pose:

— Oi… Então… você mora aqui, né?

O Frei, percebendo minha tensão, explicou:

— Marcos, esta é a velhota de quem te falei, minha grande amiga… Tenente Ana Laura Moreno.

Ela arqueou a sobrancelha, olhando para mim com o mesmo olhar de autoridade da festa do milho.

— Velhota? — perguntei, tentando soar desafiador, mas minha voz traiu meu nervosismo.

Ela sorriu levemente, quase imperceptível, e eu percebi que subestimei a situação, nem se alterou com a fala do Frei.

— E você, Marcos… vai se comportar ou quer começar sua estadia causando problemas? — perguntou, firme, sem perder a calma.

— O senhor poderia ter ficado quieto — murmurei para o Frei, entre dentes.

Ele apenas sorriu, divertido:

— Ah, vai ser divertido ver vocês dois se enfrentando. Respeito e disciplina vêm antes de qualquer rebeldia.

Enquanto isso, notei o ganso se aproximando, bicando o chão com aquele olhar fixo. Respirei fundo e recuei um passo, percebendo que ele provavelmente me vigiava como se eu fosse sua presa.

— Excelente. Primeiro desafio: não ser morto pelo ganso assassino — pensei, rindo sozinho.

Cada passo pelo Renascer parecia um teste. O cheiro de ração misturado à terra molhada, o grasnado contínuo do ganso e o som de água corrente do bebedouro deixavam o ambiente mais tenso — e ao mesmo tempo, estranhamente excitante.

Meu pai, deve estar rindo até agora, olha a situação em que me colocou, que não gosta de mim eu já sabia, mas isso foi demais. Posso até ouvi-lo falando.

"Espero que isso funcione. Não aguento mais cuidar de um adolescente de 41 anos. Será que a mulher do Renascer vai consertar meu filho ou vai estragá-lo ainda mais?"

Suspirei, cruzando os braços, tentando disfarçar que aquela observação me cutucava: “Vai ser divertido ver o que você consegue suportar, meu caro Marcos.”

Respirei fundo, tentando manter minha pose de “bad boy”, mas já sabia que essa missão seria muito mais complicada — e divertida — do que eu imaginava. E juro que não vou deixar meu pai me vencer.

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Comments

Irene Saez Lage

Irene Saez Lage

Que coisa em Marcos toma tenência de homem pois com 41 anos nas costas é vergonha agir como adolescente já era pra trabalhando, casado e com filhos

2025-09-10

2

AndressaAutora

AndressaAutora

Parece que não, mas ganso quando sisma contigo já era, haja perna pra correr, experiência própria, já corri muito de ganso quando era mais nova kkkkk

2025-09-22

1

AndressaAutora

AndressaAutora

Meu amigo começa a ver as coisas pelo lado positivo logo kkk

2025-09-22

1

Ver todos
Capítulos
1 A festa do milho
2 Forró,Chutes e Risadas
3 Porta, Risos e Segredos
4 Centro Renascer
5 O primeiro teste
6 Exercícios
7 Vendo Marcos tentar
8 O chiqueiro rebelde
9 O preço da teimosia
10 O preço da responsabilidade
11 Esforço que seduz
12 Entre canções e confissões
13 Um jantar nada discreto
14 O boi fugitivo
15 O suco do destino
16 Doce de cidra
17 Conhecendo o monstro por trás do grasnado.
18 Derrotado por um pato gigante
19 Tem algo estranho no ar
20 Um jantar diferente
21 Os guardiões
22 A roda de viola
23 Estrondos e descobertas
24 Risos que escondem mágoas
25 A jaqueta fantasma
26 Entre jaquetas e provocações
27 Um jantar colorido
28 Dá um beijo nele Marcos
29 Ser da roça não é fácil
30 Moleque insolente
31 O escudo
32 Isso é comida de verdade?
33 Vitória Dobrada
34 O banho de Pingo
35 O banquete
36 O milagre da vida
37 Não!
38 Marcos está tentando
39 Provocações
40 Aqui todos temos partes quebradas.
41 Minha parte quebrada
42 Café da manhã e o ex
43 A horta
44 Bebe Felipe!
45 Ele me entende
46 Entre a proteção e a confiança
47 Colhe o milho direito, menino
48 O ganso que sabia demais
49 O ganso cupido
50 Depois do beijo
51 Estamos namorando?
52 Agora é pra valer
53 Uma noite sem fim
54 Amanhecer e ganso guardião.
55 Dando banho nos bois
56 Cosmos e Mística
57 Uma noite na Expo
58 Diamante vai desfilar
59 PROBLEMAS
60 Entre risos e verdades
61 Um anoitecer tranquilo
62 Vou adotar André
63 Você vai ser meu pai?
64 Visita oficial
65 Uma cartela de camisinhas
66 O que foi? Eu também sei fazer piadas.
67 Cuidado com minhas plantas
68 A visita do García
69 Verdade dolorosa
70 Agora eu tenho uma família
71 Prova de naturidade
72 Fotos e risadas
73 Finalmente o gol
74 Epílogo: Um ano de amor e risos
Capítulos

Atualizado até capítulo 74

1
A festa do milho
2
Forró,Chutes e Risadas
3
Porta, Risos e Segredos
4
Centro Renascer
5
O primeiro teste
6
Exercícios
7
Vendo Marcos tentar
8
O chiqueiro rebelde
9
O preço da teimosia
10
O preço da responsabilidade
11
Esforço que seduz
12
Entre canções e confissões
13
Um jantar nada discreto
14
O boi fugitivo
15
O suco do destino
16
Doce de cidra
17
Conhecendo o monstro por trás do grasnado.
18
Derrotado por um pato gigante
19
Tem algo estranho no ar
20
Um jantar diferente
21
Os guardiões
22
A roda de viola
23
Estrondos e descobertas
24
Risos que escondem mágoas
25
A jaqueta fantasma
26
Entre jaquetas e provocações
27
Um jantar colorido
28
Dá um beijo nele Marcos
29
Ser da roça não é fácil
30
Moleque insolente
31
O escudo
32
Isso é comida de verdade?
33
Vitória Dobrada
34
O banho de Pingo
35
O banquete
36
O milagre da vida
37
Não!
38
Marcos está tentando
39
Provocações
40
Aqui todos temos partes quebradas.
41
Minha parte quebrada
42
Café da manhã e o ex
43
A horta
44
Bebe Felipe!
45
Ele me entende
46
Entre a proteção e a confiança
47
Colhe o milho direito, menino
48
O ganso que sabia demais
49
O ganso cupido
50
Depois do beijo
51
Estamos namorando?
52
Agora é pra valer
53
Uma noite sem fim
54
Amanhecer e ganso guardião.
55
Dando banho nos bois
56
Cosmos e Mística
57
Uma noite na Expo
58
Diamante vai desfilar
59
PROBLEMAS
60
Entre risos e verdades
61
Um anoitecer tranquilo
62
Vou adotar André
63
Você vai ser meu pai?
64
Visita oficial
65
Uma cartela de camisinhas
66
O que foi? Eu também sei fazer piadas.
67
Cuidado com minhas plantas
68
A visita do García
69
Verdade dolorosa
70
Agora eu tenho uma família
71
Prova de naturidade
72
Fotos e risadas
73
Finalmente o gol
74
Epílogo: Um ano de amor e risos

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