Nikos
Toronto nunca dorme. Não importa a estação, o frio cortando os ossos ou a neve cobrindo as ruas como um lençol de silêncio. A cidade sempre pulsa. Mas eu aprendi a viver nas frestas desse pulso, nas sombras que engolem os sons, onde a vida e a morte se decidem em segundos.
Sou Nikos Karras, braço direito do Don Theo Greco. Subchefe da máfia Greco. A mão que executa, o punho que cala, a lâmina que corta.
— E o que sobra depois disso? — perguntei uma vez para mim mesmo, numa dessas noites em que o silêncio grita mais que qualquer rajada de tiros.
O que sobra é vazio.
Trabalhar ao lado de Theo me ensinou duas coisas: primeiro, que nenhum homem, por mais temido que seja, sobrevive sozinho. Segundo, que mesmo o carrasco mais frio pode encontrar redenção em um olhar. Theo encontrou a dele em Naya. Eu vi esse amor nascer diante dos meus olhos, vi o Don, o homem que todos acreditavam incapaz de sentir, se ajoelhar diante de uma mulher.
E eu? Eu assisti de camarote.
Assisti e senti um buraco crescer dentro de mim. Não era inveja, não. Era constatação. Eu me dei conta de que, no fim de cada noite, quando volto do sangue, dos gritos e da pólvora, não há ninguém me esperando. Não há uma voz suave dizendo:
— “Você está vivo”.
Não há calor no meu lado da cama. Só o frio e a escuridão.
E foi nesse momento que senti, pela primeira vez, a necessidade absurda de ter alguém. Não uma mulher qualquer, não um corpo vazio numa cama. Alguém que, mesmo sabendo o monstro que eu sou, escolhesse ficar.
Mas aí vem a verdade. Eu não tenho esse direito. Não sou feito para flores, para amor, para promessas. Eu sou a arma perfeita da máfia Greco. Nasci para obedecer, matar e garantir que nenhum inimigo respire depois de tocar no nome da nossa família.
É isso que eu sou. É isso que eu aceito ser.
E, ainda assim, essa maldita solidão insiste em me visitar quando menos espero. O Don tem sua rainha. Eu? Eu tenho apenas o peso da lealdade, o sangue nas mãos e o silêncio como companhia.
Foi nesse ponto da minha vida que aprendi a lidar com a solidão: afogando-a em whisky, em ordens e em execuções perfeitas.
E, naquela noite em específico, a solidão veio de novo.
O barulho do gelo tilintando dentro do copo foi a única resposta que dei a Theo quando ele entrou no escritório. Ele sempre entrava sem bater, porque o Don Greco não precisava pedir licença em lugar nenhum.
— Você anda calado demais, Nikos. — disse ele, apoiando-se na mesa, os olhos avaliando cada detalhe do meu rosto como se pudesse ler pensamentos.
— Eu sempre fui calado. — Bebi o resto do whisky de uma vez — É por isso que você confia em mim.
Theo riu baixo, aquele riso que mais parecia ameaça.
— Confio em você porque sei que faria qualquer coisa pela nossa família. Mas não é só isso que eu vejo.
— O que você vê? — perguntei, franzindo o cenho.
— Solidão. — A palavra saiu cortante — Você me lembra de mim antes da Naya.
Revirei os olhos.
— Não começa, Theo.
Ele não se intimidou, nunca se intimidava.
— O momento vai chegar, Nikos. Um dia vai aparecer alguém que não vai se importar com o sangue nas suas mãos. Alguém que vai ver além do mafioso que você acha que é.
Soltei um riso curto, sem humor.
— Você fala como se a gente tivesse esse luxo. Amor não se encaixa em homens como nós.
— Se não se encaixasse, eu não estaria respirando agora. — Ele cruzou os braços — O que você acha que mantém um homem de pé? Só poder e medo? Não, Nikos. É a mulher que te encara no fim do dia e ainda assim diz que você é dela.
— Isso não é pra mim. — Respondi firme — Eu aceito o que sou. A arma perfeita da máfia Greco. O subchefe. O monstro que você solta quando precisa.
Theo não insistiu. Apenas me lançou aquele olhar de quem já sabia mais do que eu estava pronto para admitir.
Horas depois, eu estava no meio da rua escura, os sons da emboscada ecoando como trovões em minha cabeça. Gritos, pneus cantando, cheiro de pólvora.
Eu puxei a arma, avancei. Cada disparo era calculado, cada movimento preciso. Era o que eu fazia de melhor: ser letal.
Mas então aconteceu.
No momento em que o cano frio da arma inimiga se ergueu na minha direção, uma sombra atravessou meu campo de visão. Pequena, rápida, insana.
Um disparo. Um gemido. Um corpo caindo.
— Malaka! — xinguei em grego, sentindo o sangue ferver nas veias.
Uma mulher. Uma completa desconhecida havia se jogado na frente de uma bala que era minha.
A raiva me dominou. Eu matei o desgraçado que atirou sem pensar duas vezes, mas quando me virei para ela, deitada no asfalto, o coração bateu de um jeito estranho.
Ela respirava. Fraca, mas respirava.
— Porra, menina… o que você fez? — perguntei, ajoelhando ao lado dela.
O sangue escorria pelo casaco dela, manchando o chão. Eu pressionei a ferida com as mãos, ignorando a bagunça dentro de mim.
— Ambulância! — gritei para um dos meus homens — Agora!
O hospital cheirava a desinfetante e urgência. Eu a vi ser levada na maca, inconsciente, a pele pálida demais. Segui atrás, como uma sombra maldita, com as mãos ainda sujas do sangue dela.
Enquanto esperava, sentei no banco frio do corredor, a cabeça entre as mãos. Uma parte de mim queria ir embora, esquecer, apagar. Mas a outra… a outra me mantinha preso ali.
Uma enfermeira saiu com uma bolsa de pertences.
— É da paciente. — Ela me entregou a bolsa sem perguntar nada.
Foi assim que vi o nome no documento: Hewellyn Fontana.
— Brasileira. — sussurrei — Claro que só podia ser.
Horas depois, ela abriu os olhos. O quarto era pequeno, iluminado demais. Eu estava de pé, no canto, braços cruzados.
Ela piscou algumas vezes, tentando focar.
— Onde eu…?
— Hospital. — Respondi seco — Você quase morreu.
Ela engoliu em seco, a voz fraca.
— Você… é você. — O olhar dela me reconheceu — O cara do tiroteio.
— Você é louca. — Falei sem rodeios — Nunca deveria ter se jogado na frente de uma bala por um desconhecido.
Ela arqueou a sobrancelha, mesmo fraca.
— Belo jeito de agradecer por salvar sua vida.
O sarcasmo dela me pegou de surpresa. Por um segundo, a ponta da minha boca quis ceder num sorriso. Mas eu não permiti.
— Eu não pedi. — Respondi frio — Você devia cuidar da própria vida, não da minha.
— É, de nada. — Ela fechou os olhos por um instante — Na próxima vez, eu deixo você levar o tiro.
A resposta atravessou meu peito como um tiro. Eu soltei o ar pesado.
— Não vai ter próxima vez. — Disse apenas, virando as costas.
Quando saí do quarto, ainda ouvi a voz dela, baixa, irônica:
— Mal educado.
No corredor, minhas mãos tremeram. Não de medo, mas daquela sensação que eu não queria admitir. A fúria de vê-la ferida. A estranha necessidade de protegê-la, mesmo sem saber por quê.
Mas eu sabia uma coisa: Hewellyn Fontana tinha acabado de entrar na minha vida da forma mais perigosa possível.
E nada seria igual depois disso.
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Atualizado até capítulo 43
Comments
Marilena Yuriko Nishiyama
garota vc é uma figura até deitada numa cama de hospital,gostei de vc
2025-09-05
8
Ana Maria Sá
uma fala forte: o monstro que você, solta quando precisa.
entrar numa vida dessa, é caminho sem volta, infelizmente!
2025-10-03
0
Elenilda Soares
amei /Facepalm//Facepalm//Facepalm//Facepalm//Facepalm/ a lingua afiada dela
2025-09-05
3