Capítulo 5

O amanhecer chegou envolto em uma bruma pálida, que parecia estender um véu silencioso sobre a propriedade dos Whitmore. Desci dos meus aposentos cedo demais, como se a noite não tivesse sido suficiente para acalmar meus pensamentos.

Não fora.

O criado me conduziu até os jardins, onde — disseram-me — lady Eveline costumava passear nas primeiras horas da manhã. Parte de mim queria acreditar que minha decisão de descer até ali era mera coincidência. Mas eu conhecia a verdade. Eu a buscava.

O orvalho ainda cobria as pétalas de rosas, pequenas jóias cristalinas refletindo a luz tímida do sol. O ar tinha o frescor da terra molhada, misturado ao perfume quase inebriante das flores. Era um cenário que contrastava violentamente com o que sempre ocupara minha mente. Batalhas. Sangue. Cinzas. Ali, tudo era vida.

E, entre aquela vida, estava ela.

Eveline caminhava devagar, os dedos deslizando de leve pelas pétalas como se temesse feri-las. O vestido claro captava a luz matinal de um modo que quase a tornava etérea, como se não pertencesse a este mundo.

Por um instante, permaneci imóvel, apenas observando. Não era costume meu hesitar, mas com ela cada movimento parecia arriscado demais.

Quando enfim me aproximei, o som das minhas botas sobre o cascalho a fez voltar-se. Seus olhos encontraram os meus, e por um segundo que pareceu uma eternidade, o mundo se calou.

— Lord Blackthorn — disse ela, a voz baixa, mas firme. — Não esperava encontrá-lo tão cedo.

— Nem eu a senhora, milady — respondi, e percebi que minha voz soara mais rouca do que pretendia. — Mas parece que ambos partilhamos do mesmo hábito.

Um rubor leve subiu às faces dela, rápido demais para ser apenas efeito da manhã fria. Seus olhos, no entanto, não se desviaram dos meus.

Aproximei-me alguns passos, mantendo a distância adequada, mas cada centímetro parecia uma batalha.

— Costuma caminhar sozinha por aqui? — perguntei, mais para quebrar o silêncio do que por real curiosidade.

— Sim. — Ela ergueu o queixo, como se se preparasse para um desafio. — Os jardins me trazem paz. Aqui, as pessoas não falam tanto, não exigem tanto. É como se… pudesse respirar.

Suas palavras me atingiram de forma inesperada. Respirei fundo, sentindo o cheiro doce das flores, e pela primeira vez em muito tempo, compreendi o que queria dizer.

— Respirar é um luxo que muitos não podem se permitir — murmurei, quase para mim mesmo.

Ela franziu o cenho, como se quisesse perguntar mais, mas conteve-se. Havia algo nela que me intrigava profundamente: não era apenas sua delicadeza, mas a forma como parecia sentir o mundo com intensidade. Como se cada detalhe tivesse peso.

— E o senhor? — ousou questionar, em voz baixa. — O que busca, vindo até aqui?

A pergunta me pegou desprevenido. Havia mil respostas que poderia dar — todas frias, calculadas, adequadas para manter as distâncias. Mas nenhuma delas alcançou meus lábios.

— Não sei — respondi, por fim, deixando escapar mais verdade do que planejava. — Talvez apenas… ar.

Ela sustentou meu olhar, e naquele instante não havia jardins, nem casas, nem obrigações. Apenas nós dois, como se estivéssemos suspensos entre dois mundos.

O som distante de passos nos corredores devolveu a realidade. Eveline recuou um passo, como se lembrasse de que não deveria estar ali, sozinha comigo. Eu também me afastei, cada músculo protestando contra o movimento.

— Deveríamos voltar — disse ela, com voz controlada.

Assenti.

Mas, enquanto caminhávamos lado a lado em silêncio, percebi algo que me perturbou profundamente: cada segundo ao lado dela me prendia mais do que qualquer corrente.

E pela primeira vez em muitos anos, temi que não fosse capaz de romper essas amarras.

O caminho de volta à casa foi silencioso. Cada passo de Eveline sobre o cascalho soava como um compasso marcado dentro de mim. Havia algo na leveza de seus movimentos, na forma como mantinha a cabeça erguida apesar da timidez evidente, que me arrancava de mim mesmo.

Ela não falou mais nada. Eu também não. E, no entanto, o silêncio entre nós parecia mais eloquente do que qualquer palavra.

Ao chegarmos à entrada, ela inclinou a cabeça em um gesto contido, quase formal, mas seus olhos — ah, seus olhos — ainda estavam sobre mim quando se virou para subir os degraus.

Observei-a desaparecer entre as colunas do hall, e só então percebi o quanto minhas mãos estavam cerradas, como se eu tivesse acabado de deixar escapar algo que não sabia se desejava ou temia.

Fiquei ali, imóvel, por tempo demais. Até que a brisa da manhã trouxe de volta o perfume das flores e, junto com ele, o peso das lembranças que tanto me esforço para enterrar.

Era perigoso. Perigoso demais.

Não deveria permitir que ela me afetasse. Eu sabia. Eu, melhor do que qualquer um, compreendia o risco de entregar espaço a sentimentos. A guerra havia me ensinado que afeto é fraqueza. Que apego é uma sentença de morte.

E, no entanto, Eveline não era apenas um rosto bonito em meio a tantos. Ela me lembrava de algo que eu havia esquecido que existia: humanidade.

O que me deixava ainda mais inquieto era o fato de que ela parecia tão alheia a esse poder que exercia. Não havia cálculo em seus gestos, não havia sedução premeditada em seus olhares. Era genuinidade. Era pureza. E isso a tornava mais perigosa do que qualquer inimigo já enfrentado.

A lembrança dela deslizando os dedos pelas pétalas, como se temesse machucá-las, não saía da minha mente. Por um instante, desejei ser tratado assim: não como uma arma, não como uma lenda de guerra, mas como algo vivo, ainda digno de cuidado.

Afastei o pensamento como se fosse uma tentação indigna.

Respirei fundo, endireitei os ombros e voltei a andar. O mundo não esperava que eu me rendesse a devaneios. Havia alianças a serem discutidas, estratégias políticas a serem traçadas. Eu não era livre para me deixar dominar por uma jovem — por mais fascinante que fosse.

Mas, no fundo, sabia a verdade que mais temia:

a cada vez que me permitia estar perto dela, um pedaço das minhas muralhas ruía.

E, no fim, talvez eu nem quisesse mais reconstruí-las.

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