CAPÍTULO 2

Capítulo 2 — Eduardo

Eu cresci acreditando que meu destino já estava traçado muito antes de eu aprender a caminhar. Quando se nasce dentro de uma família como a minha não existe espaço para escolha não existe espaço para erro não existe espaço para seguir os próprios desejos. Meu pai sempre repetia que eu tinha a obrigação de ser perfeito que eu tinha a obrigação de manter o nome da família limpo e forte. Tudo em mim precisava ser planejado moldado e executado com precisão cirúrgica como se eu fosse apenas uma extensão da vontade dele e nunca um ser humano completo.

Desde criança meus amigos foram escolhidos a dedo de acordo com os interesses dos negócios do meu pai. Minhas escolas foram definidas não pelo que eu queria aprender mas pelo prestígio que o nome da instituição traria para a família. Minha carreira já estava escrita muito antes de eu escolher uma faculdade porque meu futuro não era meu era dos Vasconcelos.

E então veio o casamento.

Eu nunca pedi para me casar com Helena. Eu nunca olhei para ela quando éramos jovens e pensei que queria aquela mulher ao meu lado. Era simplesmente um acordo entre famílias uma negociação travestida de cerimônia. Nossos pais enxergavam em nós apenas a continuação dos impérios que haviam construído e para eles não importava se existia amor paixão ou desejo. Tudo que importava era unir fortunas assinar contratos e manter aparências.

Quando Helena entrou na igreja naquele vestido branco eu não senti nada além de resignação. Ela era bonita de uma forma discreta suave quase apagada. O tipo de mulher que jamais chamaria atenção em um salão cheio de pessoas. Correta demais contida demais silenciosa demais. Era a esposa ideal para quem queria paz para quem queria estabilidade para quem queria alguém que nunca questionasse nada. Mas eu nunca quis paz. Eu sempre quis fogo.

O acidente mudou tudo.

Foi rápido demais um segundo de descuido um carro em alta velocidade e de repente a escuridão tomou conta da minha vida. A cegueira foi como uma sentença. Não enxergar significava perder o controle e eu sempre precisei de controle para respirar. De repente o homem perfeito que meu pai havia moldado estava caído no chão incapaz de ver sequer o próprio reflexo.

E Helena permaneceu.

Ela se tornou meus olhos minha bengala minha sombra. Ela guiava meus passos ela descrevia o mundo que eu já não podia ver ela segurava minha mão como se tivesse o poder de me manter inteiro. Eu reconheço que foi leal eu reconheço que foi forte mas eu também lembro de como me sentia cada vez que ouvia sua voz carregada de piedade. Ela não me desejava ela me cuidava. Existe uma diferença brutal entre essas duas coisas.

Cinco anos.

Foram cinco anos de escuridão cinco anos ouvindo sua respiração no mesmo quarto cinco anos sentindo sua presença constante sem nunca sentir chama. Não havia paixão não havia intensidade não havia nada além de rotina. E quanto mais ela se doava mais eu me sentia preso mais eu sentia que ela me sufocava sem perceber. Eu me tornava pequeno diante da devoção dela e eu odiava ser pequeno.

A cirurgia aconteceu e com ela a chance de renascer. Quando recuperei a visão o primeiro rosto que vi foi o dela. Pálida magra com olheiras profundas e um sorriso frágil tentando esconder o cansaço. Aquilo deveria me emocionar mas só me trouxe repulsa. Não porque ela fosse horrível mas porque naquele rosto eu via a lembrança constante da minha fraqueza. Helena havia se transformado em uma sombra e eu não queria mais viver cercado por sombras.

E então Alice.

Alice sempre foi diferente. Desde que nos conhecemos eu sabia que ela era o oposto da irmã. Linda provocadora cheia de vida e de insolência. Ela nunca fingiu ser o que não era nunca tentou esconder o brilho dos próprios olhos nem disfarçar o desejo. Alice me olhava com fogo não com piedade. Alice me desafiava não me controlava. Alice me fazia sentir vivo enquanto Helena me fazia sentir morto.

Eu resisti por algum tempo eu juro que resisti. Sabia que era errado sabia que era traição sabia que era o tipo de ato que destruiria uma família inteira. Mas havia algo inevitável naquela atração algo que queimava e me corroía por dentro até que um dia simplesmente deixei acontecer. O toque dela me devolveu a sensação de ser homem novamente não apenas um sobrevivente carregado pela paciência de uma esposa conveniente.

Helena nos flagrou e naquele momento eu poderia ter fingido arrependimento eu poderia ter me calado eu poderia ter pedido desculpas. Mas eu não consegui. Quando vi o rosto dela quebrado quando percebi que as lágrimas estavam prestes a cair eu senti algo que não queria sentir e por isso precisei me proteger com crueldade. Então eu ri. Ri porque era mais fácil do que admitir que ainda existia uma parte de mim que devia gratidão a ela. Ri porque era mais fácil machucar do que confessar que estava destruindo a única pessoa que nunca me abandonou.

As palavras saíram sozinhas. Você sabia que eu não a desejava.

Eu vi quando elas perfuraram o coração dela mas eu não recuei. Porque recuar significaria admitir fraqueza e eu não posso ser fraco. Não depois de tudo que perdi não depois de tudo que meu pai exigiu de mim não depois de tudo que construí para me manter de pé.

Agora Helena anda pelos corredores da empresa como um fantasma. Os funcionários cochicham todos sabem todos comentam sobre como eu a troquei pela própria irmã. Alguns a olham com pena outros com desprezo e poucos têm coragem de encarar os meus olhos. Eu não me importo. Que falem que julguem que apontem. Eu já vivi tempo demais me importando com o que os outros pensam.

Alice caminha ao meu lado com o queixo erguido sem se importar com os olhares venenosos. Ela gosta do escândalo ela gosta do poder que conquistou. Eu sei que ela sente prazer em ter vencido a irmã e eu não a culpo por isso. Talvez eu devesse mas não culpo. A verdade é que ela me dá algo que Helena jamais poderia me dar.

Deveria me importar com o sofrimento de Helena deveria talvez pensar em como destruí a mulher que esteve ao meu lado quando eu estava perdido. Mas a vida inteira eu fiz o que deveria. E pela primeira vez eu escolhi o que queria.

Eu quero ser livre.

E Helena não é liberdade.

Alice é.

Eu espero que ela assine logo os papéis do divórcio porque eu não suporto mais a presença dela todos os dias nos corredores da empresa. Não suporto os olhares dela quando me encara como se ainda houvesse algo a salvar. Não existe nada a salvar entre nós. Nunca existiu.

Helena foi uma obrigação Alice é uma escolha.

E talvez um dia eu pague por essa escolha talvez um dia eu perceba que a chama que Alice traz é também a chama que consome e destrói. Mas até lá eu vou viver o que eu quero viver.

Porque eu cansei de ser o filho obediente cansei de ser o marido perfeito cansei de ser o homem moldado pelas vontades dos outros.

Agora eu sou o homem que escolhe.

E escolhi Alice.

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Comments

Mônica

Mônica

E será o homem q vai receber, sim vc vai receber a maior traição, pq é isso q Alice vai fazer com vc.
Vai ser corno, e TODOS vão saber.

2025-08-30

0

Maria Luísa de Almeida franca Almeida franca

Maria Luísa de Almeida franca Almeida franca

que escória esses dois se merece ela tem que ir embora para outro lugar bem longe desse crápula

2025-08-29

1

Bianca🌹

Bianca🌹

Sem palavras para definir esse homem que colocou toda a frustração da vida miserável dele na pessoa que esteve do lado dele quando mais precisou Espero que ela não volte para esse canalha egoísta.

2025-08-30

3

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