A tarde caiu lenta sobre a Fazenda Montenegro, tingindo o céu de tons dourados e alaranjados. O silêncio dos campos parecia contrastar com o turbilhão que a visita de Benício Bittencourt deixara dentro da casa. Os peões já haviam voltado ao serviço, como se nada tivesse acontecido, mas para a família Montenegro, o dia estava longe de terminar.
Na sala de estar, Eva caminhava de um lado para o outro, os olhos faiscando de indignação. As mãos, ainda trêmulas, seguravam o lenço de renda como se quisessem rasgá-lo.
— Eu não acredito que você deixou aquele rapaz entrar em nossa casa, Alberto! — disse, a voz carregada de fúria contida. — Um Bittencourt, sentado no sofá da nossa sala como se fosse um convidado de honra!
Alberto, acomodado na poltrona de couro, acendeu um cigarro com calma. Seus olhos permaneciam firmes, mas havia uma tensão em sua postura que só Ricardo percebeu.
— Ele entrou porque eu permiti — respondeu, em tom grave. — E porque não seria prudente fechar a porta na cara de quem veio em nome do pai.
Ricardo, que permanecia em pé, próximo à janela, falou num tom contido, mas carregado de firmeza:
— Mãe, a senhora tem razão. A presença dele aqui é perigosa. Não podemos confiar em nada que venha dos Bittencourt.
Eva virou-se rapidamente para o filho, apoiando-se em suas palavras.
— Vê, Alberto? Até Ricardo sabe! Eles sempre foram traiçoeiros. Hoje é uma visita com palavras bonitas, amanhã é uma emboscada.
O patriarca soltou a fumaça devagar, encarando os dois.
— Vocês falam como se eu tivesse esquecido o passado. Mas eu sei muito bem quem são os Bittencourt. Só que recusar diálogo também é dar a eles motivos para nos atacarem.
— Diálogo? — Eva ergueu o tom de voz. — É isso que você chama de diálogo? Um rapaz cheio de sorrisos falsos, tentando se infiltrar na nossa casa? Não me surpreenderia se fosse um plano para sondar nossas fraquezas.
Ricardo cruzou os braços, rígido. — Concordo com a mãe. O jeito que ele se portou… parecia demasiado seguro, quase ousado. É como se quisesse mostrar que pode vir aqui quando bem entender.
O silêncio caiu por alguns instantes, quebrado apenas pelo estalar da madeira na lareira. Alberto apoiou o cachimbo sobre a mesa e recostou-se, fitando o vazio.
— O rapaz é jovem. Talvez queira provar algo ao pai. Talvez esteja cansado de herdar uma guerra que não começou.
Eva não conteve o riso irônico.
— Não seja ingênuo, Alberto. O sangue deles é o mesmo, e a arrogância também. Não me importa se veio com falas de paz. Um Bittencourt jamais será digno de confiança.
Ricardo estreitou o olhar, pensativo. — Se realmente buscasse paz, teria vindo com José Eduardo. Um herdeiro não fala pelo patriarca. Para mim, ele apenas quis medir terreno… e medir a nós.
As palavras pairaram pesadas. Do corredor, sem que percebessem, Mia escutava a conversa em silêncio. O coração dela ainda palpitava pelo breve encontro de olhares, mas a dureza da família a fazia sentir-se culpada por aquilo que nascera sem querer. Pérola, ao lado dela, apenas arqueou a sobrancelha, murmurando num tom zombeteiro:
— Viu, irmã? O príncipe encantado já começou uma guerra só com a presença dele. Imagine quando descobrirem que você ficou vermelha só de olhar para ele…
Mia corou ainda mais, desviando o rosto.
— Não fale assim, Pérola… Não é nada.
— Nada? — Pérola riu baixinho. — Ah, Mia… eu conheço esse olhar. E posso garantir que ele também olhou para você como quem vê algo raro.
Enquanto as irmãs trocavam palavras baixas, na sala a discussão prosseguia.
— Preciso que me escutem — disse Alberto, levantando-se finalmente. Sua voz encheu o cômodo, grave e imponente. — Não confio em José Eduardo, nunca confiei. Mas há algo no filho dele que me intriga. E isso pode ser vantagem ou ameaça. Cabe a nós descobrir qual das duas.
Eva encarou o marido, furiosa. — Está pensando em permitir que esse rapaz volte aqui?
— Se ele voltar, não será sem que eu saiba. E se voltar, teremos que estar preparados. — Fez uma pausa, olhando para Ricardo. — Você, sobretudo.
Ricardo assentiu com seriedade. — Não se preocupe, pai. Eu ficarei atento.
Eva, no entanto, não parecia convencida. — Pois eu digo: esse Benício Bittencourt não deveria ter cruzado nossos portões. O destino nunca sorri quando inimigos compartilham da mesma mesa.
As palavras dela ecoaram no ambiente como uma profecia. Do corredor, Mia sentiu o peso daquelas frases cair sobre si, como se a mãe tivesse adivinhado o que já brotava dentro de seu coração.
Naquela noite, cada um da família Montenegro recolheu-se aos seus aposentos, mas o silêncio não trouxe paz. Para Alberto, a visita deixara dúvidas estratégicas; para Eva, a semente da desconfiança crescia cada vez mais; para Ricardo, era um alerta a ser observado.
E para Mia, era o começo de um segredo impossível de ser esquecido.
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Atualizado até capítulo 39
Comments
ivone lima juliace
Nossa coitados pagar por uma guerra que não participaram que nem sabe pq começou 🥺🥺🥺🥺
2025-09-06
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Maria Luiza Marques
Já estou presa aqui kk
2025-08-27
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