A manhã seguinte amanheceu pesada na mansão Maori, como se até as paredes sentissem o peso do que havia acontecido na noite anterior.
Do lado de fora, o jardim era um contraste quase cruel: o orvalho brilhava nas folhas, os pássaros cantavam, e a brisa leve carregava o perfume das magnólias.
Por dentro, porém, o ar estava denso, abafado, cheio de palavras não ditas.
Francesca desceu as escadas devagar, cada degrau parecendo mais alto que o anterior.
O peso do teste da sogra ainda latejava em seu braço, mas o que realmente incomodava era a lembrança do olhar de Dona Lara — frio, calculista, como se medisse até onde a nora aguentaria antes de quebrar.
Aquilo não tinha sido apenas um teste… tinha sido um recado.
Na sala de estar, Vitório já a esperava. Estava sentado no sofá, mas o corpo tenso denunciava que não conseguia relaxar.
Quando a viu, levantou-se de imediato, cruzando a sala em poucos passos.
— Dormiu bem? — perguntou, mesmo sabendo a resposta.
— Como se alguém pudesse dormir depois de ontem — ela respondeu, sem esconder o cansaço.
Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos. — Eu sei… mas você foi bem. Muito bem.
Francesca forçou um sorriso. — Se isso foi “bem”, não quero saber o que é “mal”.
Os dois se sentaram lado a lado. Vitório segurou a mão dela, apertando levemente, como se tentasse transferir força.
— Você acha que ela me odeia? — Francesca perguntou, com a voz mais baixa.
— Não. — Ele hesitou. — Acho que ela está testando. É assim com todos… mas com você, vai ser pior.
— Por quê?
Vitório desviou o olhar, evitando responder. Francesca percebeu, mas não insistiu. No fundo, já sabia: não era apenas uma questão de aceitação, era sobre poder.
Lá fora, no corredor, passos lentos ecoaram. Lúcio Lucchesi, o secretário, passou diante da porta aberta.
Olhou discretamente para o casal, sem diminuir o passo, mas guardando cada detalhe na memória.
Nada escapava a ele — o leve tremor nas mãos de Francesca, a tensão no maxilar de Vitório, o silêncio desconfortável que se estendia entre as palavras.
E por trás daquele olhar aparentemente cortês, havia cálculos. Muitos cálculos.
Lúcio tinha um talento especial para permanecer invisível, para se infiltrar em conversas e momentos sem que percebessem.
Não havia pressa em seus movimentos, mas cada ação era parte de um tabuleiro maior.
Ele sabia que o verdadeiro jogo na mansão não era jogado à mesa do jantar, mas nos intervalos, nos olhares, nos silêncios carregados.
No refeitório, Dona Lara tomava o café da manhã sozinha.
A xícara de porcelana estava intacta sobre o pires, mas o café esfriava enquanto ela revisava uma pilha de documentos.
Quando Francesca entrou, sentiu o peso daquele olhar outra vez.
— Sente-se — ordenou Lara, sem levantar a voz, mas com firmeza suficiente para cortar o ar.
Francesca obedeceu.
Por alguns segundos, o único som foi o tic-tac do relógio na parede.
Finalmente, Lara falou:
— Na minha casa, força não é opcional. E coragem… menos ainda.
Francesca manteve os olhos fixos na xícara.
— Entendido, senhora.
— Não me chame de senhora. Ainda não.
Vitório entrou logo depois, quebrando o clima.
— Bom dia, mãe.
Lara apenas inclinou a cabeça, sem um sorriso.
Vitório serviu café para si e para Francesca, como se fosse um gesto trivial — mas para ela, parecia um escudo silencioso contra a hostilidade que sentia.
Do outro lado da casa, Lúcio observava tudo de um ponto estratégico no corredor.
Não havia pressa em agir. Ainda não.
O importante era reconhecer as rachaduras antes que os outros as percebessem.
E ele já via algumas: Francesca ainda não tinha um lugar seguro ali; Vitório oscilava entre a lealdade à mãe e à noiva; e Lara… Lara parecia testar todos ao mesmo tempo, como se já esperasse uma traição iminente.
Depois do café, Francesca decidiu dar uma volta pelo jardim para respirar.
O sol começava a ganhar força, aquecendo o ar frio da manhã.
Ela fechou os olhos por um instante, tentando afastar o peso que carregava desde o teste.
Mas a paz durou pouco. Sentiu alguém se aproximar.
— Primeiros dias nunca são fáceis. — A voz veio baixa, quase amistosa.
Ela abriu os olhos e viu Lúcio, com aquele sorriso que parecia cortês demais para ser sincero.
— Imagino que a senhora Lara tenha suas… maneiras — ele continuou.
— E você sabe bem quais são, não é? — Francesca retrucou, não querendo dar margem.
O sorriso de Lúcio se alargou.
— Eu observo. É o meu trabalho. Observar… e proteger.
Ela não respondeu. Virou-se e seguiu pelo caminho de pedras, mas sentiu os olhos dele em suas costas até dobrar a esquina.
De volta à sala, Vitório aguardava, com uma expressão que misturava preocupação e determinação.
— Não deixe ninguém te intimidar, Francesca. Ninguém.
Ela assentiu, mas por dentro sabia que era mais fácil falar do que fazer.
A mansão era um labirinto de alianças, segredos e testes silenciosos. Um passo errado e ela poderia se perder para sempre.
No andar de cima, Lara fechava a pasta de documentos.
A mente dela estava tão ocupada quanto a de Lúcio, mas em outra direção.
Ela sabia que a chegada de Francesca poderia ser uma fraqueza… ou uma força.
O tempo diria.
Naquela manhã, cada um tinha sua própria batalha:
Francesca, para provar que merecia estar ali.
Vitório, para equilibrar o amor e a lealdade.
Lúcio, para ajustar as peças do seu jogo invisível.
E Lara, para decidir quem seria aliado e quem seria descartável.
O sol subia no céu, iluminando a fachada da mansão Maori, mas por dentro as sombras se moviam, silenciosas.
Francesca ainda não sabia, mas o verdadeiro jogo de poder só começava quando se aceitava o risco de perder tudo.
E ela… não estava
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Atualizado até capítulo 79
Comments
Vanildo Campos
🙄🙄🙄🙄🙄🙄
2025-09-08
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