A Princesa Queimou o Castelo

A sala estava iluminada demais para a hora do dia. As cortinas brancas deixavam a luz do fim da tarde atravessar o ambiente de forma irritante. Os móveis de madeira escura e mármore, o tapete persa, os quadros de família na parede… tudo naquela casa gritava "status", mas Isabela só ouvia "prisão".

Ela encarava o próprio reflexo no espelho da sala, segurando a alça da bolsa com força. O salto fino ecoava no chão de porcelanato conforme ela andava de um lado pro outro.

Rodrigo estava atrasado.

De novo.

Ela não estava mais com paciência pra aquilo.

A porta se abriu com força. O homem de terno cinza entrou, falando ao celular.

— Não, deputado. Eu já falei que vamos resolver isso com o presidente da comissão. A imprensa tá do nosso lado. — olhou de relance pra ela e ergueu um dedo, pedindo silêncio. — Sim. Isso. Confirma o jantar com os financiadores. Amanhã às oito.

Desligou.

Ela cruzou os braços.

— Você me chamou aqui pra falar ou pra mostrar o quanto é ocupado?

— Boa tarde pra você também, amor — disse ele, irônico, pendurando o paletó na cadeira. — Achei que tava com saudade.

— Se saudade tivesse nome e rosto, certamente não seria o seu.

Rodrigo riu, passando a mão no cabelo.

— Tá com esse gênio todo por quê? — aproximou-se, tentando beijar o rosto dela. — TPM?

Ela virou o rosto, desviando.

— Rodrigo, vamos direto ao ponto. Por que me chamou aqui?

Ele parou. O sorriso saiu do rosto. Os olhos escureceram.

— Porque você anda mentindo pra mim.

Ela ergueu o queixo.

— Eu?

— Eu tenho olhos, Isabela. Tenho gente que me diz onde você pisa. E a princesa da Zona Sul resolveu subir favela agora?

O silêncio caiu pesado. Ela manteve a postura.

— E daí se resolvi me envolver com um projeto social?

— Um projeto social?! Em uma das comunidades mais perigosas da cidade? Você acha que sou idiota?

— Eu acho que você está acostumado a controlar mulheres que abaixam a cabeça. Eu não sou uma delas.

— Desde quando você vai sozinha pra lugar onde tem tiroteio?

— Desde que percebi que minha vida era mais vazia que discurso político.

Rodrigo bateu com força na mesa, fazendo um vaso de vidro tremer.

— Quem é ele?

Ela nem fingiu surpresa.

— Não tem “ele”.

— Isabela…

— Você não tem direito nenhum de me interrogar. Nós estamos noivos porque nossas famílias assinaram papéis, fizeram alianças e fingiram que éramos um casal perfeito. Mas a verdade é que você nunca me viu de verdade. Nunca me amou. Só me usou como propaganda.

Rodrigo se aproximou. Rápido. Forte. Agarrou o braço dela.

— Eu não sou um homem que gosta de ser desrespeitado.

Ela não se moveu. Nem tremeu. Só encarou.

— Solta o meu braço.

— Ou o quê?

— Ou você vai descobrir que não é o único que tem aliados perigosos nessa cidade.

Ele arregalou os olhos por um segundo. Um leve tremor de surpresa.

Ela aproveitou e puxou o braço de volta.

— Você acha que pode me ameaçar? — ele disse, com a voz baixa, fria.

— Não tô te ameaçando, Rodrigo. Tô te avisando. Me deixa em paz. Me deixa livre. Ou vai ser pior pra você.

— E se eu não deixar?

Ela sorriu. Um sorriso perigoso, inédito nela. O tipo de sorriso que alguém só aprende quando encara o caos de perto… e sobrevive.

— Aí você vai ver a mulher que te disseram pra nunca provocar.

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Naquela noite, ela voltou pra casa com o coração acelerado, mas não era medo. Era libertação.

Pela primeira vez na vida, ela tinha enfrentado Rodrigo. E vencido.

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Na Zona Norte, no alto da laje, Kael acendia um cigarro sem pressa.

— A mina não apareceu hoje — comentou Dedé.

Kael soltou a fumaça devagar, olhando pro céu.

— Ela vai aparecer.

— E se o boy dela descobrir?

Kael sorriu de canto.

— Deixa ele descobrir. Quero ver ele subir aqui pra conversar comigo.

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Enquanto isso, Rodrigo estava em um carro preto, estacionado a duas ruas da favela. O vidro abaixado. O olhar cheio de ódio.

— Então é aqui que ela anda entrando…

Ao lado dele, um homem de barba por fazer, camiseta simples e coldre escondido, respondeu:

— É, doutor. Dizem que ela é protegida do Kael.

Rodrigo cerrou os punhos.

— Protegida ou brinquedo?

— Isso não sei. Mas posso descobrir.

Rodrigo olhou pro morro iluminado ao longe.

— Descubra. E se for o que eu tô pensando… faz esse tal de Kael desaparecer.

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No dia seguinte, Isabela subiu o morro outra vez. Agora de óculos escuros, calça larga e camiseta branca. Invisível. Tática.

Ela sabia que estava sendo observada.

Mas não estava mais fugindo de nada.

Quando chegou ao centro comunitário, Kael já a esperava, encostado na parede, braços cruzados, expressão dura.

— Você sumiu ontem.

— Tive que lidar com um fantasma do passado.

Ele se aproximou, tirou os óculos dela com delicadeza e encarou os olhos.

— Tá tudo bem?

Ela hesitou. Mas respondeu:

— Não. Mas vai ficar.

— Ele te encostou?

Ela desviou o olhar.

Kael se aproximou ainda mais.

— Se ele encostou em você, Isabela, fala. Porque eu mesmo desço lá e...

— Não. Eu me defendi. Sozinha.

— Mas você não precisa estar sozinha.

Ela sorriu, amarga.

— E você vai fazer o quê, Kael? Vai me proteger com um fuzil e me esconder numa laje?

Ele sentiu o golpe.

— Eu não sou seu refúgio.

Ela continuou:

— Você é o caos. O meu caos preferido, talvez… mas ainda caos.

— Então por que você volta?

Ela respirou fundo.

— Porque eu nunca fui feita pra viver numa redoma. Porque eu gosto do que sinto quando olho pra você. Mas isso não quer dizer que você me tem.

Kael encostou a testa na dela.

— Você tá me enlouquecendo.

— Ótimo. Agora você sabe como eu me sinto.

O beijo não veio. De novo.

Ela se afastou com um sorriso lento, provocante.

— Eu vou subir pra reunião com as mães. Quer vir? Ou vai ficar aí, queimando?

Ele ficou. Queimando.

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Do alto de uma laje, um homem tirava fotos com um celular.

Fotos de Isabela com Kael.

Fotos que seriam enviadas a Rodrigo.

A guerra ia começar.

E ela seria o fogo no centro de tudo.

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