DESCOBRINDO

ELLA

Ao chegar em casa à noite, percebi de cara: havia algo errado. Todos estavam reunidos na sala, minha mãe, Lilly, e até o Lennart, o meu padrasto. O ambiente estava estranho, aquele típico silêncio constrangedor, do tipo “algo vai acontecer, mas ninguém quer ser o primeiro a falar”.

Mãe (Estela):“Ella, vai tomar um banho. Você estava na rua. Depois desce para jantar conosco. Em família.”

Ella: “Não, eu agradeço, mas vou descansar.”

Mãe (Estela): “Não estou perguntando, estou mandando.”

Ella: “Tudo bem...”

Respondi com um meio sorriso forçado e olhei para Lilly, que já me lançava aquele olhar de “você vai adorar o que vem aí”. E como boa sobrevivente dessa casa, me preparei para o show.

Quando todos estavam reunidos, inclusive o meu padrasto Lennart, que raramente se envolve em qualquer coisa, minha mãe tomou a frente.

Mãe (Estela): Pessoal, a Lilly tem uma novidade.

Lilly: Tô grávida.

Silêncio. De novo.

Lennart: Grávida?

Lilly: Sim, pai. Do Gustav.

Lennart: Do grande Gustav? Sério, Lilly? Bom… então precisamos planejar tudo. Não posso deixar minha filha desonrada. Ele terá que casar com você.

Ella: Meus parabéns. Felicidades.

E foi aí que entendi o golpe, falei, com a voz mais neutra que consegui. Por dentro, uma mistura de “eu sabia” com “não acredito”.

Me encostei na cadeira, esperando a próxima bomba, porque, com essa família, nunca é só uma.

Lilly: Eu te agradeço, irmãzinha… por me deixar roubar seu convite.

Ella: Ganhou a vida com esse roubo.

Foi ali que tudo se encaixou. Os sorrisos, o brilho nos olhos, as sacolas, o Gustav... tudo. Agora entendi. E sinceramente? Que Deus tenha misericórdia dessa criança. Vai precisar.

Mãe (Estela): E você, mocinha, vê se não conta nada por aí. Vamos precisar ser discretas, para contar ao Gustav com calma. Não quero que ele ache que estamos atrás do dinheiro dele.

Dei uma risadinha seca. Irônica. A clássica tentativa da minha mãe de parecer nobre, quando, no fundo está montando uma estratégia como se fosse empresária.

Ella: Sério, mãe? Vejo que a minha irmã pode ser muitas coisas, mas burra não é. Só… cuidado. Porque, pelo que sei, o nome dele é ‘grande Gustav’ por um motivo. E não tô falando só da fama.

Mãe (Estela): Não venha com essas ameaças vazias. Isso não tem nada a ver com você. Só preciso que fique mais em casa. Vamos mostrar à sociedade que somos uma família direita. Não quero ninguém se metendo em escândalos.

Ella: Família direita? Sério? A filha engravida do cara rico da festa usando convite roubado e o plano agora é… esconder, fingir compostura e torcer para ele casar? Tá bom, mãe. Entendi.

Minha mãe, tentando manter o controle. O tom dela era sempre firme, mas eu sabia, que minhas palavras a deixaram com odio.

Mãe (Estela): Se quer criticar, critique em silêncio. Você pode não entender, Ella, mas às vezes, manter as aparências salva-vidas. Ou pelo menos evita desgraças.

Ella: Ou só adia.

Deixei essa no ar e saí. Porque, às vezes, a melhor resposta é o eco que fica quando a verdade é dita.

Entrei no meu quarto, troquei de roupa, prendi o cabelo e já me preparava para deitar e fofocar com a Asha, quando ouvi alguém bater na porta.

Lilly: Posso entrar?

Revirei os olhos. Lá vem problema disfarçado de conversa.

Ella: Pode.

Ela entrou sem cerimônia, como se ainda morássemos num mundo onde as coisas entre nós estavam bem.

Lilly: Não gostou da surpresa, né?

Ella: Não sou eu que tenho que gostar.

Ela soltou aquele riso curto, cínico, carregado de deboche. Nem fingiu um pingo de arrependimento.

Lilly: Olha, foi destino. Se você tivesse ido, talvez nem tivesse acontecido nada. Eu fiz o universo funciona

Ella: Você fez o universo funcionar ou só funcionou do único jeito que você sabe: pegando o que não é seu e fingindo que era para ser?

Ela silenciou por um segundo. Só um. Mas com Lilly, isso já é raro. Quase achei que fosse recuar.

Lilly:

“Quer saber? Pode continuar com essa pose de santa. Mas eu tô aqui, com a minha vida andando, sendo notada, sendo importante. Grávida ou não, eu sou lembrada. Você? Você continua invisível. Perfeita, certinha… e completamente esquecida.”

Fiquei firme. Nem um piscar.

Ella:O que você pensa de mim, sinceramente, não me importa. Mas saiba de uma coisa: se precisar de mim por causa da criança que está no seu ventre, pode contar. Porque ela não tem culpa da vida que terá com uma mãe como você.

Ela congelou por um momento, saiu do quarto com o mesmo sorrisinho vitorioso de sempre. Mas dessa vez… parecia mais frágil.

Me joguei na cama, peguei o celular e disquei o número da única pessoa que ainda fazia sentido nesse mundo maluco: Asha.

Ela atendeu no segundo toque.

Asha:E aí, minha foguinho, favorita sobrevivente da casa dos escândalos.

Suspirei.

Ella: Você não faz ideia do circo que se armou aqui. Nem o roteiro de novela teria tanta criatividade.

Asha: Me diga que tem outro escândalo...

Ella: Lilly tá grávida. Do Gustav. Sim, no dia da festa.

Asha: Ah não, isso tá melhor que qualquer reality.

Ri, apesar de tudo. Asha sempre sabia onde cutucar para fazer a coisa parecer menos pesada.

Ella: Minha irmã entrou aqui no quarto agora há pouco tentando me provocar. Disse que pelo menos ela é lembrada, diferente de mim, que sou “perfeita e esquecida”. Mas sinceramente... fiquei com pena dela. Sério. A menina tá destruída, fisicamente mesmo. Só pensa em curtição durante a gestação, nunca foi a uma consulta, só festa e compras. Pelo menos é o que ando vendo.

Asha: Claro. Você e essa sua ingenuidade...

Ella: Por mais que ela me tire do sério, não consigo odiar completamente. Só me preocupa aquela criança. Não tem culpa de nada.

Asha: Você sempre teve esse coração mole, Ella. Finge ser durona, mas por dentro… é só pudim.”

Ella: Pudim com uma crosta de sarcasmo.

Asha: Delícia. Agora me diz, já pensaram em contar para o Gustav?

Ella: Não. Estão esperando o momento certo. Que basicamente é: quando ele não puder escapar.

Asha: Ah, ótimo. Sequestrar emocionalmente um milionário. Qualquer coisa, já prepara o nome da série: Grávida, Ambiciosa e Tragédia Familiar.

Sorri de novo. E, pela primeira vez naquele dia, senti que tinha onde respirar.

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