Um mês se passou desde que Luna havia começado a trabalhar na mansão.
Numa manhã, Luna despertou com o som distante dos sinos da igreja da vizinhança. Abriu os olhos devagar, e ainda lembrando daquela noite.
Bernardo.
Sem camisa.
A voz baixa, o olhar atento.
O “Bernardo” dito no fim.
Ela esfregou o rosto, tentando afastar os pensamentos.
Não podia se deixar levar.
Ele era seu patrão. Frio. Inacessível. E, mais importante, parte de um mundo que não era o dela. Ela precisava manter o foco. Estava ali por sobrevivência, não por… sentimentos.
Levantou e se arrumou para mais um dia de trabalho. Quando chegou à área de serviço, encontrou Diego com o semblante tenso.
— Bom dia — ela disse.
— É… bom dia — respondeu ele, seco, sem a leveza de antes.
Luna estranhou, mas seguiu para seu setor.
Logo após o café, Madeleine a chamou com expressão neutra, mas o olhar afiado.
— Você tem sido eficiente. O patrão reparou. Continue assim e talvez ganhe pontos. Ou inimigos.
Luna arqueou as sobrancelhas.
— Inimigos?
— Nesta casa, qualquer coisa fora do comum incomoda. Você está fora do comum.
Antes que ela pudesse responder, a governanta já havia desaparecido, como se nunca tivesse estado ali.
Ao longo do dia, Luna sentiu os olhares. Os cochichos baixos entre alguns funcionários, principalmente entre Diego e uma das camareiras, Cláudia. Havia tensão no ar, e ela sabia identificar quando estava sendo comentada.
Durante o almoço, na copa dos empregados, o silêncio caiu quando ela entrou. Apenas Tereza, a cozinheira, sorriu de leve.
— Senta, menina. Já tá tudo pronto.
Luna agradeceu e se serviu em silêncio. Sentia os olhos de Cláudia queimando em sua direção. Até que não aguentou.
— Aconteceu alguma coisa?
A pergunta foi direta, e o ambiente congelou.
Cláudia soltou um riso debochado.
— Nada demais. Só estamos nos perguntando o que alguém como você fez pra chamar tanta atenção do patrão logo no primeiro dia.
Diego tentou intervir.
— Cláudia…
Mas Luna não precisou de ajuda.
— Eu trabalho. Faço o que é pedido. Talvez isso esteja chamando mais atenção do que deveria.
Cláudia cruzou os braços, o olhar venenoso.
— Claro. Você é do tipo que sabe se fazer notar.
Luna não respondeu. Pegou sua bandeja e saiu, deixando o recado claro: não estava ali pra briga de vaidade. Mas não aceitaria ser diminuída.
Mais tarde, Luna estava na biblioteca, reorganizando os livros por cor. Um pedido feito por Madeleine, que alegava que o patrão gostava de “simetria visual”. Enquanto ajeitava os últimos volumes, ouviu passos. Reconheceu o som firme dos sapatos dele antes mesmo de ver.
Bernardo.
Ele entrou sem falar. Observou por alguns segundos antes de perguntar:
— Te incomodaram?
Ela virou-se devagar.
— Em que sentido?
— Na copa. A mansão tem ouvidos. E olhos.
Luna suspirou.
— Algumas pessoas não gostam quando alguém novo se destaca.
— E por que acha que está se destacando?
Ela hesitou.
— Talvez por não me curvar. Nem bajular. Só faço o que vim fazer.
Ele a fitou por um momento que pareceu longo demais.
— Isso incomoda. As pessoas esperam submissão. Quando não têm, tentam sabotar.
— E o senhor? Gosta de submissão?
A pergunta escapou antes que ela pudesse controlar. O ar pareceu parar. Ele estreitou os olhos, e ela temeu ter ido longe demais.
Mas então, ele deu um passo à frente. Depois outro.
Parou perto o suficiente para que ela sentisse o perfume dele: amadeirado, quente, perigoso.
— Eu gosto de controle.
Ela ergueu o queixo.
— E o que o senhor faz quando perde?
Ele curvou um canto da boca, como se aquilo fosse um desafio interessante.
— Não perco.
— Um dia pode acontecer.
Bernardo a olhou como se ela fosse uma peça de xadrez que ele ainda não sabia como mover.
— E se acontecer… será por escolha. Não fraqueza.
Luna sentiu o coração acelerar. Ele era sedutor mesmo sem tentar. Talvez justamente por isso. Havia nele uma tensão constante. Um homem que vivia entre o controle e a ameaça de desmoronar.
— A biblioteca está pronta — disse ela, recuando um passo.
Ele assentiu, os olhos ainda presos nos dela.
— Ótimo trabalho. Como sempre.
Ela virou-se para sair, mas ele ainda completou:
— Ah, Santiago…
Ela parou na porta, sem olhar para trás.
— Sim?
— Não se importe com os outros. Eles apenas notaram o que você ainda não notou sobre si mesma.
Ela quis perguntar o que ele queria dizer. Mas não teve coragem. Nem tempo.
Saiu da biblioteca com o coração acelerado e a mente confusa.
E no corredor, sozinha, permitiu-se sussurrar:
— O problema… é que eu já notei.
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Atualizado até capítulo 45
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