"Khar’Eth Sulum"- A União Proibida Parte 3
O som do vento soprando pelas frestas da velha torre parecia sussurrar segredos que o tempo tentou esquecer. Rayhna permanecia imóvel diante do antigo espelho trincado, os olhos caramelo agora mergulhados em um vermelho sangue intenso. A lembrança de tudo que fora tirado dela não a deixava dormir, mas naquela noite, era algo diferente que a inquietava: os nomes.
Kayra e Nikael.
Nomes que jamais deveriam ser pronunciados em voz alta. Nomes que estavam escondidos entre pergaminhos que nunca existiram. Nomes que, se revelados, poderiam ruir os pilares da realidade como ela conhecia.
As mãos dela repousavam sobre o relicário de prata, aquele que Lucien entregara em silêncio no instante em que os dois decidiram protegê-los. Dentro, não havia mais que um fio de cabelo de cada um dos filhos e um fragmento de runa marcada com o selo da Deusa dos Olhos Brancos. Era tudo o que ela precisava para lembrar-se de quem era e do que não podia perder.
Naquela mesma noite, Rayhna foi tomada por um dos sonhos que pareciam mais visões do que lembranças. Flashbacks com cores opacas, levemente desfocadas, tomaram sua mente.
*"Você precisa escondê-los, minha filha. O sangue deles grita com o mesmo eco da minha criação."*
A voz da Deusa era fria, mas doce. Um aviso e uma bênção.
Ela lembrava-se do parto. Lembrava-se da luz estranha que envolveu os dois bebês, um momento de paz antes que o terror se instalasse. O templo em ruínas, os olhos brancos da divindade pulsando em fúsforos etéreos. Nikael nascera primeiro, silenciado e de olhos abertos, como se já compreendesse que sua vida não lhe pertencia. Kayra, em seguida, chorou. Chorou tão alto que o som pareceu rachar os selos invisíveis ao redor.
Voltou ao presente, com a respiração acelerada. Lucien entrou devagar no quarto, os olhos azul-acinzentados vigiando o rosto da mulher que ainda carregava todas as dores do mundo.
— Eles estão bem — disse ele, com a voz firme. — Eu verifiquei tudo. Ninguém os viu.
— Por enquanto — Rayhna respondeu, os olhos ainda tingidos de vermelho.
Lucien se aproximou, tocando o ombro dela com uma leveza que não condizia com o guerreiro que um dia fora.
— Mesmo que descubram, não os levarão de nós.
Ela não respondeu. O medo não era de que levassem os filhos... era do que os filhos poderiam se tornar se tocassem os sete selos.
Apenas quatro haviam sido encontrados. E com cada um, Kayra e Nikael reagiram de forma diferente. A menina adormecia por dias, enquanto sonhos proféticos surgiam em sua mente. O menino tornava-se sombrio, quieto, e seus olhos mudavam de cor por segundos: prata. Como os antigos.
No subterrâneo da torre, os dois estavam em segurança. Rodeados por encantamentos antigos e ilusões mantidas por sangue e sacrifício. Kayra dormia com um livro antigo entre as mãos. Nikael, acordado, fitava as paredes como se esperasse por algo.
Quando os pais chegaram, Nikael virou o rosto.
— Mãe...
Rayhna se aproximou, joelhos ao chão, e o abraçou com firmeza.
— Você ouviu de novo? — ela perguntou.
Nikael assentiu.
— Eles estão procurando os selos. Mas não são humanos. São coisas velhas... coisas que cheiram a mofo e culpa.
Rayhna fechou os olhos. A ligação de Nikael com os sussurros crescia. E com isso, o tempo dela estava se esgotando.
Kayra acordou de súbito, olhos brilhando em um tom quase dourado.
— A floresta chamou — ela disse. — Está pronta para o quinto selo.
Lucien e Rayhna se entreolharam. Era cedo demais.
Nikael segurou a mão da irmã.
— Vamos com você.
— Não — respondeu Rayhna, levantando-se. — Vocês vão continuar escondidos. Eu irei.
— Não é você que a floresta chamou. Foi a mim — insistiu Kayra, os olhos reluzindo como brasas ocultas. — Se você for, ela se fechará. Se eu for... ela abrirá.
Lucien suspirou, fechando os punhos.
— Então iremos juntos. Todos. Não os deixaremos sozinhos.
Rayhna queria protestar. Mas ela conhecia o poder dos filhos. E conhecia os sinais.
A noite seguinte seria marcada por lua dupla. Um eclipse invertido. Um dos poucos momentos em que os portais antigos podiam se abrir. A floresta de Narthalen os esperava. E o quinto selo também.
Antes de partir, Rayhna olhou para o reflexo no espelho novamente. Seu rosto parecia mais velho, mais cansado. Mas seus olhos... ainda tinham o brilho da fênia. Ainda havia fogo ali.
*Kayra e Nikael.*
Eles não eram apenas seus filhos. Eram o fim e o reinício da profecia.
E, a partir daquela noite, ninguém conseguiria detê-los.
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Atualizado até capítulo 29
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