VAL (narrando, daquele jeito sincero que só ela tem):
— Tem gente que me vê na TV e acha que eu sou fina.
Que eu acordo com batom e durmo fazendo live.
— Mas aqui entre nós… eu continuo sendo Valentina do Capão.
Filha de salgado de escola, formada na universidade da quebrada.
— E mesmo com microfone na mão, salto no pé e fama subindo…
meu vocabulário ainda tem gíria, minha paciência ainda tem limite e minha cara de brava não é atuação.
— Eu apresento programa ao vivo, mas falo igual em casa: com sinceridade e um pouco de deboche.
— Então segura firme, leitor… porque mesmo quando é domingo…
no meu mundo, o descanso é opcional — a treta, não.
CENA — DOMINGO / 14H / BAIRRO DO CAPÃO
CALOR DE DERRETER SABONETE EM BANHEIRO SEM JANELA
Eu tava de chinelo, short largo e cara amassada, indo buscar uma Coca no mercadinho do Seu Edvaldo.
Só queria refrescar a língua e o humor. Mas como sempre, a vida decidiu me dar o quê?
Felipe.
Apareceu vindo da direção contrária, com aquela cara de quem ia só “dar uma passadinha”.
Chegamos na porta ao mesmo tempo. E claro… começou.
Felipe:
— Eu cheguei primeiro.
Valentina:
— Que chegou, menino? Eu que virei a esquina antes.
Felipe:
— Mas eu pisei na sombra primeiro. Tem que contar.
Valentina:
— Desde quando sombra vira senha?
Felipe:
— Desde que esse sol tá fritando meu cérebro.
Valentina:
— Entra logo, Felipe. Compra tua água com gás e para de fazer cena.
Felipe:
— Eu nem gosto de água com gás.
Valentina:
— Paulista.
Felipe:
— Lá vem…
Valentina:
— Lá vai.
Entramos juntos. Os dois emburrados igual criança quando acaba o Wi-Fi.
Seu Edvaldo nem levantou da cadeira:
Seu Edvaldo (calmo, sem largar o jornal):
— Boa tarde, Val… Felipe…
Valentina:
— Boa tarde, Seu Ed.
Felipe (ao mesmo tempo):
— Boa tarde.
Caminhamos direto pra geladeira. E é óbvio que botamos a mão na mesma latinha de Coca.
A mais gelada. A guerreira. A desejada.
Valentina (olhando feio):
— Tá de zoeira, né?
Felipe:
— Eu toquei primeiro.
Valentina:
— Eu vi antes.
Felipe:
— Eu quero mais.
Valentina:
— Eu sou mais alta.
Felipe:
— Eu sou mais bonito.
Valentina:
— Eu sou mais chata.
Felipe (rindo):
— Concordo.
Do balcão, a voz do Seu Ed atravessa:
Seu Edvaldo (gritando):
— Tem outra na prateleira de baixo!
Mas se quiserem seguir nesse “casal da Coca”, posso filmar pro TikTok!
A gente largou a latinha como quem desarma bomba. Peguei a de baixo. Felipe ficou com a de cima.
Na hora de pagar… a novela continuou.
Valentina:
— Vai pagar com moedinha ou já aprendeu a fazer Pix?
Felipe:
— Pix. Moderno.
Diferente de você, com essa camiseta da época da internet discada.
Valentina:
— Pelo menos eu tenho camiseta.
Tu vive com essas camisa de banda que nem tua mãe conhece.
Felipe (mão no peito, teatral):
— Isso foi pessoal.
Valentina:
— E verdadeiro.
Pagamos. Saímos no mesmo passo. Um silêncio de dez segundos.
Felipe (quebrando o gelo):
— Você já reparou que a gente discute por tudo?
Valentina:
— Já reparou que é sempre você que começa?
Felipe:
— Já reparou que é sempre você que responde?
Valentina:
— Já reparou que você provoca?
Felipe (encarando):
— Já reparou que a gente é igual?
Eu parei. Olhei de lado.
Valentina (seca):
— Você quer mesmo se comparar comigo?
Felipe (sorrindo):
— Não tô comparando. Só tô dizendo que me reconheço.
E isso me irrita.
Dois segundos em silêncio.
Valentina:
— Deve ser horrível mesmo.
Voltei a andar com a sacola balançando. Ele ficou parado, sorrindo de canto.
Porque no fundo, ele adora a minha braveza.
E eu… talvez goste da cara de pau dele mais do que deveria.
CENA — DEPOIS, EM OFF / VAL (FALANDO DIRETO COM O LEITOR):
— Agora… sendo honesta.
O Felipe é um pirra até da hora, viu?
Trabalhador, esforçado, desses que acorda cedo e volta tarde, suado e ainda querendo conversar.
Não é dos que fala bonito. Mas o jeito que ele me olha às vezes…
Bom… é perigoso.
Ele tem 19 anos. Eu tenho 22.
Três aninhos que fazem toda diferença quando tu já colecionou uns traumas, umas decepções e uns ex que prometeram o mundo e só deixaram boleto.
Felipe tenta.
Tenta bancar o maduro, o vivido, o que me entende.
Mas no fim… ainda é só um menino.
E eu?
Eu não sou qualquer mina.
Já me prometeram estabilidade com fala mansa e sumiram no primeiro problema.
Já me disseram “confia em mim” com o olho tremendo.
Já me fizeram rir… só pra depois me fazer duvidar de mim mesma.
Hoje em dia?
Meu coração tá com antivírus.
E firewall no olhar.
Val (cruzando os braços, séria):
— Pode ser que ele seja diferente. Pode ser que não.
Mas se ele quiser entrar na minha vida mesmo…
Vai ter que passar por todos os filtros. E uns testes surpresa.
Boa sorte, Felipe.
Porque mulher já é um mistério.
Agora, entender Valentina do Capão?
Aí é tipo zerar jogo no modo difícil… sem tutorial.
Continua...
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Atualizado até capítulo 30
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