SÃO PAULO — ZONA SUL / MANHÃ DE SEXTA-FEIRA
VAL (narrando):
— Às vezes, a gente acha que precisa ir longe pra encontrar algo especial.
Mas eu?
Eu só precisei atravessar o corredor da vila.
Acordei com o sol rasgando o céu da Zona Sul e um grito atravessando minha janela como sempre:
Biel (gritando do portão):
— Val... tem açúcar aí?
Val (da cozinha, já com a colher na mão):
— E tu tem vergonha na cara?
Era o Gabriel — mas ninguém chama ele assim. É Biel.
Cearense com orgulho, corinthiano com raiva e meu vizinho com frequência demais.
Ele trabalha na área de administração, mas tem alma de vendedor de sonho: sempre rindo, sempre jeitoso.
A gente se trata igual irmão desde que se esbarrou na escada do sobrado 5.
A implicância é rotina, mas o carinho é de sangue.
Ele pegou o copo com açúcar e sorriu daquele jeito que só ele sabe.
Biel:
— Tu sabe que eu volto pra buscar o café.
Risos.
Porque é sempre assim.
A vida por aqui pode ser dura, mas é de verdade.
Do outro lado da vila, sentada na calçada com a filha no colo, tava a Lua.
Coque desajeitado, fralda em uma mão, mamadeira na outra — e ainda assim linda.
Brasiliense arretada, dona de um coração doce e firmeza rara.
Ela é mãe, namorada, mulher.
E mesmo no cansaço, transborda afeto.
Do lado dela, o Duca.
Camisa suja de graxa, mochila nas costas, bolacha aberta no bolso.
Esse menino é um caso à parte: gentil, engraçado, e sempre mastigando alguma coisa.
Um viciado em massas com alma de poeta.
Olha pra Lua como se ela fosse o prêmio da vida — e é mesmo.
Val (narrando):
— Duca ama como quem sabe perder.
Mas ainda bem que ganhou.
Na mureta, lendo o Código Penal enquanto devorava uma tapioca, tava o Raku.
Paraense de olhar sereno e fala contada.
Faz mais por silêncio do que muita gente por discurso.
Ele treina pesado, pensa longe e vive tentando ser melhor que ontem.
O orgulho do Capão com cara de herói calado.
Ronaldo, o Galo, é seu discípulo.
Um moleque que sonha com o shape do mestre e vive perguntando quanto de whey precisa pra “ficar trincado igual o Raku”.
Mas Galo tem outra meta também…
A Anninha.
Anninha é tempestade em corpo de menina.
Com seus 14 anos, ela muda o cabelo a cada lua, inventa moda, solta piada, cutuca onde ninguém ousa.
Engraçada, elétrica, provocante — um furacão com gloss.
Ela não fala, ela performa.
Na correria do dia, o Ryan já vinha esbaforido, tênis frouxo e mochila pendurada:
Ryan (gritando):
— Val! Tu viu minha blusa azul?
Val:
— Tá no varal! Fui eu que lavei, criatura!
Ryan é o coração mole da vila.
Último ano do colégio, sempre perdido mas nunca ausente.
Tem humildade nas palavras e esperança no olhar.
Vive falando em passar no vestibular…
Mas vive mesmo é tropeçando no sorriso da Anninha.
Encostado no portão, de cara ainda amassada, crocs no pé e cabeça no mundo, tava o Fábio.
Fábio é o gênio preguiçoso.
Pensa alto, fala baixo, resolve qualquer problema — mas só depois do meio-dia.
Se deixar, ele deita no banco e resolve os conflitos da ONU com um pão com ovo na mão.
Logo atrás, o Ph.
Nosso otaku intelectual.
Gentil, sonhador, cheio das teorias e dos debates infinitos.
Às vezes arruma confusão tentando explicar o porquê de o Naruto ser um símbolo da resistência…
Mas no fundo, o coração dele bate mesmo é por uma mulher:
A Evelyn.
Ah, Evelyn…
A mulher é um monumento.
Alta, linda, segura de si.
Anda com postura de rainha e humor de pistola carregada.
Tem aquele charme que atravessa a rua antes dela.
É independente, determinada e — vejam só — tá com o Biel.
O Biel, o cara do açúcar.
Val (narrando):
— Se amor fosse campeonato, eles estavam na final.
E aí tá a vila.
A minha rua.
Minha novela.
Meu mundo.
Tem os perrengues, claro.
O portão emperra, a água some, o motoboy erra o endereço.
Mas tem riso.
Tem cuidado.
Tem comunidade.
Aqui, se faltar gás, o vizinho empresta.
Se o bebê chora, a rua inteira nina.
Se a tristeza bate, tem cadeira na calçada esperando tua bunda cansada.
Val (narrando):
— Eu nasci pra falar alto.
Mas só encontrei minha voz de verdade quando ouvi essas pessoas.
Quando ligo o microfone e o Brasil me assiste…
É com eles que eu tô falando.
Com a Lua
Com o Duca
Com o Raku
Com o Galo
Com a Anninha
Com o Ryan
Com o Fábio
Com o Ph
Com a Evelyn
E com o Biel…
Esse irmão que a vida me deu sem avisar.
Ah...
E com o Felipe.
Ele eu vou deixar vocês conhecerem depois.
Voltando...
Eu falo por todos.
E por mim também.
Porque aqui no Capão, entre o grito, o afeto e a zoeira…
A gente sobrevive. Mas principalmente: a gente EXISTE.
Continua...
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Atualizado até capítulo 30
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