A Armadilha Dourada

Capítulo 3:

A mensagem anônima – "Meu novo dia." – ecoou na mente de Elena como um sino de morte durante toda a noite. Ela não dormiu. Cada som do prédio velho – um cano rangendo, passos no corredor distante – a fazia saltar da cama, o coração disparado, as mãos suadas agarradas ao celular como uma arma inútil. O apartamento, antes seu refúgio, transformara-se em uma cela de vidro, onde ela se sentia exposta, vigiada. Ele sabia onde ela morava. A certeza era um peso de chumbo no peito.

Na biblioteca, na manhã seguinte, a paranoia atingia níveis novos. Ela evitava janelas, saltava quando alguém se aproximava de repente, e o simples toque do telefone fixo a fazia estremecer. O latte e o chocolate haviam desaparecido da mesa do refeitório, mas o fantasma deles permanecia. Brenda comentou que Carl negara ter deixado o café. “Estranho,” murmurara a bibliotecária sênior, sem suspeitar do terror que semeava em Elena.

Foi ao voltar do almoço, caminhando rápido sob um céu cinzento que ameaçava nova chuva, que Elena sentiu de novo. Aquele frio na nuca, a sensação de ser observada com uma intensidade quase física. Ela parou bruscamente em frente a uma vitrine, fingindo admirar roupas que não via. No reflexo embaçado do vidro, entre os transeuntes apressados, uma figura destacou-se. Alto, terno preto impecável, postura imóvel como uma estátua, do outro lado da rua. Ele.

Silas Thorne. Não tentava se esconder. Estava ali, plantado na calçada, os olhos cinza fixos nela através do reflexo, como se a desafiasse a olhar diretamente. Um sorriso quase imperceptível curvou seus lábios finos quando seus olhares se cruzaram no vidro. Era um sorriso predatório, de satisfação por tê-la encontrado, por vê-la paralisada pelo medo.

Elena girou no salto, o impulso de correr quase incontrolável. Mas para onde? Ele estava ali, e algo na sua postura imóvel, na calma absoluta que emanava, dizia que fugir seria inútil. Humilhante. Ela respirou fundo, engolindo o gosto amargo do pânico. Não era Nathan. Nathan era explosivo, caótico. Silas era gelo e controle. Correr poderia ser exatamente o que ele queria – uma caça. Ela forçou os pés a andarem, mantendo um ritmo constante, sem olhar para trás. Cada célula do seu corpo gritava, alerta máxima. Ela sentia o peso do seu olhar nas costas, queimando como duas brasas.

Milagrosamente, chegou à biblioteca sem incidentes. Mas a sensação de vigilância não diminuiu. Pelo contrário. Às três da tarde, um motoboy entrou no salão principal, o capacete nas mãos, carregando um arranjo de flores tão exuberante que chamou a atenção até dos leitores mais distraídos. Orquídeas raras, de um roxo profundo quase negro, envoltas em seda negra e um laço prateado. Sem perguntar, ele caminhou direto para o balcão onde Elena catalogava novos livros, os dedos tremendo levemente.

“Elena Martins?” perguntou o motoboy, jovem e descontraído, ignorando a palidez súbita dela.

Elena engoliu seco, assentindo quase imperceptivelmente.

“Para você. Com instruções especiais.” Ele colocou o arranjo pesado e exótico em cima do balcão, ao lado dos livros. Havia um cartão pequeno, preso a um fino fio de seda prateada.

Antes que ela pudesse reagir, o motoboy se virou e saiu. Brenda e outro colega, James, se aproximaram, curiosos.

“Quem é o admirador secreto, Elena?” Brenda perguntou, os olhos brilhando com romantismo ingênuo, tocando uma pétala aveludada. “Orquídeas negras! Isso deve ter custado uma fortuna!”

Elena não ouviu. Seus dedos, frios e desajeitados, abriram o cartão. O mesmo papel pesado, texturizado. Nenhum nome. Apenas uma frase escrita com a mesma caligrafia forte e decisiva, em tinta prateada:

"A escuridão combina com você. Mas a luz que vejo em você... essa é só minha."

Náusea. Uma onda violenta de náusea subiu pela garganta de Elena. Não era uma declaração de amor. Era uma afirmação de posse, uma lembrança da "luz" que ele acreditava ter visto nela – e que agora reivindicava como propriedade exclusiva. Era perverso. Era assustador. As flores, lindas e mortais, pareciam emanar a mesma aura fria e perigosa de Silas.

“Elena? Você está bem? Parece que viu um fantasma!” James perguntou, preocupado, ao ver sua expressão.

“T-Tudo bem,” ela gaguejou, afastando-se do balcão como se as flores fossem venenosas. “Só... uma surpresa. Inesperada.” Ela pegou o arranjo com repulsa, como se segurasse uma cobra, e o levou para o pequeno escritório dos fundos, trancando a porta. Ali, longe dos olhares curiosos, jogou as flores no lixo, o cartão prateado rasgado em pedaços minúsculos. Mas o cheiro doce e pesado das orquídeas permaneceu, envenenando o ar, envenenando seus pensamentos.

O dia terminou em um turbilhão de ansiedade. Ao sair, o céu cinza havia descarregado uma chuva fina e insistente. Elena levantou a gola do casaco, apertou a bolsa contra o corpo e mergulhou na multidão úmida, decidida a perder qualquer possível perseguidor. Ela entrou em lojas aleatórias, pegou ônibus em direções opostas, desceu em pontos errados. Depois de quase uma hora de trajeto errático, sentindo-se exausta mas um pouco mais segura, desceu perto de seu prédio, em uma rua paralela menos movimentada.

Foi então que ela o viu. Não Silas. Nathan.

Ele estava encostado em um poste, quase em frente à entrada de serviço que ela usava, fumando um cigarro. O mesmo casaco de couro gasto, a mesma postura desleixada e agressiva. Os anos não tinham sido gentis; seu rosto estava mais marcado, mais cruel, os olhos pequenos e duros varrendo a rua com impaciência. Quando seu olhar pousou nela, parada a poucos metros de distância, congelada pelo horror absoluto, um sorriso lento e sinistro esticou seus lábios.

“Elena,” ele chamou, a voz rouca pelo cigarro e pelo álcool que ela conhecia tão bem. Jogou a bituca no chão e esmagou-a com o pé, avançando em sua direção. “Que surpresa. Ou não. Sabia que ia te encontrar cedo ou tarde, minha querida.”

O mundo desabou. O passado que ela enterrara com tanto custo voltava, tangível, perigoso, ali na rua escura. E Silas Thorne… Silas parecia saber tudo. Tudo. A mensagem, as flores, a vigilância… e agora Nathan? Coincidência? Ou algo muito mais sinistro?

“O que você quer, Nathan?” Elena forçou, recuando um passo, a mão dentro da bolsa procurando freneticamente o celular, as chaves, qualquer coisa que pudesse servir de arma.

Ele riu, um som seco e desagradável. “Saudade, linda. Saudade do que era meu.” Ele chegou mais perto, o cheiro de tabaco e desleixo invadindo seu espaço. “Ouvi dizer que você está se dando bem aqui. Arrumou um patrão rico, né? Um tal de Thorne.” O nome saiu como um cuspe. “Pensei que podia dar um pulo, pedir uma ajuda. Afinal, o que é dele… podia ser nosso, não é?” Seus olhos percorreram seu corpo com cobiça e posse, um olhar que a fez sentir suja, violada.

Elena entendeu. Nathan não estava ali por acaso. Alguém o soltara no seu caminho. Como isca? Como punição por sua “desobediência”? O jogo de Silas era muito mais profundo e perverso do que ela imaginara. Ela estava encurralada entre dois predadores, e ambos a viam como propriedade.

“Não tenho nada a ver com você nem com Thorne!” ela gritou, a voz estridente com pânico e raiva. “Saia da minha frente!”

Nathan roncou de raiva. “Ainda é teimosa, hein?” Ele estendeu a mão para agarrar seu braço.

Elena reagiu por instinto. Girou o corpo, escapando por um triz do toque dele, e começou a correr. Não para o prédio – ele sabia onde ela morava! – mas para a rua principal, mais movimentada. Os passos pesados de Nathan ecoaram atrás dela, junto com palavrões e ameaças.

“Você não foge de mim, sua puta! Você é MINHA!”

Elena correu como se sua vida dependesse disso – porque dependia. A chuva batia em seu rosto, misturando-se com lágrimas de desespero. Ela dobrou uma esquina, depois outra, entrando em um beco escuro que levava a uma avenida movimentada. Quando finalmente alcançou a luz e o barulho dos carros, ofegante, o coração parecendo querer sair do peito, olhou para trás. Nathan não estava mais lá. Ele desaparecera, engolido pela escuridão do beco ou por ordens de alguém que controlava o jogo.

Encostada na parede fria de um prédio, tremendo incontrolavelmente, Elena sentiu uma mistura de alívio agudo e terror renovado. Nathan era um demônio conhecido. Mas Silas Thorne… ele era a sombra que manipulava os demônios. Ele a observava, testava seus limites, soltara Nathan como um cão de caça para lembrá-la de seu lugar. E a mensagem era clara: ela não tinha para onde correr. O mundo dela, aquele frágil refúgio que construíra, estava completamente invadido e controlado por ele.

Foi quando um carro preto, longo e silencioso como um ataúde sobre rodas, um Bentley Continental, deslizou até a calçada ao seu lado. A janela traseira desceu sem um ruído. E lá estava ele. Silas Thorne. Sentado na penumbra do interior luxuoso, o rosto iluminado apenas pela luz fraca do painel. Seus olhos cinza brilhavam como gelo sob a lua, fixos nela, na sua miséria, no seu terror.

“Parece que você teve um dia… agitado, Elena,” ele disse, a voz grave e suave cortando o ruído da chuva e do tráfego. Era uma afirmação, não uma pergunta. Ele sabia. Tudo. “Entrar. Está na hora de terminarmos esse jogo de gato e rato. Você está molhada e tremendo.” Uma pausa carregada. “E eu detesto ver minhas coisas mal cuidadas.”

A porta do carro abriu suavemente, revelando o convite silencioso do interior de couro bege e luzes discretas. Uma armadilha dourada, reluzente e inescapável. Do outro lado da rua, na boca do beco escuro, uma figura alta e escura – Nathan? – observava, imóvel, como um cão de guarda aguardando ordens.

Elena olhou para o carro, para Silas, para a escuridão onde Nathan esperava. O medo era uma entidade viva dentro dela, sufocante. Mas sob o medo, uma faísca de fúria renitente acendeu. Ele achava que ela se renderia tão facilmente? Que entraria no carro como um cordeiro para o abate?

“Vá para o inferno,” ela cuspiu, a voz trêmula mas cheia de um ódio que a surpreendeu.

Os olhos de Silas estreitaram imperceptivelmente. O ar ao redor do carro pareceu ficar mais frio. “Uma escolha, Elena,” ele sussurrou, o tom perigosamente suave. “Entrar no carro agora, comigo. Ou ficar aqui, com ele.” Ele fez um pequeno gesto com a cabeça em direção à sombra no beco. “Escolha.”

O dilema dilacerou-a. Confiar no diabo que conhecia (Nathan) ou no diabo infinitamente mais poderoso e imprevisível que a queria possuir (Silas)? Ambos eram abismos. Mas um abismo, pelo menos, era temporariamente coberto de veludo.

Com um último olhar de puro ódio para a figura sombria no beco, Elena engoliu o orgulho, o medo e o nojo. Ergueu o queixo, numa última tentativa de dignidade, e entrou no Bentley. A porta fechou-se atrás dela com um clique suave e final, isolando-a do mundo exterior, da chuva, do perigo conhecido. O cheiro do carro – couro novo, madeira polida e o aroma distinto, perigosamente masculino de Silas – envolveu-a como uma segunda pele.

Ele não a olhou imediatamente. Ajustou o punho da camisa imaculadamente branca, um gesto minúsculo que exalava controle absoluto. O carro começou a mover-se, fluindo pelo tráfego noturno como um tubarão nas profundezas.

“Boa escolha,” Silas murmurou, virando-se finalmente para encará-la. Seus olhos percorreram seu rosto encharcado, seu corpo trêmulo, com a posse de um colecionador examinando uma aquisição preciosa. “Agora, vamos para casa, Elena. Minha casa. É hora de você entender, de uma vez por todas, o que significa pertencer a mim.”

O destino selado. A gaiola dourada, reluzente e inescapável, finalmente se fechava ao seu redor. E dentro do carro silencioso, com o olhar glacial de Silas Thorne perfurando sua alma, Elena sentiu a última réstia de liberdade se dissolver na escuridão da noite de Seattle.

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