Capítulo 5

Yago não respondeu, mas sua expressão endureceu, revelando uma teimosia que Leônidas reconheceu em si mesmo. A discussão continuou, e Leônidas sentiu um misto de desconforto e fascínio. Aquele mundo, tão diferente do seu, revelava camadas de complexidade e sofrimento que ele, em sua bolha de privilégio, raramente tinha a chance de vislumbrar. Ele não era mais apenas o um magnata; era um observador forçado a testemunhar a realidade nua e crua de uma vida que existia muito além de seus relatórios financeiros.

Dafine e Yago continuaram a discutir por mais alguns minutos, com a voz dela subindo e descendo entre o desespero e a raiva, a dele, um lamento constante de tédio e frustração. De repente, Dafine olhou para o céu, um sol tímido despontando no horizonte.

— Chega, Yago! Chega! Eu preciso ir trabalhar. Se eu não for, eles me mandam embora. E aí sim, a gente vai ver o que é passar fome, passar necessidade de verdade. — Ela disse, com a voz embargada, mas com uma determinação.

— Você fica aqui, tenta arrumar o que puder. Eu volto assim que conseguir. Atende as pessoas direito, se eu receber uma reclamação, você vai levar uma surra, que não tá escrita.

Com um suspiro pesado, Dafine pegou uma mochila, se virou e, sem olhar para Leônidas, começou a caminhar em direção ao resort, a figura curvada pelo cansaço e pela preocupação. Leônidas a observou, a amargura habitual em seu semblante suavizada por uma nova camada de reflexão. A dor em seu dedo era um lembrete físico de sua própria vulnerabilidade, algo que ele raramente experimentava.

Yago ficou ali, chutando a areia, as banquetas, resmungando em voz baixa. Leônidas, vendo a oportunidade, se aproximou.

— Ei, Yago. Sua mãe está certa. É melhor começar a limpar tudo. Eu posso ajudar.

O adolescente o olhou com desconfiança.

— Ajudar? Nem te conheço. Quem é você?

— Eu estava aqui, ajudando as pessoas. Sou o Léo. — Leônidas disse, com uma determinação que surpreendeu a si mesmo.

— Martelei o dedo, ajudando com as tábuas ali.

— E agora que o dedo está com gelo, talvez eu seja menos desastrado. Ainda cai da escada.

Relutante, Yago aceitou. As horas seguintes foram uma surpresa para Leônidas. Ele, o magnata que liderava reuniões de diretoria e fechava negócios de bilhões, estava ali, sob o sol forte da ilha, movendo escombros, catando madeira, e tentando, com alguma dificuldade, pregar tábuas. Yago, a princípio ressabiado, aos poucos foi se abrindo. O ajudou reparar o teto, juntos foram organizando tudo.

Em um momento de descanso, enquanto jogavam os lixos, Yago desabafou, sem nem perceber a quem estava falando.

— Minha mãe é muito esforçada, Léo. Ela trabalha demais, mas não adianta nada. Ela vive pra esse quiosque falido e pra faxinar o resort.

— Ser humilhada pelos ricos, eles olham a gente, como se fossemos merda.

— E ela diz que ama morar aqui.

Leônidas o incentivou.

— E ela é feliz? Casada?

Yago deu uma risada sem humor.

— Feliz? Minha mãe não sabe o que é isso, eu acho. Ela vive pra trabalhar. Cuida da minha avó, que é doente, e de mim.

— Não tem tempo pra nada. Nem pra ela mesma.

— Desde que meu pai foi embora, ela nunca mais casou.

— Ela não tem sonhos? — Leônidas perguntou, com a imagem das próprias ex-esposas, com seus sonhos e ambições, vindo à mente.

— Sonhos? Acho que não. — Yago balançou a cabeça.

— Ela só pensa em pagar as contas e não deixar a gente passar necessidade. Diversão? Esquece.

— Ela não vai a festas, não tem hobby, não sai com os amigos. E namorados? Ah, isso é lenda.

— Ela diz que não tem tempo e que nenhum homem presta. Desde que meu pai foi embora…

Leônidas sentiu um aperto no peito, um eco de sua própria solidão, mas também uma nova perspectiva. Dafine, com toda a sua aspereza e a vida difícil, era um contraste gritante com as mulheres com quem ele havia se relacionado.

Ela o conheceu sem pedir nada, não o bajulou, não se importava com seu status ou dinheiro, por não saber da realidade. Ela era genuína, e a infelicidade dela, tão intensa, era um espelho da própria amargura que Leônidas carregava.

Horas se passaram no quiosque, e o magnata, pela primeira vez em muito tempo, estava empenhado em algo que não era puramente lucrativo, algo que o conectava a uma realidade brutalmente honesta e humanamente complexa.

Enquanto Leônidas e Yago suavam no quiosque, Dafine passava o dia imersa na rotina exaustiva do resort. O trabalho de camareira, já pesado em dias normais, tornara-se ainda mais insalubre após a tempestade. Ela passou horas na lavanderia úmida, saiu com cada fibra de seu corpo doendo com o esforço repetitivo de lavar e passar. A gerência, como de costume, não ofereceu sequer uma palavra de agradecimento, apenas a cobrança silenciosa por mais e mais trabalho.

A noite caiu, e a ilha, ainda sem internet ou telefonia, parecia ter voltado no tempo. As luzes simplórias iluminavam suavemente algumas áreas, e um som de forró, vibrante e contagiante, começou a ecoar da orla da praia. Os hóspedes, e até alguns dos funcionários, aproveitavam a desconexão forçada para se divertir à moda antiga. Sem telas para distrair, as pessoas se reuniam, conversavam, riam e dançavam com uma liberdade que havia sido esquecida.

No final do expediente, Dafine caminhou para o alojamento dos funcionários, decidida a não ceder completamente ao cansaço.

Quando reapareceu na beira da praia, a transformação era notável. Dafine era uma mulher de beleza natural, de pele ne.gra e um cabelo cacheado volumoso que, agora solto, emoldurava seu rosto em um halo de beleza selvagem.

Passou um batom vermelho vibrante que realçava seus lábios cheios, contrastando lindamente com seu tom de pele. Ela vestia um vestido curto, de alças ciganas, que deixava seus ombros à mostra, estampado com flores tropicais em tons vivos vermelhos.

O tecido soltinho esvoaçava levemente com a brisa, revelando suas pernas torneadas que se alongavam em sandálias de salto plataforma, um toque de glamour que ela raramente se permitia.

Ela não estava apenas arrumada; estava radiante. A fadiga do dia parecia ter se dissipado, substituída por uma energia cativante.

Dafine saiu do resort exausta, com o corpo moído, mas uma centelha de algo novo a impulsionava. Talvez fosse a música vinda do forró, talvez a atmosfera de espontaneidade no ar, ou talvez a conversa com Yago, que a deixou se sentindo mal o dia todo.

Seus olhos, antes tão cheios de cansaço e frustração, agora brilhavam com um misto de desafio e uma alegria recém-descoberta. Dafine, a faxineira exausta e a mulher amargurada do quiosque, havia se transformado em uma figura deslumbrante, pronta para se entregar à música e à liberdade da noite, sem se preocupar com as obrigações que a aguardavam no dia seguinte.

Mais populares

Comments

Marluce Machado

Marluce Machado

Dafine precisa muito de ajuda, mulher guerreira

2025-07-10

3

Fafa

Fafa

Está certíssima!!!! Ninguém vive o tempo todo só para trabalhar, pagar contas e ser humilhada constantemente, precisa viver, se distrair, divertir e dias leves e felizes.

2025-07-12

0

Fafa

Fafa

Esse trabalho parece que torna a pessoa invisível, e só aparece quando eles fazem cobranças e reclamações. Reconhecimento? Isso nunca!

2025-07-12

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!