Capítulo 4

Ela se aproximou, ainda com um sorriso divertido no rosto, e o ajudou a se sentar. Com uma agilidade que surpreendeu Leônidas, ela correu até um pequeno tambor, pegou um pouco de gelo e o entregou.

— Coloca isso aí. Vai ficar roxo. — Ela disse, com uma voz mais suave agora, a irritação substituída por uma preocupação genuína.

— Que beleza, hein? Primeiro a chuva, agora o meu ajudante quase se quebra.

Ela suspirou, olhando para o quiosque destruído e depois para a figura desamparada de Leônidas.

— É pra rir pra não chorar. Se o tempo não melhorar logo e o movimento não voltar, vou quebrar de vez. Não sei como vou fazer para reconstruir isso tudo.

— Moço, você tá bem?

Leônidas segurava o saco de gelo contra o dedo latejante, a dor física servindo como um estranho contraponto à sua mente sempre acelerada. Ele observou a mulher, que já havia voltado a tentar mover os destroços, com a frustração novamente visível em seu rosto. Apesar do acidente cômico, a sinceridade dela o intrigava. Ele se aproximou dela.

— Sim, dolorido mas bem.

— Você disse que vai quebrar… Seu quiosque vende bem normalmente? — Leônidas perguntou, com a voz um pouco rouca pela dor, mas com seu tom investigativo habitual.

Ela parou, exausta, apoiando-se em uma banqueta quebrada.

— Ahhh se vende bem? — Ela deu uma risada amarga.

— Dá pra sobreviver, moço. Dá pra colocar comida na mesa e pagar as contas mais básicas. Quando o tempo ajuda e o movimento tá bom. Mas a vida aqui não é só sol e mar, não.

— Eu tenho outro emprego e nem sempre consigo abrir.

Ela o olhou, com um brilho de ressentimento em seus olhos.

— Pra ter esse quiosque, eu tive que aceitar um bico no resort, ali ó. Trabalho como camareira. Faxineira, né?!

— Mas lá, eles me tratam como escravaaaaa. — Ela cuspiu as palavras, com a voz cheia de desdém.

— A gerência é podre, moço. Exploradora. Você rala o dia inteiro, limpa a sujeira dos turistas ricos e não ganha quase nada. E se reclama, te mandam embora sem pensar duas vezes.

— Não tem horas extras, nem gorjetas, maior desaforo.

Leônidas, como um bom magnata, conhecia cada detalhe da gestão de grandes empreendimentos, sentiu um estranho interesse. Ele havia mandado uma equipe de confiança fazer a vistoria no resort, mas a perspectiva de uma funcionária de base era algo que ele raramente tinha acesso, e que poderia ser valioso.

— Sério? — Leônidas incentivou, com a voz suave, dando a ela a corda que precisava.

— Como assim a gerência é podre? O que eles fazem?

Dafine, sentindo que tinha um ouvinte, mesmo que fosse aquele moço atrapalhado, desabafou.

— Ah, eles fazem de tudo! — Ela gesticulou com as mãos sujas.

— Cortam diárias, exigem que a gente trabalhe em dobro sem pagar hora extra, ameaçam demitir por qualquer bobagem.

— E os alojamentos dos funcionários são uma pocilga, horrível.

— Enquanto o hóspede dorme em lençol de seda, a gente tem colchão rasgado e banheiro mofado.

— E o pior é que eles se aproveitam da necessidade da gente. Muita gente aqui só tem esse emprego, não tem pra onde ir. É um inferno!

— E esse resort… esse lugar é uma fachada. Bonito por fora, mas por dentro é tudo podre. Eles não investem na estrutura, só querem saber de lucro e cortar custos.

— Gritam e humilham os funcionários. Acusam de roubo sem provas.

Leônidas absorvia cada palavra, com o dedo latejando, mas sua mente funcionando a todo vapor. Aquilo ia muito além de um simples patrocínio para um reality show. Se as informações daquela mulher fossem verdadeiras, a reputação da "Prime Boi" poderia ser manchada ao ser associada a um lugar com práticas tão questionáveis.

A amargura que ele carregava não o impedia de ser um homem de negócios com uma reputação a zelar. Ele precisava de mais detalhes. A conversa com a mulher, de repente se tornara muito mais interessante do que qualquer reunião de diretoria.

Leônidas ainda estava ali, sentado com o saco de gelo no dedo, enquanto Dafine se virava para continuar a árdua tarefa de arrumar o quiosque.

Ela murmurava sozinha, mais para extravasar a frustração do que para ser ouvida, quando uma figura magra e desgrenhada, de bermudão e camiseta de banda de rock, se aproximou. Era um adolescente, com os cabelos descoloridos pelo sol e uma expressão de tédio e irritação no rosto.

— Mãe, de novo isso? — o garoto resmungou, sem sequer olhar para Leônidas.

— A gente vai ter que limpar essa porcaria de novo? Eu tô cansado disso!

Dafine parou o que estava fazendo e o encarou, as mãos na cintura, com os olhos cintilando em exasperação.

— Yago! Que jeito é esse de falar? Essa porcaria é o que nos sustenta, moleque! Anda, vem ajudar aqui em vez de ficar reclamando.

Yago revirou os olhos, um gesto de impaciência que Leônidas reconheceu de longe, algo que já havia visto em jovens mimados.

— Ajudar pra quê, mãe? Pra daqui a pouco vir outra tempestade e levar tudo de novo? Eu tô exausto de trabalhar nesse fim de mundo. Eu quero ir embora dessa ilha!

A voz de Dafine se elevou, carregada de desespero e raiva.

— Ir embora pra onde, Yago? Você tem dinheiro pra ir pra onde? Acha que é fácil assim? Sem o quiosque, a gente passa fome! Você quer passar fome, moleque? É isso que você quer?

Yago chutou um pedaço de madeira com força, com o olhar fixo no horizonte.

— Necessidade eu já passo aqui, mãe! Trabalhando feito um burro de carga e não tendo nada! Eu quero uma vida de verdade, não ficar preso nessa ilha mofada, nessa porcaria de quiosque que não dá em nada! Todo mundo que eu conheço que foi pra cidade grande se deu bem.

Dafine disparou, com o rosto contorcido pela preocupação.

— Se deu bem como, Yago? Traficando? Virando marginal?

— Você não sabe o que é a vida lá fora! Aqui pelo menos a gente tem um teto, comida na mesa e não precisa se preocupar com bala perdida!

— Todo mundo se conhece.

Leônidas, que estava ouvindo a discussão com uma atenção quase profissional, percebeu a profundidade do desespero de Dafine e a ambição ingênua de Yago. A cena era um microcosmo de tantos conflitos que ele havia presenciado em outros contextos, mas que, ali, na simplicidade da ilha destruída, ganhavam uma intensidade visceral.

Yago se virou para a mãe, com os olhos marejados de raiva.

— Eu não quero saber, mãe! Eu não aguento mais! Essa ilha me sufoca! Eu preciso sair daqui. Se você não for, eu vou sozinho!

Dafine levou as mãos à cabeça, um lamento escapando de seus lábios.

— Vai sozinho pra onde, meu Deus? Você é só um moleque! E quem vai me ajudar aqui, hein? Quem vai reconstruir o quiosque? Seu pai nos abandonou, e agora você também quer me largar nessa situação?

— Ele não vai cuidar de você não, seu idi.ota.

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Comments

Patrícia Santos

Patrícia Santos

É muita humilhação, pra ganhar o sustento de uma forma digna, e cada sofrimento que tem que passar, aí vem ainda um filho mal agradecido, pensando que a vida lá fora é fácil 🤦🏽‍♀️

2025-07-19

0

Marluce Machado

Marluce Machado

Coitada da Dafine, que situação

2025-07-09

2

Fafa

Fafa

Olha só no que vc ia se meter, ia acabar com a sua vida inteira de trabalho

2025-07-12

0

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