CAPÍTULO 3 – “O Dono do Morro Me Olhou”

O gole da bebida desceu ardendo, um líquido doce e estranho que fez a cabeça de Suellen girar levemente. A música pulsava, martelando em seus ouvidos, e os corpos à sua volta se moviam em um ritmo primal, quase selvagem. Foi então que a mão. Pesada, firme, pousou em sua cintura por trás. Suellen paralisou, o sorriso em seus lábios morrendo. Ela se virou lentamente, o coração martelando no peito, pronta para gritar, para fugir. Mas a mão não pertencia a um desconhecido qualquer.

Ali estava ele. Henrique.

Com seus 17 anos, ele era a personificação do perigo e da beleza. Pele morena, bronzeada pelo sol do morro, e um olhar penetrante que parecia ler sua alma. O cabelo curto, com um risco milimetricamente desenhado na lateral, e um brinco brilhando sob a luz estroboscópica da festa, davam a ele um ar de rebeldia controlada. Uma tatuagem tribal quase invisível espreitava no pescoço, como uma promessa de algo mais sombrio. Ele era bonito de um jeito que doía, carismático, mas com uma crueldade subjacente que Suellen podia sentir mesmo sem conhecê-lo.

Henrique estava sentado, uma garota com os cabelos tingidos e um sorriso bobo no colo, mas seus olhos, quando encontraram os de Suellen, não vacilaram. O clima na festa, pelo menos para ela, mudou. Ele se ajeitou, ajeitou a garota no colo como um objeto, e observou Suellen com uma calma quase insolente.

"É aquela a virgem que você falou?", Henrique perguntou para Betão, que estava ao lado, rindo.

Betão, um brutamontes com um sorriso perverso, respondeu: "É. A tal da Suellen. Mas sei lá, ela é meio sonsa."

Henrique não tirou os olhos de Suellen. Um meio sorriso brincou em seus lábios. "Então é ela mesmo."

Ele não se aproximou de imediato. Apenas observou. Como um predador observa sua presa antes do bote. Suellen sentiu o olhar dele a atravessar, a despindo de suas camadas de proteção. “Os olhos dele me atravessaram como se eu fosse dele. E, por um segundo, eu gostei. Depois odiei ter gostado.” A vergonha daquela atração involuntária a fez sentir-se menor, mais suja. A maquiagem pesada e a roupa justa pareciam gritar que ela era uma impostora ali.

A música continuava alta, mas o som parecia distante quando Henrique finalmente circulou pela festa, até se ver diante de Suellen, que agora estava momentaneamente sozinha. Ele não falou com vulgaridade. Seu tom era calmo, a voz rouca e controlada.

"Você não é daqui, né?", ele começou, um sorriso que parecia gentil, mas era estudado. "Tá na cara. Você é de um lugar que nem existe." O elogio, tão calculado, fez Suellen se encolher. Ela não conseguia entender por que aquilo a tocava tanto, mas ela estava ali, sendo notada de uma forma intensa que jamais havia experimentado.

"As outras vêm até mim", ele continuou, o olhar fixo no dela, "Você parece que quer ir embora. Isso é sexy."

Suellen se sentiu em uma corda bamba, entre o deslumbre e a desconfiança. Ele sorria como se soubesse de um segredo sobre ela. Mas ela não tinha contado nada. Ela não queria ceder, não queria ser mais uma. Mas também não conseguia dizer um "não" firme, categórico. Henrique percebeu. Ele não pressionou, não tocou. Apenas esperou. Estudou o desafio em seus olhos. E gostou. “Se ele me tocasse, talvez eu gritasse. Mas ele não tocou. Ele só... esperou.” Aquele jogo silencioso era mais assustador do que qualquer ameaça física.

De longe, Amandinha observava, o copo na mão, o riso forçado. Quando viu Henrique se interessando por Suellen, sentiu o sangue ferver. Uma onda de raiva silenciosa a invadiu. Ela trouxe Suellen para ser usada, para ser descartada, não para se tornar o centro das atenções. “Eu trouxe ela pra ser esquecida no quarto. Não pra virar o centro da festa.” Amandinha cerrou os dentes. “Ele tá olhando pra ela como olhava pra mim antes. Antes de me jogar num canto.” A inveja a corroía, amarga e perigosa. “Se ela acha que vai tomar meu lugar... ela não me conhece.”

A festa continuava seu ritmo frenético, um ritual de iniciação social, sensual e moral. Drogas passavam de mão em mão, risos histéricos se misturavam aos gemidos da música. Betão, no canto, observava tudo com um sorriso de escárnio, como se estivesse prestes a assistir a um jogo interessante. Todos os olhos, em algum nível, estavam em Suellen — mas ela ainda não sabia o quanto estava exposta, o quanto cada movimento era visto e julgado.

Henrique se despediu com o mesmo sorriso enigmático, a voz baixa, quase um sussurro que prometia mais. "Ainda vou te ver de novo. Você vai voltar aqui."

Suellen voltou para casa sozinha, o caminho de volta uma névoa. A maquiagem, outrora um disfarce, estava borrada, escorrendo, e o gosto da dúvida na boca era mais amargo que a bebida que tomara.

Entrou em casa com o sol despontando, o morro começando a acordar com sua rotina de caos. A colchonete vazia. O quarto da mãe, silencioso. Quando Suellen a encontrou, Dona Marta estava desmaiada no sofá, o corpo febril e a respiração arrastada. O bilhete na geladeira, "Não esquece do simulado. Te amo.", parecia uma ironia cruel agora.

Suellen jogou a bolsa no chão, o som ecoando no silêncio pesado. Seu coração gelou. Ajoelhou-se ao lado da mãe, as mãos trêmulas ao tocar a pele quente e úmida. O que ela havia feito? Onde havia se metido enquanto sua mãe...

Um pânico gelado a invadiu. A festa, Henrique, a ilusão de ser alguém... tudo sumiu, substituído pela realidade brutal que a esperava em casa.

"Enquanto eu corria atrás de um 'talvez', minha mãe estava morrendo. Eu não saí pra me encontrar. Eu me perdi. E agora, talvez tenha perdido ela também."

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