A madrugada caiu como um manto denso sobre a cidade. Do alto do prédio onde o casal se hospedava, era possível ver as luzes da boate piscando ao longe, pulsando como um coração frenético. O silêncio do apartamento contrastava com a agitação noturna.
Lara revisava as anotações da missão, sentada no chão da sala, cercada por documentos, fotos e um laptop aberto. Estava concentrada, o rosto sério e os olhos fixos na tela, analisando os padrões de movimentação dos alvos.
Ricardo surgiu da cozinha com uma taça de vinho.
— Não vai dormir?
— Não enquanto eu não entender por que aquele segurança entrou com uma maleta preta e saiu com ela vazia.
— Pode ser qualquer coisa. Droga, dinheiro, armas...
— Ou algo que não querem que vejamos. E isso me incomoda.
Ele se sentou no sofá, observando-a em silêncio por alguns segundos. O cabelo dela estava preso de qualquer jeito, uma mecha solta caía sobre o rosto. Aquela concentração intensa, os olhos azuis brilhando sob a luz do computador... ela era a definição de controle, mas por dentro, ele sabia, estava tão em conflito quanto ele.
— Vai ficar me encarando ou vai ajudar? — ela perguntou, sem tirar os olhos da tela.
— Estou ajudando... com a parte visual — disse, com um sorriso preguiçoso.
Ela bufou.
— Você é insuportável.
— E irresistível. Fala a verdade, Almeida... você pensa em mim antes de dormir?
Ela finalmente olhou para ele.
— Sim. Penso em formas de te eliminar sem deixar rastros.
Ele riu, bebendo o vinho.
— Pena que ainda não tentou. Seria divertido ver você tentando me imobilizar na cama.
Ela se levantou, encarando-o.
— Eu não preciso tentar. Eu conseguiria.
— Quer apostar?
Por um segundo, o ar ficou mais denso. Ela deu um passo à frente, e ele a imitou. Estavam a centímetros de distância quando o rádio comunicador apitou.
— “Alvo em deslocamento. Veículo suspeito saindo da zona de entrega. Rota não autorizada.”
Ambos se viraram no mesmo instante. A adrenalina substituiu o desejo.
— Temos que ir agora — disse Lara, já pegando a pistola e o coldre.
— Eu dirijo — ele disse.
— Nem pensar. Da última vez quase batemos.
— Porque você estava gritando comigo.
— Porque você é teimoso.
— Porque você é mandona.
— Cala a boca, Costa. Vamos.
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A perseguição os levou a uma zona industrial afastada, onde galpões abandonados se erguiam como sombras silenciosas. O carro dos alvos havia parado em um deles. Era perigoso. Mas não tinham tempo para pedir reforço.
Ricardo desceu primeiro, com a arma em punho. Lara o seguiu, cobrindo seus flancos.
— Dois no telhado, um de cada lado. Provavelmente com visão térmica — ela murmurou.
— Entramos pelo subsolo.
— Concordo. Mas cuidado. Eles estão armados até os dentes.
A entrada pelo subsolo os levou por um túnel estreito. Sons abafados vinham de cima. Eles se comunicavam com sinais de mão. Avançaram em silêncio... até que o inesperado aconteceu.
Um estalo. Um fio mal colocado. Armadilha.
O chão cedeu levemente e uma explosão atordoante jogou Ricardo contra a parede.
— Costa! — Lara gritou, sentindo o coração gelar.
Ela se arrastou até ele. O sangue escorria da lateral da cabeça, mas ele ainda respirava.
— Não... não faz isso comigo... — ela murmurou, verificando os sinais vitais com mãos trêmulas.
Os olhos dele se abriram com dificuldade.
— Tá vendo... não é sempre que você me faz... perder a cabeça assim...
Ela fechou os olhos por um segundo, aliviada e irritada ao mesmo tempo.
— Cala a boca, idiota. Fica quieto.
O som de passos ecoou pelos corredores. Lara pegou a arma e se posicionou na frente dele, corpo tenso, olhos atentos. Ela não ia deixá-los se aproximarem. Não enquanto ele estivesse ali, vulnerável.
Foram três, quatro, cinco homens. Mas nenhum passou dela. Cada disparo foi preciso. Rápido. Letal.
Quando tudo terminou, ela voltou até ele, suada, com o coração disparado.
— Me deve uma.
— Você gosta de me salvar, Almeida. No fundo, te dá prazer.
— O que me daria prazer seria te dar um soco agora.
Ela o ajudou a levantar e, apoiado nela, conseguiram sair pela lateral do galpão. Um carro de fuga os aguardava a poucos metros.
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De volta ao apartamento, Lara o arrastou direto para o banheiro, limpando os ferimentos com firmeza.
— Fica quieto. Só mais um corte e você ia desmaiar.
— Só queria um motivo pra você cuidar de mim. Funciona toda vez.
Ela olhou para ele, exausta.
— Você podia ter morrido.
— Mas não morri. Porque você estava lá.
Ela largou o kit de primeiros socorros e se afastou, respirando fundo.
— Eu... não posso me envolver. Não posso... me permitir sentir nada por você.
Ele se aproximou. A voz mais baixa, mais séria.
— Mas sente.
Ela o encarou.
— Isso aqui não pode acontecer, Ricardo.
— Mas está acontecendo.
Ele a puxou pela cintura. Devagar. Sem forçar. Os olhos colados nos dela, esperando um sinal. E ela não se afastou.
Os rostos se aproximaram. Ela podia sentir o calor da respiração dele. O coração batia tão forte que doía. Mas, antes que o beijo acontecesse, ela se afastou.
— Boa noite — disse, voltando para o quarto com o corpo em chamas.
Ele a observou por alguns segundos, depois riu baixinho, murmurando para si mesmo:
— Uma hora você vai ceder, Almeida. E quando isso acontecer... vai ser guerra.
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Atualizado até capítulo 40
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