– A Outra Rainha

Ponto de vista de Beatriz

Beatriz não precisava ouvir confissões.

Ela sabia quando estava sendo enganada.

Sabia desde o instante em que Lorenzo a tocou pela última vez — semanas atrás — que o calor havia sumido. Que o toque era mais formal do que íntimo. Que ele a olhava como se ela fosse parte do cenário, não da cena.

Mas Beatriz Monteiro Ferraz não era mulher de confrontos impulsivos.

Ela era criada para vencer com silêncio.

Para observar. E atacar quando necessário.

Foi por isso que, ao perceber o distanciamento de Lorenzo, não o pressionou.

Não ligou no meio da noite.

Não chorou, nem gritou.

Ela apenas apareceu.

Com elegância, claro.

E estratégia.

Visitar o Hotel Esplendor — onde ele vinha se hospedando com frequência absurda — não foi apenas uma coincidência. Foi um recado silencioso. Um lembrete: “Eu estou aqui. E eu estou vendo.”

Quando pisou no saguão do hotel, seus saltos fizeram mais barulho do que as palavras que viria a dizer. Os recepcionistas se apressaram, como sempre. O gerente veio recebê-la com um sorriso falso e reverente. E então ela a viu.

A garota.

Simples. Jovem. Discreta demais para estar naquela posição.

Beatriz sabia reconhecer uma mulher tentando não chamar atenção.

E sabia que, às vezes, essas eram as mais perigosas.

Ela observou os olhos de Isabela.

E notou a rigidez contida.

O cuidado com cada palavra.

O leve tremor ao pronunciar “senhorita Ferraz”.

Não precisou de muito mais.

Era ela.

A peça fora do tabuleiro que, de alguma forma, mexia com Lorenzo.

Beatriz não sabia ainda o que exatamente havia acontecido — mas não precisava saber. Ela sentia.

E Beatriz Monteiro sempre confiou nos próprios instintos. Era o que a tornava letal em meio a tantas mulheres dóceis e previsíveis.

Ver Henrique flertando com Isabela foi irritante… mas útil.

Ele não passava de um espírito livre e descomprometido — mas, naquela noite, servia ao propósito perfeito: testar a reação de Lorenzo.

E funcionou.

Beatriz observou o jeito que Lorenzo fechou o semblante quando viu os dois conversando.

O modo como seus ombros tensionaram.

A raiva contida nos olhos.

Ele se importava.

Talvez nem soubesse disso ainda. Talvez se escondesse atrás daquela frieza habitual. Mas Beatriz viu.

E Beatriz nunca esquecia o que via.

Quando chamou Lorenzo de “amor” e lançou um comentário sutil sobre o ambiente do hotel, foi para marcar território.

Isabela não reagiu.

Mas isso também foi uma reação.

Aquelas mulheres quietas demais geralmente tinham mais a perder.

Ou mais a esconder.

Beatriz terminou seu drink sem pressa, sorriu com classe e fingiu ignorar a troca de olhares entre os dois.

Mas por dentro, anotava tudo.

E decidiu:

Se Lorenzo a traiu com aquela recepcionista... ela daria um jeito.

Se não traiu, mas sentia algo... ela daria um jeito também.

Porque, para Beatriz, aquele noivado não era sobre amor.

Era sobre poder.

Sobre nome.

Sobre status.

E sobre a posição que ela construiu cuidadosamente ao lado da família Ferraz.

E ninguém — nem mesmo uma garota de uniforme com olhos grandes e silenciosos — iria tirar isso dela.

Ponto de vista de Henrique

Henrique nunca se adaptou ao mundo da irmã.

Palácios de concreto, sorrisos ensaiados, casamentos por interesse. Aquilo tudo sempre pareceu mais prisão do que privilégio.

Foi por isso que, quando Beatriz o arrastou até o Hotel Esplendor com a desculpa de “precisar da sua companhia”, ele topou. Porque desconfiava que havia algo a mais por trás daquele súbito interesse em visitar o noivo.

E, como bom observador, bastaram cinco minutos no saguão para perceber que havia um jogo em andamento.

E no centro dele… estava ela.

Isabela.

Henrique não conseguia explicar o que exatamente o chamou a atenção nela. Talvez fosse o jeito contido de falar, o olhar que parecia carregar histórias demais para tão poucas palavras, ou o sorriso gentil que não parecia parte do uniforme.

Ela tinha algo que o mundo ao redor claramente não tinha: verdade.

E ele… estava cansado de tudo que era falso.

Beatriz, como sempre, estava ocupada demais em marcar presença com elegância estratégica. Já Lorenzo parecia uma estátua de terno — tenso, calado, quase desconfortável com a própria sombra. E foi justamente esse desconforto que entregou mais do que ele tentava esconder.

Henrique não era ingênuo.

Percebeu, de imediato, o jeito como o olhar de Lorenzo mudava ao ver Isabela.

Não era surpresa, não era tédio, não era nada casual.

Era dor.

Era lembrança.

Era sentimento.

E pior: do tipo que ele claramente estava tentando esconder — e falhando miseravelmente.

Foi aí que Henrique entendeu.

Entre os olhares cortantes de Beatriz, o silêncio tenso de Lorenzo e a tentativa de Isabela em manter a compostura... alguma coisa havia acontecido ali.

Talvez apenas uma noite. Talvez algo mais.

Ele não perguntou. Nunca foi de invadir espaços alheios.

Mas não resistiu à vontade de tentar iluminar um pouco aquele olhar triste que Isabela carregava.

— Você tem nome ou só crachá? — disse, quando se aproximou pela primeira vez.

Ela pareceu surpresa. Não acostumada com elogios, muito menos com brincadeiras sinceras.

— Isabela.

Ele repetiu o nome. Gostou do som. Simples. Quente. Honesto.

Henrique não estava flertando por esporte. Estava... curioso.

Queria saber por que aquela mulher parecia tão triste, mesmo sorrindo.

Queria entender o que ela escondia atrás daquele olhar sereno demais.

E talvez — só talvez — quisesse ser o primeiro a vê-la como mulher, e não como consequência.

---

Naquela noite, depois de jantar sozinho no restaurante do hotel, Henrique sentou-se no bar com um whisky leve e ficou observando de longe.

Viu Lorenzo entrar, disfarçar surpresa ao vê-lo ali, e tentar agir com naturalidade.

Viu Beatriz medir Isabela com os olhos como quem calcula a profundidade de uma ameaça.

E viu Isabela… se fechar. Como se cada segundo naquele ambiente a sufocasse um pouco mais.

Henrique apertou o copo entre os dedos e pensou:

Essa mulher está no lugar errado… com as pessoas erradas.

Mas ela resistia.

Firme. Calma. Elegante à sua maneira.

E isso o fez admirá-la ainda mais.

Não queria usá-la para provocar Lorenzo.

Nem se envolver em triângulos complicados.

Mas queria conhecê-la.

Queria descobrir que som teria a risada dela, se um dia fosse verdadeira.

E, no fundo, sentia que ela precisava de alguém que não esperasse nada — que apenas visse.

E ele via.

Via Lorenzo tentando enterrar o que sentia.

Via Beatriz fincando bandeiras em territórios que talvez nem fossem mais dela.

E via Isabela no centro disso tudo, carregando um segredo que talvez nem ela soubesse direito.

Henrique não sabia quanto tempo ficaria naquele hotel.

Mas sabia que, enquanto estivesse ali, queria estar por perto.

Não para interferir.

Mas para oferecer o que ninguém mais parecia disposto a dar:

Escolha.

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Comments

Shinn Asuka

Shinn Asuka

Quero mais histórias assim! 🙏

2025-06-22

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