A Outra Metade da História

Ponto de vista de Isabela

O hotel estava mais movimentado naquela semana. A recepção fervia com ligações, reservas e pedidos de última hora. Isabela, como sempre, mergulhou no trabalho com a precisão de quem prefere não pensar — quanto mais ocupada, menos espaço havia para memórias.

E menos espaço para sentimentos que ela lutava para sufocar.

Lorenzo continuava hospedado ali, e sua presença era uma constante. Ela já havia se acostumado a evitá-lo com profissionalismo: olhos baixos, voz firme, postura neutra.

Mas naquele fim de tarde, algo mudou no ar.

Ela soube assim que viu o carro de luxo parar diante da entrada, o motorista uniformizado correndo para abrir a porta traseira. De dentro, surgiu uma mulher de beleza impecável — longos cabelos castanho-claros, um vestido bege caro demais para parecer casual, e uma postura de quem sabia que o mundo a admirava antes mesmo de dizer o nome.

— Boa tarde. Estou aqui a convite do Lorenzo Ferraz. Meu nome é Beatriz Monteiro Ferraz — disse, sorrindo com uma suavidade treinada.

O nome acertou Isabela como um soco.

Ferraz.

Ela tentou não reagir, mas o estômago revirou.

Não... Ela deve ter ouvido errado. Devia ser uma prima. Uma sócia. Qualquer coisa.

Mas antes que pudesse formular uma resposta, o gerente se aproximou pessoalmente.

— Senhorita Beatriz! Um prazer recebê-la novamente. O senhor Lorenzo está na cobertura, como sempre. Vou mandar preparar o lounge privativo.

Beatriz assentiu com elegância. Passou os olhos pela recepção — e por Isabela.

Havia algo afiado naquele olhar. Uma curiosidade fria. Uma avaliação silenciosa.

E então, como se fosse uma peça de teatro perfeitamente ensaiada, surgiu ele.

— Henrique! — Beatriz chamou, sorrindo para o homem que saía do outro lado do carro.

Alto, charmoso, com um terno mais desalinhado que o de Lorenzo e um sorriso mais vivo. Havia uma leveza nele. Um brilho provocador nos olhos.

Henrique caminhou até a recepção com um ar descontraído e disse:

— E aí, prima? Está me colocando em mais uma cilada elegante?

— Nada disso — Beatriz respondeu. — A família do Lorenzo quer te conhecer melhor. Vai que casam você também.

Eles riram juntos, mas Isabela não achou graça alguma.

Henrique então olhou para ela. Fixou os olhos nos dela com curiosidade sincera.

E sorriu.

— Você trabalha aqui? — perguntou.

— Sim. — Isabela respondeu, tentando manter a voz neutra.

— Tem nome ou só crachá?

— Isabela.

Ele repetiu o nome como se quisesse senti-lo na boca.

— Belo nome. Combinaria com um vestido azul e um sorriso mais relaxado.

Beatriz revirou os olhos.

— Ignore. Ele flerta até com espelhos.

Mas Isabela não estava ouvindo mais.

O nome, Beatriz Monteiro Ferraz, continuava ecoando dentro dela.

Ferraz.

Noiva.

Família.

Primo.

Tudo agora fazia sentido.

Aquela noite...

Aquela única noite que ela guardava como algo real...

Foi uma traição.

Lorenzo estava comprometido.

Ela engoliu em seco, fingindo um sorriso para Henrique e agradecendo a presença.

Mas por dentro, tudo começou a ruir.

Naquela noite, ela não chorou.

Ficou sentada na varanda do pequeno quarto que alugava, com uma manta nos ombros e o olhar perdido no céu nublado.

Tentou lembrar se Lorenzo havia mentido. Se dissera que era solteiro. Não. Ele não disse nada.

Mas também não disse a verdade.

E isso, para ela, era pior.

Porque agora, tudo fazia ainda menos sentido.

A maneira como ele foi embora.

O silêncio.

A frieza com que fingia não conhecê-la.

Ela sentia vergonha.

E raiva.

E algo mais profundo... que ela ainda não queria nomear.

Mas uma coisa era certa: nunca contaria a ele o que suspeitou por semanas — e que agora, por força do orgulho, havia decidido ignorar.

Ela não estava grávida.

Era só estresse.

Desequilíbrio hormonal.

Nada além disso.

Era isso que ela diria para si mesma.

Era isso que ela precisava acreditar.

E Henrique... ah, Henrique.

Na manhã seguinte, ele apareceu no lobby com uma flor roubada do jardim do hotel e uma provocação nos lábios.

— Para você, Isabela. Uma flor por uma resposta: aceita almoçar comigo?

Ela riu, pela primeira vez em dias.

Não porque queria.

Mas porque estava cansada demais para recusar.

Talvez, pela primeira vez, ela precisasse mesmo de um pouco de leveza.

Mesmo que, lá no fundo, soubesse que estava prestes a entrar em outro tipo de tempestade.

Ponto de vista de Lorenzo

O hotel costumava ser seu refúgio.

O único lugar onde ele não precisava vestir o personagem por completo. Mesmo que fingisse não reconhecer Isabela — e fingia bem —, só o fato de vê-la ali, entre papéis, telas e sorrisos contidos, já acalmava alguma coisa que ele não sabia nomear.

Mas a tranquilidade terminou quando ele viu o carro de sua família parar na entrada.

Primeiro, desceu Beatriz.

A noiva que ele nunca escolheu.

A mulher que representava tudo que sua família queria manter em pé: imagem, reputação, estabilidade.

Beatriz era perfeita para o papel. E sabia disso.

Ela não cobrava amor, apenas presença. E cobrava com um sorriso firme, como quem exige sem sujar as mãos.

E então veio o segundo golpe: Henrique.

O cunhado folgado, inconsequente, e agora... hóspede.

Lorenzo sentiu o maxilar travar assim que soube que Beatriz estava nos corredores do hotel — sem avisar.

E que Henrique... tinha passado a manhã inteira no lobby conversando com Isabela.

Não bastava a culpa que ele carregava.

Não bastava fingir todos os dias que aquela noite não significou nada.

Agora, Beatriz rondava sua rotina e, pior, Henrique se aproximava da única pessoa que ele ainda não conseguiu apagar.

Quando o assistente lhe trouxe o relatório dos hóspedes V.I.Ps do dia, Lorenzo passou os olhos apenas por hábito. Mas parou ao ver o nome dela:

Beatriz Monteiro Ferraz. Acompanhante: Henrique Alves Monteiro. Solicitaram estadia de três dias. Suíte executiva. Presença confirmada no bar e no lounge principal.

O sangue subiu quente. Ele se levantou da poltrona, afastando o tablet com mais força do que precisava.

Desceu.

No bar do hotel, ele os encontrou.

Beatriz, elegantemente entediada, mexendo em seu drink rosa com um canudo de cristal.

E Henrique... rindo com Isabela.

A cena foi um soco.

Henrique, inclinado sobre o balcão como se fosse um adolescente em flerte. Isabela, recuada, mas com aquele sorriso contido que Lorenzo conhecia bem. Não era um “sim”, mas também não era um “não”. Era o sorriso de alguém tentando manter a educação — tentando manter o controle.

Lorenzo ficou imóvel por um segundo. O suficiente para sentir o estômago revirar.

Ela havia seguido em frente?

Ou estava apenas sendo gentil?

Por que aquilo o incomodava tanto?

Henrique notou sua presença primeiro.

— Lorenzo! Estávamos falando de você. — E deu uma risada exagerada. — Sua recepcionista favorita aqui tem mais charme do que todo esse hotel junto.

Beatriz virou-se, avaliando Lorenzo com um sorrisinho venenoso.

— Amor, pensei que ficaria feliz em nos ver aqui. Você tem passado tanto tempo neste hotel... Achei que era porque gostava do ambiente. Agora entendo melhor. — Ela lançou um olhar breve a Isabela. Frio. Cruel.

Isabela abaixou os olhos.

Lorenzo não respondeu.

O silêncio era mais seguro do que qualquer palavra que pudesse sair naquele momento.

Ele olhou para Isabela. E ela... nem sequer o olhou de volta.

Afastada. Fria. Perfeita.

Aquilo o matou um pouco.

Não sabia se era ciúmes, culpa ou um impulso primitivo de proteger algo que ele mesmo destruiu. Mas o que sabia era: Henrique não era homem para ela. Nem por uma noite. Nem por gentileza.

Mas o que ele podia fazer?

Nada.

Ele a deixou.

Ele mentiu por omissão.

Ele desapareceu.

E agora, ela era livre para sorrir para quem quisesse.

Mesmo que cada sorriso dela para outro homem o fizesse querer quebrar todas as regras que ele jurou seguir.

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