O apartamento era pequeno, abafado… e cheirava a passado. Cada canto trazia ecos de um tempo que eu pensei ter superado. Os móveis antigos ainda estavam ali, firmes, envelhecidos. Os quadros tortos nas paredes, os livros empoeirados na estante — tudo permanecia exatamente como eu havia deixado antes de me mudar para a casa onde sonhei construir uma vida com Shamantha.
Foi ali que morei por anos. Meu refúgio, meu ninho. Um lugar solitário, mas meu. E agora, parecia o único lugar seguro para onde eu podia correr depois da noite em que tudo desmoronou.
A garrafa de uísque jazia vazia sobre a mesinha de centro, e o copo tombado no chão deixava um rastro escuro no tapete, como uma cicatriz de tudo o que eu queria esquecer. O gosto amargo ainda estava na minha boca, mesmo com a ressaca me estilhaçando por dentro. Acordei com o sol atravessando a cortina e uma dor latejante pulsando na minha cabeça. Meus olhos ardiam. Meu corpo pesava. Mas o que mais doía… era o coração.
As lembranças vieram como lâminas afiadas, cortando cada tentativa de negação.
O rosto dela.
O sorriso leve.
A mão sobre a dele.
O toque no rosto.
Aquele beijo próximo demais para ser inocente.
Rodrigo.
E ela.
Minha mulher.
Me arrastei até o banheiro, olhei meu reflexo no espelho trincado. Não reconheci o homem diante de mim. Pálido. Olheiras profundas. Olhos sem brilho. Um estranho dentro da própria pele.
“Nunca mais,” pensei, firme, encarando aquele reflexo destruído. “Eu nunca mais quero vê-la na minha frente.”
Demorei no banho, como se a água pudesse lavar não apenas o cheiro de bebida, mas também a mágoa que se entranhou na pele. Vesti a primeira camisa limpa que encontrei — ainda amassada, esquecida no fundo da gaveta — e saí.
Dirigi em silêncio até a casa de Valter e Mary, os pais dela. Não sabia exatamente por que tinha escolhido ir até lá. Talvez porque, apesar de tudo, eu ainda os respeitava profundamente. Ou talvez porque eu precisava encerrar aquilo de forma digna, olhando nos olhos de quem sempre me acolheu como filho.
Quando estacionei em frente ao portão, Mary apareceu na varanda. Sorriu. Aquele sorriso de sempre, leve, afetuoso. Como se o mundo ainda estivesse no lugar.
— Leonardo! Que surpresa boa, meu filho! — disse ela, abrindo a porta antes mesmo que eu saísse do carro.
Valter logo surgiu atrás dela, sorrindo e abrindo os braços como sempre fazia.
— Entra, rapaz. Que bom te ver por aqui.
Tentei retribuir o sorriso. Forcei. Mas meus olhos não mentiam. A dor estava ali, estampada, viva, berrando por dentro. Entrei. Sentei no sofá da sala. Eles se acomodaram à minha frente, e o silêncio inicial foi mais denso que qualquer palavra.
Mary foi a primeira a perceber.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, com o semblante preocupado. — Você parece abatido...
Respirei fundo. Precisei de força para dizer. Mas já não dava mais para fingir. Nem para esconder.
— Eu vim aqui porque vocês merecem saber a verdade. O meu casamento com a Shamantha… já faz tempo que não vai bem.
Valter franziu a testa, surpreso.
— Como assim, filho? Mas vocês sempre pareceram tão unidos…
— Parecíamos — corrigi, com amargura escorrendo na voz. — Mas a verdade é que a Shamantha nunca me amou como eu a amava. E… ontem, eu vi com meus próprios olhos. Ela estava com outro homem. O chefe dela. Rodrigo. De mãos dadas. Trocando carinhos. Como se eu nunca tivesse existido.
Mary levou a mão à boca, chocada.
— Meu Deus… Leonardo, não… deve ter algum engano...
— Não tem engano, Mary. Eu vi. Ela não fez questão de esconder. E não foi só isso. Já faz tempo que ela me evita, me trata como um estranho. Como um peso. Eu tentei… juro que tentei de tudo pra salvar esse casamento. Aguentei em silêncio, carreguei sozinho. Esperei que ela me olhasse como eu a olhava. Mas acabou.
O silêncio caiu como uma pedra no meio da sala. Valter abaixou a cabeça, sério. Mary parecia desolada, sem palavras.
— E o que pretende fazer agora? — Valter perguntou, cauteloso.
Ergui o rosto. Pela primeira vez em dias, senti firmeza em mim mesmo.
— Vim avisar vocês que meu advogado vai entrar em contato com a Shamantha nos próximos dias. Vamos dar início ao processo de divórcio. E, com todo respeito que tenho por vocês… queria que soubessem disso antes dela.
— Leonardo… — Mary tentou dizer algo, os olhos marejados. — Vocês não querem conversar? Talvez…
— Não, Mary — interrompi, com delicadeza, mas decidido. — Não tem mais conversa. Não tem mais casamento. Vou mandar alguém buscar minhas coisas. Não quero vê-la. Nunca mais.
Valter me encarou por alguns instantes. Depois, assentiu lentamente.
— Está certo, filho… A gente vai falar com ela.
Me levantei. Ajustei os punhos da camisa, engoli em seco, e disse:
— Eu sonhei com uma vida ao lado da sua filha. Sonhei com uma família, filhos… amor. Mas o amor não se constrói sozinho. Obrigado por tudo que vocês sempre fizeram por mim.
Mary me abraçou. E no abraço dela eu senti o pesar de quem também estava perdendo.
— Me desculpa, Leonardo… Me desculpa pela nossa filha.
Retribuí o abraço, embora não tivesse mais forças para chorar. E saí.
Fechei o portão atrás de mim como quem fecha um ciclo. Mas não consegui deixar toda a dor lá dentro. Uma parte ainda vinha comigo — cravada nas costas, latejando no peito.
Voltei para o velho apartamento. Me joguei no sofá, o mesmo onde já chorei outras perdas. Olhei para o teto por longos minutos. O silêncio era ensurdecedor. E tudo o que ecoava na minha cabeça era a pergunta que eu evitava: “E agora?”
Como seria minha vida sem ela?
Não sei.
Só sei que algo dentro de mim se quebrou de forma irreparável. E pela primeira vez, jurei a mim mesmo que nunca mais me entregaria assim a ninguém.
Nunca mais abriria meu coração de novo.
Esse tipo de dor…
Esse tipo de amor…
Não vale o preço que estou pagando. Vou tentar levantar, sei que pode demorar, mais vou conseguir.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Erika Kinha
Levanta a cabeça, Leonardo! Siga a sua vida da melhor forma possível! Você foi um homem maravilhoso, mas ela não te deu valor.😉
2025-06-21
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Francis Damasceno
Ah! Sempre há "essa" promessa. Daí quando encontra alguém de valor o faz sofrer até se tocar de que está apaixonado. Espero que ele recomece com outro alguém, pois ela não merece o seu perdão.
2025-06-22
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