A madrugada estava fria e úmida quando os portões da Escola Santa Clara rangem em protesto, empurrados por mãos frágeis e apressadas. Uma mulher trêmula, envolta em um casaco puído, parou diante da porta principal. Seus olhos estavam marejados, não apenas pelo vento cortante, mas pela dor que lhe rasgava o peito. Nos braços, um pequeno fardo — um bebê envolto em cobertores encardidos, dormindo com a serenidade de quem ainda não conhecia o inferno que é viver.
Ana sabia que não era mãe. Não uma de verdade. Era apenas o receptáculo de uma vida que o mundo já havia decidido rejeitar. Suja, viciada, sobrevivente da sarjeta e dos becos escuros de uma cidade que não perdoava fraquezas, ela havia cometido o único ato de amor que ainda lhe restava: entregar a filha à única chance que tinha de viver sem carregar o fardo do sangue que corria em suas veias.
Ela bateu uma vez. Depois outra. O bebê não acordou.
Ana se afastou, caminhando pelas sombras, de volta ao mundo que a possuía como um cão faminto. Não teve tempo de chorar. No instante em que dobrou a esquina, um estampido seco rasgou a madrugada. A bala atravessou sua nuca. O corpo caiu sem resistência, como uma boneca quebrada. Seu dono, um traficante conhecido por punir a deserção com a morte, apagou a chama de Ana sem hesitar.
A vida de Ana se extinguiu ali, no silêncio pútrido do asfalto. Mas a de sua filha — **Isadora** — estava apenas começando.
Isadora cresceu entre as paredes úmidas e frias da Escola Santa Clara. Desde o primeiro dia, foi tratada como alguém que nunca deveria ter existido. Uma criança sem nome, sem pais, deixada como um fardo indesejado. A madre superiora, Catarina, recebeu a bebê com o olhar gélido de quem enxerga pecado até no silêncio. “Filha da perdição”, murmurou ao vê-la. Desde então, esse sussurro ecoou nos corredores de pedra como um presságio.
Os anos passaram, e Isadora se transformou. A menina de olhos grandes e pele translúcida crescia em silêncio, com passos leves e presença quase etérea. Havia algo nela que incomodava. Sua beleza era estranha, melancólica — um tipo de beleza que não buscava aprovação, mas que arrancava olhares e sussurros mesmo sem querer.
Suas feições delicadas, seus cabelos dourados que pareciam sempre iluminados mesmo sob os véus da noite, sua postura recatada, submissa, mas nunca subserviente — tudo nela provocava desconforto. As outras noviças cochichavam: "bruxa", "amaldiçoada", "filha do pecado". E as freiras... bem, a maioria se limitava a manter distância. Apenas algumas poucas, como a irmã Amália, tentavam tratá-la com compaixão. Mas mesmo elas não ousavam desafia abertamente. Não por medo de Isadora, mas pelo que ela parecia despertar.
Isadora não entendia por que era odiada. Nunca revidava. Nunca gritava. Nunca chorava na frente de ninguém. Carregava no olhar uma tristeza calma, uma espécie de resignação que parecia vir de outra era, de outro mundo. E isso enfurecia ainda mais Catarina.
Madre Catarina era uma mulher de pedra. Altiva, magra, com o rosto marcado por sulcos profundos e olhos tão frios quanto aço em lâmina. Governava o colégio com punho de ferro e fé distorcida. Para ela, o amor era fraqueza e a obediência, virtude suprema. Via na punição o caminho da purificação. E Isadora... era a faísca que acendia seu ódio.
— Você nasceu do pecado. Foi entregue aqui como oferenda, e será purgada pelo fogo do Senhor — dizia, sempre com o tom cortante, quase ritualístico.
Isadora apenas abaixava a cabeça e sussurrava: “Sim, madre.”
Era essa docilidade que mais a enfurecia. A madre queria lágrimas. Queria gritos. Queria que Isadora perdesse o controle, que se revelasse como a serpente que ela acreditava que a menina era. Mas não. Isadora apenas suportava.
As punições eram frequentes. Isadora ajoelhava por horas sobre grãos de milho, apanhava com varas molhadas, era obrigada a dormir no chão da capela gelada durante noites inteiras. E mesmo assim, no dia seguinte, ela estava de pé. Com o olhar calmo. Com um sorriso pequeno, quase triste.
E isso... isso fazia Catarina desejar vê-la queimada.
Naquela noite em especial, o céu estava sem estrelas. Um presságio, diriam os mais supersticiosos. Mas naquele convento, ninguém ousava falar de sinais. A capela estava vazia, exceto por Isadora, ajoelhada diante da imagem da Virgem. Suas mãos estavam unidas, mas seus lábios não se mexiam. Ela apenas olhava, fixava, como se esperasse uma resposta que nunca vinha. Ela pegou no sono que não havia percebido.
O silêncio era absoluto. Até que uma corrente de ar percorreu o ambiente. As velas vacilaram. E uma presença se fez sentir. Algo antigo. Algo que não pertencia àquele lugar.
Isadora ergueu a cabeça.
— Você me chama, menina? — A voz era como um sussurro dentro da mente, quente e sedutor, como veludo negro envolto em fumaça.
Ela não respondeu, mas seus olhos se encheram de algo novo. Um calor estranho. Uma memória que ela não sabia que tinha.
— Sua alma não é deles, Isadora. Você foi marcada desde o nascimento. O sangue que corre em suas veias não pertence ao céu. E eu... estou esperando você desde o seu primeiro choro.
Ela caiu de joelhos, tonta. Um calor percorreu sua espinha. Por um momento, viu imagens — chamas, olhos vermelhos, um trono em meio à escuridão. É uma silhueta masculina, imensa, bela, terrível com uma voz muito sedutora e envolvente.
Mas logo tudo sumiu. Ela abriu os olhos assustada
A porta da capela então se abriu com violência. Catarina entrou, os olhos faiscando.
— O que está fazendo aqui a essa hora, sua ingrata?
Isadora apenas baixou a cabeça e ficou em silêncio, se levantou e saiu.
No seu quarto, Isadora ficou pensando no sonho que teve na igreja, dormiu rezando o terço, por que ela sonhou com algo profano daquele jeito, será um aviso. E assim foram os dias passando e o pesadelo com o homem alto e musculoso vestido em ternos caros a atormentava.
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Atualizado até capítulo 53
Comments
N😍S😍S😍 Minhas Pedras precio
Quero mais capítulo autora 🤩🤩🤩🤩
2025-06-18
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