As pedras da caverna cantavam baixinho com o vento de fora, mas ali dentro, onde a luz não ousava tocar, só havia silêncio.
A não ser por ela.
A bruxa, a loba.
O sangue dela pulsava debaixo da pele como se tentasse conversar comigo. Inútil. Eu já sabia tudo o que precisava… ou quase tudo.
Alaris.
Tão forte. Tão cheia de luz.
E ainda assim… ela veio.
O feitiço era sutil. Um sussurro no vento dos sonhos. Mas ela respondeu.
Eles sempre respondem.
A diferença é que ela sobreviveu à travessia.
Meus olhos pousaram sobre seu corpo adormecido, acorrentado pela antiga malha de runas que nem mesmo Elowen conseguiria quebrar sem perder parte da alma.
Eu me encostei no trono.
E aí ele veio.
Como um fedor que o tempo não conseguiu apagar.
Maegor.
A sombra surgiu em minha mente como fazia desde sempre, como uma maré de lodo tentando me afogar.
— Você a trouxe.
— Você sente, não sente? O poder dela… o que podemos fazer juntos. A alma dela é uma ponte, Kaelhar. Use-a. Rasgue-a. E deixe que eu...
— Você fala demais. — rosnei, em minha própria mente.
Ele riu. Sempre ria. Achar que aquele som ainda me feria era sua maior fraqueza.
— Você é meu filho. Sem mim, não passaria de um erro abortado no ventre morto da sua mãe.
Um estalo seco soou.
Não precisei mover um músculo.
Maegor cambaleou dentro do vazio psíquico que construí para mantê-lo. Correntes de pura vontade o ergueram do chão mental e apertaram seu pescoço.
Com força.
Com desprezo.
— Não confunda sangue com domínio. — sussurrei. — Você foi rei de sombras. Eu sou senhor delas. E você só está aqui porque eu permito. Não por escolha. Mas por estratégia.
O rosto de Maegor contorceu-se em orgulho ferido.
— Você me teme.
— Não. — apertei mais. — Eu te uso. Como uma arma enferrujada que ainda fere quando preciso.
— Mas tente mais uma vez me manipular... tente me tratar como seu sucessor sem cérebro… e eu te apago, até da lembrança.
As correntes se soltaram. Ele caiu no chão do vazio com um grunhido de dor abafada.
Voltei meus olhos para a realidade, para o corpo diante de mim. Alaris respirava fundo. Já se mexia. Sentia.
Ela era a filha deles.
E eles acham que podem me salvar por meio dela.
Como se eu fosse algo a ser redimido.
Idiotas.
— Vai matá-la? — Maegor perguntou atrás de mim, ainda ajoelhado, sujo de humilhação.
— Não hoje. — respondi.
— Primeiro, eu quero entender o que a luz dela teme. Depois, eu quebro esse medo. E aí, quando não sobrar nem a sombra de quem ela é… Ela mesma vai me pedir para destruir tudo.
Me sentei no trono.
Com um gesto, as chamas da caverna se acenderam.
E ela, lentamente, abriu os olhos.
Bem-vinda, Alaris.
Agora o jogo começaria.
E eu fazia as regras, e ela mesmo furiosa estava ali, subjugada a minha vontade.
O vazio se dissolveu. As correntes de Maegor ficaram para trás, mas sua voz ainda vibrava nas bordas da minha mente como uma febre teimosa.
Ela é uma chave. Uma fraqueza. Um erro.
Mas não era assim que ela parecia ali, amarrada sob a luz oscilante do fogo.
Aproximei-me.
Silencioso como o pensamento de um assassino antes do golpe.
Meus olhos a devoraram — contra a minha vontade… ou talvez exatamente por ela.
Ela estava desperta.
Lenta. Confusa.
Mas linda.
Maldita. Linda.
Cabelos brancos como a aurora sobre neve. Pele marcada por magia, mas carregada de doçura e inocência.
E os olhos… os olhos ainda nãomostravam nada.
Os olhos de Elowen. Mas mais selvagens.
Mais perigosos.
Ajoelhei-me diante dela.
Minhas mãos se ergueram antes que eu pensasse.
Toquei seu rosto.
A pele era quente. Suave. Quase humana demais para uma bruxa.
Deveria ser só um gesto de análise, mas…
Passei o polegar por sua maçã do rosto. Depois pela linha do maxilar.
Delicadeza.
Inútil.
Irritante.
Mas eu não parei.
Ela é só um corpo. Só magia. Só sangue.
Ela é uma peça. Um obstáculo.
Então por que meu toque hesitou quando chegou à curva dos lábios?
Por que minha respiração ficou presa como se ela pudesse ouvir?
Eu sabia o que devia fazer.
Já devia ter feito.
Filtrar. Quebrar. Destruir.
Como tudo o que me ensinaram a fazer com o que ameaça meu poder.
Mas… e se fosse diferente?
E se, ao invés de apagá-la, eu… a mantivesse?
Para observar. Para entender, ou eu a desejava, era contraditório, minha mente falava morte, gritava vingança, mas meu corpo clamava toque, cuidado, me vi pensando em soltar as correntes, dar água, comida, mas não podia me render, não em tão pouco tempo, percebi que sua maior arma é a beleza e isso facilmente me destruirá.
Raiva? Cuidado? Ódio? Sentimentos contraditórios, mas uma coisa sabia... não podia me deixar sentir algo que nem eu mesmo sabia nomear.
Isso é fraqueza, Maegor sussurraria.
Mas ele não estava ali agora.
E mesmo que estivesse… ele não mandava mais.
Me levantei devagar, mas não sem olhar uma última vez para aquela boca.
Aquela maldita boca.
A tentação não era ela.
A tentação era imaginar o que eu me tornaria se a deixasse viver.
E isso… isso era muito mais perigoso do que qualquer feitiço.
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Atualizado até capítulo 23
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
estoy enamorado e esse amor é tão grande...😏🤭😎
uiiiii, o cupido acertou e nem sabe que foi ele🤭
2025-06-25
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