Levaram minha filha.

A floresta sussurrava, mas meu peito gritava.

Não era o vento entre os galhos que me incomodava, nem a trilha difícil do retorno. Era o vazio. Um espaço onde o cheiro de minha filha deveria estar. A presença dela. A vibração que eu sempre sentia, mesmo de longe.

Mas hoje… não havia nada.

— Elowen… — falei, e minha voz soou mais rouca do que eu esperava. — Você a sente?

Minha esposa, tão bela e letal, parou ao meu lado. Os olhos prateados brilharam por um instante antes de fecharem.

Ela sacudiu a cabeça.

— Não como antes. Está… turvo. Distante, chegamos em casa nervosos, era impossível não estar, naquela noite a lua parecia tramar alguma coisa.

Meu coração, esse tolo guerreiro que nunca soube calar, disparou como numa guerra antiga. Alaris sempre foi forte, decidida. Mas também era teimosa. E havia aprendido cedo demais a esconder as dores atrás dos olhos azuis.

Nós a treinamos para ser uma guerreira. Mas esquecemos de ensiná-la a pedir ajuda.

— Ela não está no quarto, alguém fez mal a nossa filha, posso sentir. — ela falou aflita.

Um estalo entre os arbustos me fez girar, a mão já na espada. Mas era Ferren. Na forma humana, ofegante, a pele suja de terra e suor. O desespero queimava no rosto dele.

— Ele levou ela! — gritou. — Kaelhar levou Alaris!

Elowen ficou pálida. Eu senti o chão recuar.

— Como? — minha voz saiu firme, mas por dentro eu era só ferro trincando. — Como ele chegou até ela?

— Sonhos. — Ferren engoliu em seco. — Ele chamou por ela nos sonhos. E ela… ela foi.

Meu punho fechou-se como se pudesse quebrar o ar.

— Eu devia ter insistido e deixar sua mente aberta. Deveríamos ter insistido. Ela era muito jovem quando decidiu bloquear tudo.

— Ela queria ser forte — disse Elowen, com a embargada. — Foi muita responsabilidade, saber o que nós somos.

— Mas ninguém merece carregar o peso sozinho — rosnei.

Ferren se aproximou, os olhos vermelhos.

— Eu fui com ela. Eu tentei. Mas ele… ele apareceu como sombra. Preparado. terrível. Chamou por ela. E ela… viu Maegor. Dentro dele.

Elowen levou a mão à boca, cambaleando um passo.

— Deuses… não.

Minha mente girava. Maegor. O nome queimava como ferro quente em minha língua.

Eu o vi morrer. Eu vi sua escuridão se apagar.

Mas agora… ele ardia de novo. Dentro do filho que nasceu da ruína.

— Ferren — me virei para ele, firme. — Você viu para onde foram?

— Não… Ela desapareceu em fumaça. Ele cantou algo. Um encantamento antigo. Levaram-se como vento.

Olhei para minha esposa. Seus olhos brilhavam com a dor de uma mãe, . Eu a envolvi nos braços.

— Nós vamos encontrá-la. Ouviu? Vamos. Nem que eu tenha que atravessar cada plano, cada sombra que Kaelhar esconder.

Elowen me agarrou como se eu fosse sua âncora.

— Ela é nossa luz. — choramingou, ela era a mais forte, mas ali era uma mãe desesperada.

— E ele vai aprender — sussurrei contra seus cabelos — que mexer com a filha da bruxa… é provocar a fúria de quem já matou a escuridão uma vez.

Ferren assentiu. Os olhos de lobo estavam de volta.

— Começamos no campo. Lá onde o chamado ecoou.

A guerra havia começado de novo.

Mas agora, era pessoal.

Não encontramos nada, resolvemos voltar.

O santuário cheirava a ervas queimadas, incensos ancestrais e promessas quebradas.

As bruxas se reuniam em círculo, cada uma entoando um fragmento da antiga língua, a mesma usada quando nós enterramos Maegor nas profundezas da terra.

A câmara viva da casa pulsava com magia: paredes gravadas com runas, pedras encantadas flutuando no ar, e no centro, uma tigela de obsidiana onde a fumaça formava rostos e lugares que apenas os olhos preparados podiam decifrar.

Eu me mantinha em silêncio, os punhos cerrados. Observava minha mulher ajoelhada no círculo, mãos erguidas, olhos fechados. A magia fluía através dela como uma maré luminosa.

Mas do outro lado do véu, algo resistia.

Até que…

— Ele está… permitindo. — sussurrou uma das bruxas. — Ele quer ser visto.

A fumaça no centro tremeu… e então moldou-se. Primeiro sombras, depois ossos. Depois olhos que ardiam como brasa. E lá estava ele.

Kaelhar.

Alto, em trajes escuros como a noite entre mundos. Os cabelos negros caíam sobre os olhos. As mãos seguravam uma rosa que murchava em seu toque. Atrás dele, a caverna. Nebulosa. Sombria. E o brilho branco de Alaris, algemada com fios de prata, como uma estrela presa entre sombras.

Dei um passo a frente tentando intimidar:

— Kaelhar. Eu te conheci criança. Tentei dar a você um caminho. Não era esse o destino que ela merecia. Libere minha filha.

Kaelhar sorriu. Um sorriso lento, irônico, como quem assiste uma peça que já conhece o final.

— Tália também não queria morrer, Rhaizal. — sua voz soou como um trovão abafado. — Mas o choro dela não impediu você e Elowen de arrancarem sua alma do mundo. Ela estava grávida. Ela implorou.

A sala tremeu com a emoção que se ergueu dele, mesmo em visão, ele estava ali.

Elowen, ainda silenciosa, abriu os olhos. Dentro deles, o branco da magia pura acendeu-se. Ela avançou na mente de Kaelhar como uma lâmina: rápida, fria, sem hesitação.

Mas ele não recuou.

Apenas virou o rosto… e sorriu.

— Você não entra onde há ferro encantado, Elowen. Nem com o sangue de bruxa. Nem com a dor de mãe.

A imagem estremeceu.

Elowen respirou fundo, e um leve corte apareceu em sua têmpora, um reflexo da resistência mental de Kaelhar. Ele tinha espinhos até no pensamento.

— Como ele…? — murmurou uma das bruxas, pasma.

Kaelhar inclinou a cabeça, como se ouvisse.

— Como fiquei tão poderoso? — repetiu, zombeteiro. — Talvez o abandono. Talvez o ódio. Talvez o silêncio de um ventre morto me tenha dado mais do que berço: me deu propósito.

Ele olhou direto para mim.

— Vocês criaram a luz… Mas eu sou o que sobrou da sombra que ela deixou para trás.

E então, desapareceu.

A fumaça se desfez como neve ao toque do fogo.

Respirei fundo, os olhos fixos na tigela vazia.

— Ele não está só… — sussurrou.

Elowen, com a voz baixa, confirmou:

— E o que o move… não é só vingança. É fé. Uma fé deturpada, moldada em dor.

Ferren, que observava desde a entrada, sussurrou entre os dentes:

— Então vamos dar a ele algo novo em que acreditar.

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Maria Helena Macedo e Silva

Maria Helena Macedo e Silva

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2025-06-25

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