O silêncio depois da saída de Nicolas pairava espesso no ar. Clara estava sentada no sofá, visivelmente constrangida, mas também… mexida. O calor do beijo anterior ainda queimava em sua pele, mesmo que tentasse se concentrar na realidade.
Leonardo ajeitou Sofia nos braços, a cabeça dela encostada em seu peito.
— Se quiser que eu vá, eu entendo — disse ele, em voz baixa, respeitosa.
Clara levantou os olhos. Por um instante, vacilou. Mas algo nela mudou. Cansada de fugir dos próprios sentimentos, ela apenas balançou a cabeça.
— Não… fica.
Léo sorriu, discreto, aliviado. Colocou Sofia com cuidado ao lado dela, cobrindo-a com uma mantinha. Depois, se aproximou e sentou-se de novo ao lado de Clara, mas dessa vez, mais perto. Sem cerimônias.
— Você está com febre — disse ele, tocando suavemente a testa dela. — Deita no meu colo. Vai descansar.
— Leonardo…
— Só deita. Eu não mordo — brincou, baixinho, com aquele sorriso que a fazia esquecer o próprio nome.
Ela suspirou e se rendeu. Deitou-se com a cabeça no colo dele, e sentiu os dedos dele começarem a acariciar seus cabelos. Os toques eram leves, íntimos, quase reverentes.
— Você é diferente do que eu imaginava — murmurou ela, sem abrir os olhos.
— E você é tudo o que eu nunca soube que procurava — ele respondeu, firme, olhando para o teto, como se confessasse para si mesmo.
Clara abriu os olhos devagar e virou o rosto pra encará-lo de onde estava deitada. Os rostos tão próximos, as respirações misturadas. O silêncio era puro desejo.
Ela se ergueu lentamente, ficando frente a frente com ele.
— Eu devia mesmo estar evitando isso…
— Mas você não quer, né?
Ela hesitou. Depois negou com a cabeça.
Ele a puxou devagar, uma das mãos na nuca dela. O beijo veio mais firme desta vez, mais intenso, carregado de tudo que não podia mais ser contido. Beijaram-se com a urgência de quem queria compensar o tempo perdido. As mãos dele deslizaram pelas costas dela, os dedos entrelaçando em seus cabelos, e ela se permitiu. Por alguns minutos, não existia o mundo lá fora. Só eles dois.
Até que uma vozinha interrompeu o momento:
— Tio Leo?
Sofia, de pé no sofá, coçando os olhos.
Leonardo e Clara se afastaram rápido, com as bochechas coradas. Mas ele sorriu e a puxou para o colo.
— Oi, minha pequena. Você dormiu bem?
— Você vai embora? — perguntou, abraçando o pescoço dele com força.
Leonardo trocou um olhar com Clara, que apenas observava em silêncio, com o coração disparado.
— Só se você deixar — respondeu ele, sorrindo.
Sofia apertou os bracinhos ao redor dele.
— Então não vai. Dorme aqui com a gente.
Clara abriu a boca para responder, mas a expressão no rosto da filha era de súplica pura. Ela suspirou, vencida.
— Pode ficar no sofá… se quiser.
— No sofá? — brincou ele, fingindo ofensa. — Depois de cuidar de vocês, dar comida na boca, ser travesseiro e babá?
Clara riu.
— Tá certo. Pode usar a cama da Sofia. Eu durmo com ela.
— Nem pensar! — Sofia gritou. — A mamãe e o tio Léo dormem comigo!
Leonardo e Clara se entreolharam, surpresos e meio sem graça.
— Só hoje — disse Clara, com um sorriso envergonhado. — Porque a mamãe está doente… e você também não desgruda do seu novo melhor amigo.
Sofia bateu palmas, feliz.
Minutos depois, os três estavam na cama pequena, amontoados, aconchegados. Sofia ao centro, segura entre os dois. Leonardo passou o braço por cima da menina, tocando a mão de Clara por baixo do cobertor.
Ela apertou de volta.
— Obrigada por ter vindo — sussurrou ela, já meio sonolenta.
— Eu viria mil vezes, Clara. Sempre que você precisar… ou mesmo quando não quiser.
E com o coração mais leve do que em muitos anos, Clara adormeceu entre o que ela tinha perdido… e o que talvez estivesse começando a ganhar.
Um lar.
⸻
O sol ainda nascia quando Leonardo abriu os olhos. Clara dormia profundamente, deitada ao lado de Sofia, que o abraçava como um ursinho de pelúcia. A cena fez um sorriso escapar do seu rosto. Se aquilo fosse um sonho, ele não queria acordar.
Mas o cheiro de café vindo da cozinha quebrou a bolha de paz.
Ele se levantou devagar, ajeitando as cobertas com cuidado, e foi até a sala, ainda com o cabelo bagunçado. Ao chegar à cozinha… parou na porta.
Nicolas estava lá.
De avental. Preparando o café da manhã como se aquela fosse a casa dele.
— Bom dia — disse Leonardo, tentando manter o tom calmo.
Nicolas se virou com um meio sorriso, daqueles que escondem espinhos.
— Ah… você ainda está aqui.
— Clara estava passando mal. Achei melhor não deixá-la sozinha — disse Leonardo, cruzando os braços.
— Interessante. Isso é algo que um namorado faria… ou um intruso?
Leonardo arqueou a sobrancelha, sem tirar os olhos dele.
— E você seria o quê, exatamente? O vizinho prestativo? Ou tem outra intenção?
Nicolas pousou a colher na pia, encarando-o.
— Sou alguém que conhece a Clara há anos. Que viu a Sofia nascer. Que ajudou quando ninguém mais ajudava. E que não acha saudável um CEO milionário aparecer do nada e querer ocupar um lugar que não é dele.
O golpe foi direto, mas Leonardo nem piscou.
— E qual seria esse lugar? O de pai? O de homem que se importa? Porque até onde vi… Clara não pareceu incomodada com a minha presença ontem à noite.
Nicolas deu um passo à frente, a tensão entre os dois crescendo como eletricidade estática.
— Você pode ser rico, bonito e carismático, Leonardo. Mas eu conheço homens como você. Eles sempre querem tudo fácil. E quando as coisas apertam… somem.
Leonardo sorriu de lado, frio.
— Eu não sou “homens como eu”. E o que eu quero… não é fácil. Mas vale a pena. Cada segundo.
Nesse momento, Clara apareceu na porta da sala, ainda de pijama e com o rosto abatido.
— Vocês estão discutindo?
Os dois se viraram ao mesmo tempo, tentando suavizar as expressões.
— Só conversando — disseram, quase em uníssono.
Ela franziu o cenho, desconfiada.
— Tá bom… bom dia.
— Bom dia, Clara — disse Nicolas, pegando a xícara. — Fiz chá pra você. Tá quente.
Ela agradeceu com um sorriso breve. Leonardo, por sua vez, se aproximou e tocou de leve sua cintura.
— E a febre?
— Melhor… graças a você — disse ela, sem pensar, antes de perceber que Nicolas ainda estava na cozinha.
O clima ficou estranho por alguns segundos.
Sofia surgiu logo depois, correndo para Leonardo.
— Tio Leo! Você ainda tá aqui!
Ela se pendurou no pescoço dele, e ele a ergueu no ar com facilidade. A menina deu um beijo no rosto dele, espontânea, feliz.
Nicolas observava em silêncio, os olhos escurecendo a cada gesto de carinho que via.
— Você vai voltar hoje? — perguntou Sofia.
— Só se a sua mamãe deixar — disse Leonardo, sorrindo.
Clara ficou sem resposta por um instante. Mas a voz de Nicolas veio antes.
— Clara, posso falar com você depois? A sós?
Ela hesitou. Leonardo percebeu. Estava na cara: Nicolas queria deixar claro que ainda tinha lugar ali… mesmo que ela já estivesse começando a abrir o coração para outro.
— Podemos conversar sim — disse ela, tentando não olhar para Leonardo.
Ele assentiu, forçando um sorriso.
— Claro. Conversar é sempre bom — disse, com ironia sutil.
Enquanto o café da manhã se desenrolava, Clara sentia o ar carregado. Sofia, inocente, ria com Leonardo, enquanto Nicolas observava tudo como quem esperava o momento certo para agir.
Clara secava as mãos no pano de prato, inquieta. Sofia brincava no quarto e Leonardo tinha saído para atender uma ligação importante do lado de fora. Só restavam ela e Nicolas na sala, e o silêncio entre eles já dizia tudo: era hora da conversa.
— Eu sei que você quer dizer alguma coisa, Nicolas. Pode falar — disse ela, finalmente, encarando-o.
Ele se levantou do sofá devagar, cruzando os braços.
— Não quero te magoar, Clarinha. Só… me preocupa ver você se deixando levar tão rápido.
— Não estou me deixando levar — retrucou ela, defensiva. — Só estou… sentindo. Pela primeira vez em muito tempo.
Nicolas suspirou e caminhou até ela. Parou perto, mas com a distância respeitosa de sempre.
— Eu não tô aqui como um homem com ciúmes. Você sabe disso. Nunca te olhei desse jeito.
Clara o olhou com as sobrancelhas arqueadas, e ele sorriu de canto.
— Você é como uma irmã pra mim. Eu te amo, mas é um amor diferente. Familiar, protetor. Eu vi você quase desmoronar quando ficou grávida, sem apoio, sem chão. Vi você se levantar, sozinha, por você e pela Sofia. Não tem como eu não querer cuidar de vocês.
Ela desviou o olhar, tocando o próprio braço, lembrando do passado.
— Você acha que o Leonardo vai me machucar também, né?
— Eu não sei, Clara. É isso que me assusta. Você já foi usada antes por um homem exatamente como ele. Rico, encantador, cheio de promessas. E no fim… te deixou com uma filha e um coração em pedaços.
Ela fechou os olhos por um segundo, sentindo a dor da lembrança pesar no peito. A imagem do pai de Sofia veio como um fantasma: sorrisos falsos, palavras bonitas, mãos que diziam amor e atos que provaram o contrário.
— O pai da Sofia foi um erro que me custou caro. Mas o Leonardo… ele é diferente, Nick. Ele escuta, ele cuida… ele não fugiu quando eu fiquei doente. Dormiu no mesmo quarto que a minha filha. Teve paciência comigo.
— Eu vi — disse Nicolas, com um leve aceno de cabeça. — E por isso, pela primeira vez, estou torcendo pra estar errado.
Clara o encarou, surpresa com a sinceridade.
— Sério?
— Sério. Eu só precisava ter certeza de que você está vendo as coisas com clareza. Porque o que me preocupa não é o Leonardo como homem. É o Leonardo como o que ele representa. Um novo risco. Um novo tombo.
Ela assentiu, os olhos úmidos.
— Eu entendo. Obrigada por cuidar de mim… sempre.
Nicolas abriu os braços e ela se jogou neles, num abraço apertado, fraternal, cheio de história. Não havia paixão ali. Só cuidado, lealdade e uma amizade que resistira a tantas tempestades.
Ao longe, Leonardo voltou da ligação e viu a cena pela janela da sala. Não ouviu nada — apenas viu os dois abraçados e Clara com os olhos fechados, apoiada no peito de Nicolas.
Seus punhos se fecharam sem perceber.
Ele queria confiar…
Mas o ciúme latejava como um alarme disparado.
E mesmo sem saber, Clara teria que lidar agora com dois corações que batiam perto demais do seu — um de um amigo que a conhecia profundamente…
E outro de um homem que estava disposto a fazer qualquer coisa para conhecê-la ainda mais.
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Atualizado até capítulo 82
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