Os dias seguintes correram como uma tormenta silenciosa. A comandante tentava seguir sua rotina como se nada tivesse acontecido, mas os olhares de Felipe a perseguiam por todos os cantos — sempre sutis, sempre presentes. Já não era só provocação... era curiosidade, admiração e, para sua surpresa, paciência.
Ela o ignorava.
Ou tentava.
No terceiro dia após o evento, ela foi chamada à sala do Alto Conselho de Caçadores. Ao entrar, encontrou os cinco membros do escalão superior sentados em silêncio. Felipe já estava lá, encostado numa das colunas, braços cruzados, expressão calma.
— Comandante — disse um dos conselheiros. — Uma missão de rastreio e contenção foi autorizada. Um demônio de classe Alfa foi detectado na região montanhosa de Yureika. Está caçando crianças, se escondendo entre vilas. Vocês dois foram escolhidos para liderar a operação.
Ela congelou por um segundo, apenas o suficiente para que Felipe notasse.
— Eu trabalho melhor sozinha — disse, fria como o aço de sua lâmina.
— Isso não é uma escolha — respondeu outro conselheiro. — Precisamos de força e estratégia. Vocês dois têm os melhores resultados em missões críticas. Queremos eficiência. E discrição.
Felipe se manteve em silêncio, apenas observando-a com aquele mesmo olhar que ela odiava — não por ser ameaçador, mas por ser calmo demais. Era como se ele a visse. De verdade. Isso a incomodava mais do que qualquer provocação.
Quando saíram da sala, ela tentou tomar distância, passos longos e firmes no corredor de pedra. Mas ele apressou o passo e ficou ao seu lado, sem esforço.
— Já que vamos viajar juntos, pode pelo menos fingir que me tolera?
— Não finjo nada — respondeu, sem sequer virar o rosto.
— Então... — ele lançou-lhe um olhar de lado — quer conversar sobre aquela noite?
Ela parou de repente, os olhos faiscando como brasa sob o capacete.
— Uma palavra, Felipe. Uma palavra errada e juro que te faço engolir a língua.
Ele ergueu as mãos em rendição, mas o sorriso no canto da boca o denunciava.
— Já engoli coisa pior em batalha — murmurou.
Ela revirou os olhos e seguiu andando.
No dia seguinte, partiram para a missão. Pegaram um veículo oficial e seguiram por estradas de terra até a última vila próxima às montanhas. A viagem foi longa, silenciosa. No início.
O som dos pneus nas pedras secas e o motor zumbindo preencheram o tempo até que, horas depois, Felipe quebrou o silêncio.
— Você sempre foi assim? — perguntou, sem tirar os olhos da estrada. — Fria. Intocável. Ou isso é só um escudo?
Ela demorou a responder. Por um momento, ele pensou que ela o ignoraria completamente. Mas então, com a voz baixa e firme, ela respondeu:
— A dor ensina. O silêncio protege.
Felipe desviou brevemente o olhar da estrada, encarando-a com um misto de respeito e curiosidade.
— Parece solitário.
Ela o olhou de relance, mas não com raiva. Com verdade.
— É o preço por sobreviver.
A resposta o calou. Mas não o afastou.
Chegaram à vila ao entardecer. As casas estavam trancadas. Havia medo nas janelas, nos sussurros que escapavam das frestas. O ar cheirava a enxofre — sinal claro de possessão demoníaca.
As investigações começariam no dia seguinte, mas por aquela noite, teriam que dividir a mesma casa de apoio. Era simples, com dois quartos e um corredor estreito entre eles.
Quando se cruzaram no corredor, ela foi rápida:
— Não tente nada.
— Eu? — ele ergueu as sobrancelhas, fingindo indignação. — Dormir é a única coisa que pretendo fazer... por enquanto.
Ela entrou em seu quarto e bateu a porta atrás de si.
Mas não conseguiu dormir.
Não por medo dos demônios lá fora.
Mas por tudo o que ela sentia — ou tentava não sentir — por aquele maldito general.
Era lá dentro, no coração, que o verdadeiro caos começava a despertar.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 61
Comments