O Encontro no Rio
O sol estava se pondo quando Lía e Miri voltavam do treino. A floresta ganhava tons dourados, e o vento trazia o som suave da correnteza próxima.
— Escuta isso? — perguntou Lía, franzindo a testa. — Vem do rio.
Apressaram o passo. Ao chegarem à margem, avistaram algo entre as pedras e a água corrente: uma figura caída, de cabelos loiros espalhados e pele pálida, quase translúcida de tão fria. Vestia trapos rasgados, e o corpo estava coberto de arranhões, hematomas e marcas escuras — cicatrizes velhas e novas.
— Ela tá viva? — Miri ajoelhou rapidamente, colocando dois dedos no pescoço dela. — O pulso é fraco, mas tá aqui.
— Ela tá congelando — disse Lía, puxando a espada e cravando-a na terra ao lado. As runas brilharam. — Fica comigo, por favor…
Ela colocou a mão sobre o peito da menina, concentrando toda sua energia. A lâmina brilhou suavemente, aquecendo o ar. Um calor dourado saiu da mão de Lía e envolveu o corpo da desconhecida, como uma chama suave. Pouco a pouco, a cor voltou às bochechas da jovem, e os dedos se moveram.
A menina tossiu, os olhos âmbar abrindo-se em confusão e pavor.
— Onde... eu…? — ela tentou se erguer, assustada, mas Miri a segurou gentilmente pelos ombros.
— Calma. Você está segura agora.
— Ninguém vai te machucar — disse Lía, em voz calma. — Você tá entre amigos.
A menina ainda tremia, mas quando viu os olhos de Lía — verdes e sinceros — respirou mais fundo e se deixou cair de novo, exausta.
---
O Abrigo
Carregaram-na até a cabana improvisada. Alman os esperava à porta e observou a menina com atenção.
— O que ela é? — perguntou em voz baixa, para Miri.
— Não sei ao certo. Mas tem algo… denso nela. Como se fosse bruxa e… algo mais.
— Cuidem dela — disse Alman simplesmente. — Às vezes, o destino nos entrega quem mais precisamos, mesmo antes de sabermos por quê.
Naquela noite, a bruxa dormiu profundamente, envolta em cobertores simples. Miri ficou de guarda. Lía ficou acordada, sentada perto da cama improvisada, observando o rosto da desconhecida à luz fraca das runas da espada.
Confissões
Horas depois, a menina acordou com um leve gemido. Lía estava ao lado, oferecendo água numa concha de madeira.
— Obrigada — sussurrou a jovem, com a voz rouca.
— Eu sou Lía. E ele é Miri. Você quer nos dizer seu nome?
A jovem hesitou, depois respondeu em voz baixa:
— Seris.
— Seris — Lía repetiu com suavidade. — Você quer conversar um pouco? Às vezes, falar ajuda a curar por dentro também.
Seris olhou para o teto de folhas, depois para os olhos verdes de Lía. Algo nela dizia que podia confiar.
— Eu fugi. Da minha vila. Eles me odiavam. Mesmo eu ajudando, mesmo salvando gente... — sua voz tremia. — Eu sou... meio demônio.
Lía engoliu seco.
— Sua mãe ou seu pai?
— Meu pai… era um demônio superior. Não o conheci. Minha mãe era bruxa. Quando descobriram o sangue que corria em mim... me chamaram de maldição. De monstro.
Lía sentiu uma dor familiar no peito. Tocou suavemente a mão de Seris.
— Eu também sou filha de algo... perigoso. Minha mãe é uma deusa cruel. Queria me usar pra destruir inocentes.
Seris a olhou, surpresa. Um sorriso triste surgiu.
— Então... somos duas feridas tentando curar o mundo.
Lía assentiu.
— E agora, você tem a gente. Não vamos deixar você sozinha.
— Obrigada…
Seris respirou fundo e pela primeira vez, em muito tempo, fechou os olhos sem medo.
—
Promessa de Irmandade
Naquela madrugada, enquanto a floresta suspirava em silêncio, Lía ficou sentada ao lado de Seris. Observando seu sono calmo, ela apertou a espada junto ao peito.
— Eu protegi uma vida hoje. E talvez tenha encontrado outra irmã — sussurrou.
Miri, do lado de fora, ouviu e sorriu.
... “Sangue que Queima e Protege”...
Sussurros na Névoa
Dois dias depois de sua chegada, Seris ainda se recuperava, mas já conseguia caminhar devagar. Lía e Miri a observavam com carinho enquanto ela tentava, sozinha, acender uma pequena chama sobre uma folha seca.
— Você tem magia, mas ela tá... presa, né? — disse Miri, curioso.
Seris suspirou, frustrada.
— Eu não sei controlar. Quando me irrito, tudo explode. Quando fico com medo… o chão treme, as coisas pegam fogo. É como se uma parte de mim gritasse o tempo todo.
Lía se aproximou com um sorriso gentil.
— Talvez a gente possa ensinar você a ouvir esse grito… e responder com calma. Como fizemos comigo.
Seris olhou para os dois, hesitante, e depois assentiu.
— Eu… quero tentar.
---
Poder Revelado
Naquela noite, Seris acordou com um cheiro de enxofre no ar. Lá fora, a floresta estava tomada por uma neblina espessa. Três silhuetas caminhavam entre as árvores, olhos vermelhos como brasas.
— Vim buscar o que é meu — disse uma voz grave, vinda da névoa.
Seris congelou.
— Não... é ele. Ou um servo dele.
Lía saltou da cama, espada na mão, runas já brilhando.
— Quem é?
— Um dos lacaios do meu pai. Ele quer me levar viva. Sempre mandam caçadores… Eles podem sentir meu sangue.
Miri já estava do lado de fora, com o cajado pronto.
— Ficar aqui é perigoso. Eles nos acharam.
Os demônios avançaram. Eram altos, com pele escura como carvão e armaduras fundidas à pele. Um deles rugiu:
— Filha do Lorde da Chama, seu destino não é aqui. Seu sangue pertence ao trono das Cinzas!
— Meu destino é meu! — gritou Seris, os olhos âmbar agora incandescentes.
O chão tremeu, rachaduras abriram-se ao redor. Um calor brutal emanava dela. Lía se pôs ao seu lado, firme.
— Não vamos deixar te levarem.
Miri bateu o cajado no chão, raízes ergueram-se em espirais, prendendo dois dos demônios. Lía girou com a espada em chamas, cortando uma das criaturas pelas costas.
O terceiro demônio avançou em Seris — mas ela estendeu a mão e, pela primeira vez, sem perder o controle, uma parede de fogo escuro se ergueu, queimando o monstro de dentro para fora.
—
Após a Batalha
Mais tarde, os três sentaram-se exaustos em torno do fogo. Seris estava suada, com os olhos brilhando de medo e culpa.
— Desculpa... por isso. Por atrair essas coisas pra cá.
— Ei — disse Lía, firme. — Você não atraiu nada. Eles escolheram vir. E nós escolhemos ficar.
Miri assentiu.
— A gente não luta só contra monstros. Luta contra o destino que tentam empurrar na nossa garganta. E o seu não tá escrito ainda.
Seris sorriu, emocionada.
— Vocês… vocês são diferentes. Quando eu era pequena, as pessoas me olhavam como se eu fosse uma bomba prestes a explodir. Vocês me veem como alguém que pode escolher.
Lía se aproximou e apertou sua mão.
— Porque você pode.
Seris baixou os olhos, depois falou com voz baixa:
— Quando eu estava no rio… antes de desmaiar, jurei que se alguém me salvasse, eu ia retribuir. Não com medo… mas com tudo o que eu sou. Então… agora, vocês são minha família. Até o fim.
Lía sorriu.
— Até o fim.
Miri se esticou no chão e falou rindo:
— Acho que nosso grupo tá virando uma lenda ambulante.
—
Promessa de Fogo e Luz
Naquela noite, Seris, Lía e Miri olharam o céu estrelado. A espada de Lía cravada no chão, o cajado de Miri ao lado, e uma pequena chama negra flutuando entre os dedos de Seris.
— Vamos aprender. Treinar. E se eles voltarem, que encontrem um muro de fogo, terra, vento e luz — disse Lía.
— Que encontrem três — completou Seris — prontos pra queimar o medo juntos.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 40
Comments