A Floresta Sem Fim
Os galhos altos encobriam o céu, e a luz do sol mal conseguia atravessar o véu das folhas. Lía caminhava havia dias, os pés feridos, o estômago vazio, o corpo miúdo tremendo sob a capa suja que antes fora branca.
Ela segurava a adaga curta que havia levado da fortaleza — presente de ninguém, apenas algo que pegou por instinto. O metal frio era seu único conforto, e o peso dela em sua mão lembrava que ainda estava viva.
Seu rosto estava manchado de terra e cansaço. Os cachos vermelhos estavam embaraçados, a pele antes clara agora marcada pelo tempo, por galhos e pela ausência de cuidado. Seus olhos verdes tinham perdido o brilho, substituído por um olhar de fera acuada, como um animal fugido da caça.
Tudo doía. E, no fundo, ela começava a se perguntar: Será que valeu a pena fugir?
O Encontro
Na tarde do sexto dia, quando o frio já começava a cair entre os troncos, ela ouviu passos. Congelou. Apertou a adaga contra o peito e se encolheu atrás de uma raiz grossa, arfando em silêncio.
— Não tenha medo — disse uma voz grave, mas gentil.
Ela espiou. Um homem de cabelos grisalhos, barba longa e olhos dourados como âmbar estava parado alguns metros adiante, ao lado de uma criança — um menino com pele morena, expressão curiosa e um cajado esculpido nas mãos.
— Eu sou Alman, guardião desta floresta. Aqui, você está segura.
Lía não respondeu. Apenas encarou, olhos arregalados, corpo trêmulo. Ela parecia prestes a correr — ou atacar.
O homem então se ajoelhou e estendeu a mão.
— Não precisa lutar mais, pequena. Nem fugir. Nós cuidaremos de você. Confie.
Algo na voz dele não tinha sombra. Era como o som da chuva quando se está sob abrigo, como o cheiro do pão antes mesmo de vê-lo. E quando o menino sorriu, Lía cedeu — lentamente, abaixou a adaga. Um soluço escapou de sua garganta. E chorou.
A Casa Simples
O abrigo não era uma casa.
Era um barraco feito de tábuas, folhas trançadas, galhos curvos. Mas Lía viu algo ali que nunca vira nem no castelo: calor. Não calor de fogo — mas de presença.
Dentro havia uma cama de folhas secas coberta com tecidos ásperos, potes de barro com sopa quente, e símbolos esculpidos em cada canto: runas antigas, que brilhavam suavemente com a respiração da floresta.
— Aqui a natureza protege quem é puro de coração — disse Alman enquanto lhe servia uma tigela. — E ela te reconheceu.
Lía comeu devagar, como se não acreditasse que podia. Quando deitou naquela cama improvisada, o cheiro de terra e flores secas a envolveu. Pela primeira vez, sentiu-se protegida — não por muros, mas por almas.
Antes de dormir, o menino se aproximou e sussurrou:
— Você tem olhos de quem fugiu da escuridão… Mas também de quem carrega luz.
Ela sorriu, quase imperceptivelmente. Então fechou os olhos, e o sono veio como um abraço esquecido.
...“O Despertar dos Elementos”...
Primeira Luz, Primeira Espada
O sol mal havia nascido quando Alman chamou Lía para fora. Ela ainda sentia os músculos cansados, mas os olhos já brilhavam com algo novo: esperança.
Alman estava ao lado de uma pedra coberta de musgo. Sobre ela, repousava uma espada diferente de tudo que ela já vira: lâmina leve e alongada, tom de cinza suave, e finas runas prateadas que pareciam vivas.
— Esta espada não fere sem motivo — disse Alman, com um tom quase reverente. — Ela responde ao que existe dentro de você.
Lía se aproximou, hesitante. Tocou o cabo com os dedos finos. No instante em que envolveu a empunhadura, sentiu uma onda quente correr pelo braço, pelo peito, até o centro do peito. As runas se acenderam, brilhando em tom prateado.
— Eu… estou sentindo — disse, ofegante. — Como se ela estivesse me ouvindo.
Alman assentiu com um sorriso sereno.
— Porque ela está. Toda magia verdadeira começa com escuta.
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A Ligação com a Natureza
Nos dias seguintes, Lía treinava diariamente sob a sombra das árvores antigas. Miri — o menino de olhos vivos e sorriso fácil — a acompanhava em silêncio, às vezes rindo quando ela tropeçava ou fazia algo inesperado.
— Vai rir ou ajudar? — perguntou ela certa vez, com as mãos sujas de terra e os cachos vermelhos cobertos de folhas.
— Rir primeiro — respondeu ele com um brilho nos olhos — depois te ensino como não pisar na raiz errada.
Alman ensinava a ela o equilíbrio:
— A natureza não responde à força, mas à presença. Fique quieta, escute, sinta.
Com o tempo, Lía aprendeu a se concentrar. A espada estava cravada no chão, ela fechava os olhos e respirava. Lentamente, começou a perceber:
Água: gotas flutuavam do solo, formando pequenos círculos ao seu redor.
Ar: o vento acariciava seu rosto e girava em espirais ao seu redor.
Terra: raízes se moviam sob seus pés, como se reconhecessem sua energia.
Fogo: as runas da espada tremeluziam como brasas vivas.
Um dia, Miri a observava enquanto ela concentrava o fogo nas pontas da espada.
— Você está mesmo diferente, sabia? — ele disse.
— Diferente como? — ela perguntou, ainda com os olhos fechados.
— Antes parecia que queria desaparecer. Agora… parece que quer existir.
Lía abriu os olhos e sorriu. Pela primeira vez, ela sentia isso.
A Cura
Durante um treino, Lía escorregou e caiu, rasgando o joelho em uma pedra. A dor foi aguda, mas ela não chorou — apenas fechou os olhos e respirou fundo.
Alman ajoelhou-se ao seu lado.
— Sabe o que precisa fazer.
Ela pousou as mãos sobre o corte, a espada repousando ao seu lado. As runas brilharam, e um calor suave irradiou por sua palma. Aos poucos, a pele se fechou. Sem dor. Sem cicatriz.
Ela ofegou.
— Eu… consegui.
Alman olhou para ela com ternura.
— O poder que destrói é simples. Mas o que cura… esse exige alma.
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As Conversas ao Entardecer
À noite, os três se reuniam em volta do fogo. O cheiro de sopa de raízes e ervas preenchia o ar. Entre uma colherada e outra, falavam do mundo.
— Você sempre morou aqui, Alman? — perguntou Lía.
— Sim. A floresta me escolheu quando perdi tudo.
— E a espada? Como sabia que era minha?
— Porque ela não aceitou ninguém mais desde que chegou. Esperava alguém que ainda tivesse fé na luz, mesmo depois de atravessar a sombra.
Miri riu:
— Tradução: ela é teimosa, assim como você.
Lía sorriu, mas seus olhos brilharam com emoção. Ela não sabia tudo sobre seu passado, mas agora, pelo menos, sabia uma coisa sobre o presente: ela pertencia ali. Mesmo que só por agora, estava em casa.
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Atualizado até capítulo 40
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