O Pacto
A tenda de comando estava silenciosa. A tela do drone agora mostrava apenas o último quadro antes da queda: a porta, a inscrição e um trecho do corredor lateral, onde a parede exibia mais hieróglifos, antes de tudo escurecer.
Elisa estava sentada sozinha, rodeada de anotações, ampliando os detalhes das imagens congeladas. Seus olhos dançavam entre os símbolos como se lessem outra língua — porque era exatamente isso.
Ela murmurava baixinho enquanto traduzia. E a cada linha, seu rosto se tornava mais tenso.
Greg entrou, ainda irritado, mas curioso.
— Conseguiu ler alguma coisa além do título?
Ela respondeu sem olhar pra ele:
— Sim. Isso aqui não é só uma tumba. É uma história. E é antiga. Muito mais do que eu esperava.
Ela girou o monitor e apontou para uma linha quase apagada no canto esquerdo.
— “O rei da noite sem estrela…” — leu em voz baixa. — “Perdeu sua flor do Nilo. Chorou por quarenta noites, e no fim fez oferendas ao Guardião do Silêncio…” — ela olhou para Greg. — Anúbis.
Greg franziu o cenho.
— Isso tá esquisito.
— Fica pior — disse ela. — Ele não fez só orações. Ele ofereceu sangue real. Sacrifícios. E em troca, pediu que Anúbis não deixasse a alma dela cruzar o Duat. Pediu que ela ficasse… aqui. Preservada. “Com a essência intacta, a luz presa em carne.” Essas palavras estão esculpidas duas vezes.
Greg engoliu seco.
— E o nome do faraó?
Elisa respirou fundo, depois falou com clareza:
— Khamenu. E ela… Neferet. “A mais amada.”
Nessa hora, Mahmoud, que ouvira do lado de fora, entrou com expressão grave.
— Khamenu… esse nome é velho. Quase lendário. Alguns dizem que ele não existiu. Outros dizem que o próprio nome foi apagado dos registros por medo.
— Por quê?
— Porque dizem que ele tentou trair a ordem natural. Que fez pactos para viver além do tempo. Para aprisionar a morte.
Farley entrou logo atrás, ouvindo o final.
— Uma tumba com o dedo de Anúbis… não é só simbólica — disse ele. — Isso aqui é um selo. Uma advertência.
Silêncio. Todos estavam ali agora, reunidos. Ninguém fazia piada dessa vez.
— Tem coisas no Egito — disse Ana, lentamente — que são mais antigas do que as areias do deserto. E quando algo é enterrado fora da história… geralmente tem um bom motivo.
Elisa se levantou, encarando a imagem da porta. A inscrição ainda pulsava em sua mente.
— Se Khamenu conseguiu mesmo o que queria… então Neferet não está apenas enterrada.
Ela virou-se para o grupo.
— Ela pode estar esperando.
A Espada de Anúbis
As velas tremeluziam na mesa enquanto Elisa ampliava mais uma imagem congelada do drone. Suas mãos já estavam sujas de anotações, o cabelo preso num coque frouxo, óculos manchados de poeira. Mas ela não parava.
— Tem mais — disse, com a voz baixa e tensa. — Tem um trecho escondido na base da parede. Estava coberto de sedimento, mas a câmera térmica captou. Eu consegui decifrar agora.
Todos se aproximaram.
— “Por uma alma, cem mil.” — Ela parou. — “Por Neferet, minha luz, entreguei cem mil sombras.”
— “Tomei a mão do Deus da Morte, e com ele troquei minha essência.”
— “Já que tomaram minha luz, eu tomarei a luz da terra.”
— “Meu nome será lama, minha alma será lâmina.”
— “Serei a espada viva que ceifa em nome de Anúbis.”
Silêncio.
Farley quebrou primeiro:
— Droga. Merda. A gente tem mesmo que descer lá e mexer com a tumba da esposa do cara que virou ceifador oficial do submundo?
— Farley, cala a boca! — disse Mahmoud, firme. Ele cruzou os braços sobre o peito e virou-se para o canto da tenda. — Não fala assim. Ele pode estar ouvindo. E se estiver… pode se ofender.
Farley levantou as mãos.
— Foi mal. Senhor Khamenu, nada pessoal. Sua esposa deve ter sido incrível. Muito bonita. Rainha maravilhosa. A gente só tá… estudando, ok?
Mahmoud não respondeu. Começou a orar. As palavras em árabe fluíam baixas e constantes, enquanto ele passava as mãos pelo próprio corpo, fazendo sinais para "fechar" os pontos de entrada espiritual — cabeça, peito, barriga, pés.
— Tá fechando o corpo? — sussurrou Greg.
— E você devia fazer o mesmo — respondeu Mahmoud, sério. — Quando se trata de algo que carrega o dedo de Anúbis… não é superstição. É proteção.
Elisa se recostou na cadeira, olhando para a inscrição mais uma vez.
— Essa tumba não é um enterro. É um altar — disse. — Khamenu fez mais do que esconder Neferet. Ele criou um vínculo. Uma âncora.
Ela olhou para a equipe, agora silenciosa.
— Quando abrirmos aquela porta… não estaremos apenas entrando numa tumba.
Estaremos quebrando um pacto.
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Atualizado até capítulo 40
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