Entre Cadernos e Confissões

A tarde estava nublada, mas quente. O céu encoberto parecia combinar com os pensamentos de Dulce Maria: confusos, densos, mas ainda assim cheios de expectativa.

Ela tocou a campainha com os dedos trêmulos. A porta se abriu segundos depois, revelando Mia com um coque bagunçado, camiseta larga e um sorriso um pouco nervoso.

— Oi!.. entra! — disse Mia, abrindo espaço.

Dulce entrou, sentindo o coração disparar como se tivesse acabado de correr uma maratona. A casa era silenciosa. A mãe de Mia estava no trabalho e o irmão mais novo, segundo ela, ficaria trancado no quarto jogando videogame.

A sala estava forrada com cadernos, folhas impressas, canetas coloridas e um pacote aberto de bolachas.

— Eu sou um pouco caótica quando estudo — Mia brincou, coçando a cabeça.

— Eu gosto disso — respondeu Dulce, surpreendendo a si mesma.

Mia deu um risinho leve e puxou uma almofada para se sentar no chão.

Durante a primeira hora, elas realmente tentaram se concentrar no trabalho. Analisaram o conteúdo, dividiram tópicos, fizeram anotações. Mas os olhares sempre escapavam.

Em determinado momento. Mia deixou a caneta cair e soltou um suspiro.

— Posso te perguntar uma coisa?

Dulce assentiu, com o coração na garganta.

— Você já se apaixonou por alguém?

Dulce congelou. Era como se a pergunta tivesse atravessado todas as camadas da sua armadura. Ela hesitou, olhando para os dedos entrelaçados no colo.

— Já. Mas nunca contei pra ninguém. — Sua voz saiu baixa, quase uma confissão.

Mia se aproximou um pouco. Não demais. Mas o suficiente para Dulce sentir seu perfume: algo entre chá de pêssego e livros antigos.

— Nem pra sua melhor amiga?

Dulce balançou a cabeça.

— Eu tenho medo. Medo do que vão pensar. Medo de ser quem eu sou.

Mia respirou fundo. O silêncio se estendeu por alguns segundos, mas não foi desconfortável. Era o tipo de silêncio que escutava.

— Eu também nunca me apaixonei — Mia disse, com sinceridade. — Até agora. E é confuso, sabe? Porque a gente cresce achando que amor tem uma forma certa. Mas às vezes ele aparece do jeito mais inesperado.

Os olhos de Dulce encontraram os de Mia. Havia algo ali. Algo não dito, mas sentido.

Nenhuma das duas teve coragem de tocar no assunto diretamente. Não ainda. Mas, quando riram juntas minutos depois por causa de um erro bobo na pesquisa, quando os joelhos se encostaram sem querer, quando os olhos demoraram um segundo a mais que o normal... ambas souberam.

A linha entre amizade e algo mais estava ficando cada vez mais tênue.

E, mesmo com o medo, Dulce já não queria voltar.

A noite chegou antes do esperado. Mia e Dulce nem perceberam o tempo passar enquanto organizavam as últimas partes do trabalho. As risadas vinham mais fáceis agora. As palavras também. Era como se uma ponte invisível tivesse finalmente se formado entre elas.

Do lado de fora, a chuva fina batia na janela. E por dentro... os corações batiam ainda mais forte.

— Acho que terminamos — disse Mia, fechando o caderno com um leve suspiro.

— Hum! Murmurou Dulce, olhando para a folha, mas sem realmente enxergar nada.

A verdade é que nenhuma das duas queria ir embora.

Mia se levantou para guardar os materiais e, ao voltar, percebeu que Dulce observava as estantes de livros no canto da sala. Ela se aproximou devagar, ficando ao lado da garota, tão perto que os ombros quase se tocavam.

— Gosta de ler? — Mia perguntou baixinho.

— Gosto. Principalmente quando os personagens sentem algo que eu não consigo explicar.

Mia sorriu com a resposta. Era exatamente assim que ela se sentia com Dulce.

Por um momento, o tempo pareceu parar. As duas estavam frente a frente. O silêncio era carregado. Mas não era estranho — era cheio de possibilidade. Os olhos de Dulce baixaram para a boca de Mia, depois voltaram para os olhos. Mia percebeu. E se aproximou um pouco mais.

— Dulce...

O nome dela saiu como um sussurro. Um pedido.

Dulce não recuou.

Seus rostos estavam tão perto que podiam sentir a respiração uma da outra. O coração de Dulce batia alto, forte, como se estivesse tentando quebrar o peito.

Foi quando a campainha tocou.

As duas pularam com o susto. O irmão de Mia gritou do quarto:

— É a mãe! Ela chegou!

Dulce deu um passo para trás, corando até a raiz do cabelo.

— Penso que... eu devia ir.

Mia assentiu, ainda sentindo a proximidade em cada parte do corpo.

Acompanhou Dulce até a porta. Antes que ela saísse, Mia segurou de leve sua mão.

— A gente se vê amanhã?

— A gente se vê — respondeu Dulce, sorrindo de um jeito tímido, mas verdadeiro.

E saiu na chuva fina, sem saber ao certo o que teria acontecido se a campainha não tivesse sido interrompida. Mas com a certeza de que, pela primeira vez, queria descobrir.

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