O Cio que Não Pode Ser Vivido
A noite caiu como um lençol pesado sobre a cidade.
Elyan corria.
Corria como se algo dentro dele fosse explodir.
Como se pudesse fugir de si mesmo.
Saiu pelos fundos do hospital, atravessou os corredores frios, deixou para trás o crachá, o jaleco, o mundo que conhecia. O cio havia começado. E era pior do que ele temia.
O corpo queimava.
O calor o fazia suar, tremer, ofegar. As pernas não obedeciam direito. Cada passo era uma luta contra um desejo irracional. Um desejo que nunca pediu.
Ele não queria aquilo.
Não daquele jeito.
Não agora.
O vínculo... a ligação... estava se formando. E isso o apavorava.
Cael.
Aquele Alfa.
Só o nome fazia seu coração bater mais forte. O cheiro dele ainda estava grudado em sua pele, mesmo que houvesse tomado banho às pressas. Nada o apagava.
— Eu não sou dele… — Elyan murmurava para si mesmo, em negação. — Não sou de ninguém.
Mas o corpo dizia o contrário.
Cael estava no alto da escadaria do hospital, olhos fixos na saída dos fundos. O cheiro do ômega era como uma trilha acesa em brasas.
Fraco, delicado, mas agora... em cio.
Seu lobo interior estava enlouquecido.
Gritava, exigia, queria reivindicar.
Mas Cael segurava o instinto com os dentes.
Ele não queria forçar Elyan.
Só que o vínculo estava se prendendo nele também. A dor física já começava. A ausência do outro... fazia seu coração pesar como chumbo.
"Fuja. Mas eu vou atrás."
E foi.
Elyan alcançou uma rua deserta e se escondeu entre prédios em construção. Encolhido, suando, respirando com dificuldade.
Estava com vergonha.
Vergonha do que sentia. Do calor entre as pernas. Da forma como seu corpo estava começando a pedir um Alfa. Ele, que sempre foi invisível. Que sempre teve o ciclo irregular. Que se dopava com bloqueadores que nunca funcionavam por completo.
Agora tudo estava vindo com força.
A verdade era cruel: ele era ômega. E o cio não tinha piedade de corpos frágeis.
Uma contração no ventre o fez soltar um gemido abafado.
— Não… por favor… — ele murmurou, mordendo os próprios dedos para conter o som. — Eu não quero isso…
Mas o cheiro de Cael...
Estava ali.
Ele virou bruscamente, e o viu.
Alto. Escuro. Intenso.
Cael o observava a poucos metros, parado, com os punhos cerrados, como se a presença de Elyan o deixasse em tormento físico.
— Não corra mais, Elyan. — a voz dele soou rouca, grave, carregada de algo ancestral. — Você está machucando os dois.
— Eu… não… — Elyan recuou, mas tropeçou em uma pedra e caiu sentado no chão frio. Os olhos se encheram de lágrimas. — Vai embora. Vai embora! Eu não sou um ômega como você quer!
Cael avançou com calma, ajoelhando-se diante dele.
Não o tocou.
Apenas olhou. Como se estivesse vendo alguém quebrado e não soubesse como consertar.
— Você acha que eu te quero só por desejo? — ele sussurrou. — Você acha que eu não sei o que é carregar dor no corpo?
— Eu sou… uma aberração. Meu cio é fraco. Meus hormônios são bagunçados. Meu cheiro é inconsistente. Eu... me odeio! — Elyan gritava entre soluços, tremendo.
— Então me odeie junto. — Cael respondeu. — Mas não fuja mais de mim.
Silêncio.
Elyan fechou os olhos.
As lágrimas desciam como chuva. Ele estava cansado. Confuso. Frágil demais para lutar.
E no meio da dor… ele se aproximou.
Só um pouco. Encostou a testa no ombro largo de Cael. E respirou fundo, tentando conter os espasmos do cio.
Cael mordeu o próprio lábio até sangrar.
Não a tocou além disso.
— Se quiser, eu te levo para um abrigo. Um lugar seguro, onde ninguém vai te tocar. Eu só quero te proteger… mesmo que isso signifique ficar longe. — a voz dele falhou, quebrada.
Elyan engoliu em seco. Não respondeu. Só sussurrou:
— Me leva, então.
Naquela madrugada, Cael o levou.
Cobriu seu cheiro. Fez um ninho improvisado com lençóis. Deixou calmantes à disposição. Colocou água e comida por perto. E deitou no chão, longe da cama, de costas para o instinto que o consumia.
Ali, na penumbra, dois corpos suavam em silêncio.
Ambos tremendo. Ambos ligados por um fio invisível.
O cio não foi vivido.
Mas foi sentido.
E o vínculo estava selado.
Mesmo que negassem.
Mesmo que fugissem.
O Alfa e o Ômega…
já eram um do outro.
A madrugada passou devagar, arrastada como um lamento.
O quarto era pequeno, abafado, sem janelas — um abrigo de emergência que Cael usava raramente. Isolado. Sem cheiro de outros alfas, sem presença de ninguém além deles.
Elyan estava deitado no colchão improvisado, encolhido sob cobertores macios, o corpo ainda trêmulo. O calor do cio havia amenizado com os calmantes, mas o desconforto persistia. Não era apenas físico. Era emocional.
Seu corpo pedira algo que ele se recusou a dar.
E agora… estava exausto.
Do outro lado do cômodo, Cael permanecia em silêncio, sentado no chão, as costas apoiadas na parede, os olhos fixos no teto. O lobo dentro dele uivava em silêncio, ferido por não ter podido completar o ciclo, mas a dor mais profunda não vinha do cio não vivido.
Vinha da distância.
De vê-lo ali, tão pequeno e vulnerável, e não poder fazer nada além de esperar que Elyan confiasse.
— Você está com fome? — perguntou, finalmente, a voz rouca.
Elyan demorou a responder.
— Não muito… Mas… obrigada.
Cael franziu o cenho.
Aquele “obrigada” era o primeiro agradecimento que recebia dele. Um sinal mínimo. Uma rachadura na parede que Elyan construía ao redor de si.
Ele se levantou devagar, pegou uma garrafa de água e uma tigela com sopa morna que havia esquentado mais cedo, e deixou tudo ao lado do colchão, sem forçar contato. Sem olhar nos olhos dele.
— Vou sair por algumas horas — disse com voz contida. — Preciso resolver uma coisa. Tem comida, remédio e cobertores suficientes. Tranque a porta por dentro se quiser.
Elyan mordeu o lábio, inseguro.
— Você… vai mesmo voltar?
Cael parou, surpreso. Então sorriu, mas foi um sorriso triste.
— Eu sempre volto, Elyan. Mesmo quando queria não voltar.
Horas depois, sozinho no quarto, Elyan observava a porta trancada.
A comida esfriava na bandeja. Mas ele não conseguia comer.
Estava deitado, abraçado a um travesseiro, sentindo o cheiro fraco que Cael havia deixado para marcar o ninho. Algo no fundo do peito apertava. Algo indefinido. Saudade? Carência? Vontade de ser visto?
Ele odiava sentir isso.
“Você está se entregando”, sussurrava a voz na sua cabeça. “É só o cio. Quando passar, ele vai te esquecer.”
Mas parte dele sabia que não era verdade.
Cael poderia ser muitas coisas. Um alfa rude. Dominante. Impiedoso com seus inimigos.
Mas não era mentiroso.
E tinha sido gentil.
Paciente.
Presente.
Mesmo sem nunca ter prometido nada.
Elyan apertou mais o travesseiro, tentando segurar o choro.
— Por que justo eu? — murmurou. — Por que você me escolheu…?
Enquanto isso, Cael estava em uma reunião de emergência com o Alto Conselho de Alfas. A ligação entre ele e o ômega havia sido notada. E aquilo incomodava.
— Um ômega recessivo, Cael? — disse um dos conselheiros mais velhos. — Um que nem deveria ser considerado fértil?
— Isso não é da conta de vocês. — Cael respondeu seco, frio. — Ele é meu. E é tudo o que precisam saber.
— Você sabe que esse tipo de vínculo… enfraquece alianças. Não há valor político nisso.
Cael rosnou. O som fez os outros se calarem por um instante.
— Não me interessa valor político. Eu não sou um peão de acasalamento. E se alguém encostar nele, eu arranco os olhos.
A sala silenciou.
O olhar assassino de Cael não deixava dúvidas: ninguém tocaria em Elyan.
No final do dia, ele voltou ao abrigo.
Abriu a porta devagar.
Elyan estava no mesmo lugar. Mas agora dormia. Encolhido, com a respiração calma, a testa suada, os lençóis bagunçados. Havia chorado — Cael podia ver pelos traços ainda úmidos nos cílios.
Se aproximou em silêncio.
Sentou-se ao lado do colchão.
Olhou para ele como quem olha algo precioso, mas quebrado. Algo que não sabe se pode tocar.
Elyan abriu os olhos devagar.
— Você voltou…
Cael sorriu de leve.
— Eu disse que voltaria.
Elyan hesitou… e então, lentamente, estendeu a mão.
Cael a segurou, com firmeza. Mas sem força.
A conexão entre eles queimava em silêncio. Um fio invisível, frágil, mas cada vez mais impossível de romper.
Elyan sussurrou, com a voz mais baixa que um pensamento:
— Se eu deixar você me querer… promete não me quebrar?
Cael não respondeu com palavras.
Apenas se inclinou, encostou a testa na dele…
E ficou ali. Prometendo com o silêncio.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
Minnie
isso está muito bom
2025-06-20
3