...
Eram quase 11:00 da noite. Eu estava cansada. Não é nada fácil carregar uma pessoinha dentro de mim.
A noite estava diferente, a extensão do céu parecia caber uma imensidão de nuvens, o vento se batia na janela do carro como se pedisse passagem, as luzes dos portes não piscavam mais, mas a lua.... Ela sempre esteve lá, mas só hoje eu a notei.
Senti minhas mãos gelarem, mesmo em um ambiente fechado, com portas e janelas trancadas. Estranhei.
Me virei para conferir as janelas e havia uma brecha. Maycon nunca cerificava se o carro estava completo depois de usá-lo com suas trezentas mulheres.
Corrigi o erro e fui para casa. O dia foi cheio.
Hoje eu dormiria na casa do meu irmão moro em um apartamento meio distante. Maycon disse que cuidaria de mim, eu estava sozinha, precisava de alguém.
Eu engravidei meio que por acaso, não estava nos meus planos. Tenho 35 anos, não saio pra festas, não vivo em bares, mas em um dia específico eu me deixei levar pela companhia. Sim, se eu pudesse, faria tudo diferente.
— Pronto, feliz agora, já me exercitei o suficiente. – falei enquanto abria a porta e despejava sacolas de compras sobre o hacker.
— Você foi de carro Isa, não deve ter pingado uma gota de suor dessa sua testa – Falou com um pedaço de pão entre os dentes.
— Eu tô grávida, não preciso suar.
— Também não gosto de te ver fazendo esforço, mas você já está parada a muito tempo.
— Você tem razão.
— Eu sei.
Conversa vai, conversa vem, e em segundos já estou na cozinha preparando algo para saciar meus desejos.
Em um vestido de cetim, me encontrava já em outro cômodo da casa, desta vez em meu quarto. A luz acesa do notebook posto em minha frente parecia não tem nitidez o suficiente para se tornar o centro do meu foco. Eu não estava entediada, eu estava curiosa.
Fui novamente ao encontro de meu irmão.
— Maycon
— Hum
— Sabe o que aconteceu hoje mais cedo...- Fui cortada.
— Nem me fala, acredita que me cobraram 200,00 para trocar um vidro? – Falou indignado.
— Nossa, não foi nada de mais, por que isso de trocar logo?
— Por que eu andaria com um carro defeituoso?
— Nos encontramos no mercado. – falei sem dizer a quem me referia.
— Quem?
— A pessoa com quem você surtou hoje mais cedo.
— Mundo pequeno em.
Minha intenção era saber mais detalhes do cara que brevemente conheci, mas não quis deixar nada óbvio para meu irmão.
— Vai dormir, está tarde. Não esquenta com isso.
....
Já estávamos na manhã de Domingo, pássaros cantavam na superfície do teto. A claridade já havia tomado de conta de ambiente, depois de abrir os olhos, seria sem dúvidas impossível dormir novamente, sendo assim, me levantei.
Antes que eu levantasse completamente, me sentei por alguns segundos na cama.
Era de costume rotinas serem planejadas, mas ultimamente as minhas saíram do controle. O que é bom, mas ao mesmo tempo cansativo.
Escovando os dentes me pergunto o que vestir para o compromisso marcado. Minhas opções estão mais que limitadas agora, eu estava com 28 semanas, faz tempo desde a última vez que saí assim para conhecer alguém.
Um vestido branco quase rodado, se não fosse pela barriga tenho certeza de que chegaria aos pés. Foi a escolha mais sútil que encontrei.
Comecei a me organizar para sair no horário marcado, quando escuto a porta se abrir.
— Você não vai comer? aonde você vai?
— Há, vou tomar café com uma pessoa.
— Essa “pessoa”, tem nome? - fez um sinal de aspas com os dedos.
— Se tem, também quero saber.
— Você ainda usa Tinder, sério?
— Claro que não, eu só não tive a oportunidade de perguntar, acho que você me entende. - Falei num tom provocativo.
— Claro. Cuidado, qualquer coisa me liga. - Foram suas únicas palavras antes de sair pela porta.
No mesmo instante seguinte de seus passos, peguei as chaves do carro e fui ao local marcado.
....
Um som estranho - Calma, que som é esse? – BLIP -- BLIP. Meus olhos se entreabrem, e em um susto acordo.
— Meu Deus! 9 e 15, merda, merda, merda. - Meus olhos se arregalaram forçadamente, e antes mesmo de verem o teto do quarto, em um único propósito procuraram o relógio.
Rapidamente me afastei da cama, como se praticamente ela me fizesse mal, ri ao formar esse pensamento.
Sem escolher qual roupa usaria, rapidamente me apartei das que vestia e em um movimento entrei no chuveiro. O café estava marcado paras às 9:30, não imaginei que vacilaria nessa.
Abrindo as portas do guarda-roupa encontrei uma blusa social branca, e junto a ela procurei uma calça jeans azul. Perfume, desodorante, higiene bucal, o básico. Eu estava demais.
No relógio marcava exatamente 9:25. – Eu consigo!
Peguei as chaves e fui em direção a porta. Segui de lá até o local marcado, não era longe, mas o trânsito agonizava.
As portas eram de vidro. Eu a procurei, e em um olhar perdido a encontrei.
Havia mesas e pessoas, medi nossa distância com um olhar, pessoas iam e vinham sempre revezando os lados e as posições de onde sequer saiam.
Comecei a caminhar antes mesmo que 3 minutos se transformassem em 4, depois 5.
Faltando 2 passos chamei sua atenção, fazendo um sinal de reza com as mãos junto a um barulho criado por minha boca.
— Psiu – Fiz questão de alongar o som.
Ela me ver, e no mesmo ritmo se abre um sorriso, dessa vez grande, convidativo e sem dúvidas encantador.
— Olha para gente, parece até que combinamos. – Sua risada foi engraçada, o que me fez rir também.
Ela era leve, nunca me deixava desconfortável, sempre sabia o que falar, me tratava como se fossemos conhecidos.
— Isabel você é demais. – Me sentei na mesa.
— Acha justo, você saber o meu nome e eu não saber o seu? ‐ insinuou com a mão no queixo, apoiando-o na mesa.
— Você não perguntou. – Me inclinei para trás encostando a coluna na cadeira.
— Não lembro de ter pronunciado meu nome. – Ela comentou e eu acenei para o garçom que estava próximo.
— Realmente, eu tenho a memória muito boa.
— Bom dia, como posso ajudar vocês? – O garçom nos atendeu e eu me encarreguei dos pedidos.
— Um achocolatado expresso para mim e para ela traga o mesmo, mas pode adicionar canela. - Ela me olha, e consigo captar sua reação.
— Que ousado!
— Você quer algo para acompanhar? - perguntei a ela enquanto ria pelos cantos.
— Um bolinho de laranja.
— Ótimo, 3 fatias de bolo de laranja, obrigado.
— Certo, obrigado.
Ele pôs uma placa na mesa, o que não se passou despercebido por Isabel.
— Será que somos assim? apenas um número? – filosofou
— Acho que não, talvez quantidades.
— Mas não é mesma coisa?
— Se eu explicar, você vai se entediar.
—Parece inteligente, gosto de ouvir pessoas inteligentes.
— Parece que recebi um elogio.
— Gosto de elogiar pessoas, faz elas se sentirem motivadas, faz um teste. – Gesticulou com as mãos.
— Ok, é...
— Eu gosto da maneira que seu cabelo brilha quando está no sol, ele muda de cor quando você se movimenta para sombra, reparei nisso do dia do incidente também- Falei mirando em seus olhos, enquanto ela os desviava.
— Nossa...
Seus olhos se arregalaram contestando surpresa, dessa vez eles piscavam mais do que o normal, seus lábios não sabiam qual expressão formar, suas mãos revezavam entre bater na mesa usando as unhas e por uma mecha de cabelo atrás da orelha, que por diversas vezes caiu para a frente do seu rosto.
Se estivesse tão próximo quanto desejava, eu não me importaria de cuidar daquela mecha pelo resto do dia.
— Desculpa, é que eu sou escritor, gosto de reparar nos detalhes. - Deixei escapar aquele detalhe sobre mim, mas de fato eu não tinha a intenção de escondê-lo.
— Há, nossa que legal, você escreve. Me sinto lisonjeada, sério. - Pôs a mão no peito em forma de agradecimento.
— Bom, esse lance de elogio não é comigo. É capaz de alguém achar que estou apaixonado. - Complementei.
— Sinceramente. Eu, Isabel Reis, quase desconfiei, até agora. - Soltou, e dessa vez foram os meus lábios que não formaram uma reação.
— Há para sério, eu fui tão mal assim?
— Não – Ela riu – Acho que só não estou acostumada com o mínimo, só isso.
Senti o peso de suas palavras, como se tivera sido despejada exatamente em minhas costas. Não em um sentido literal, mas emocional.
— Ainda bem, o mínimo não lê convém. - Nossos pedidos chegaram e eu a servi.
— Meu nome é Nicolas. - Era o momento certo.
Um sorriso de canto surgiu em seu rosto e eu pude ver, como pequenas coisas a deixava feliz.
Finalizamos nosso café acompanhado de uma conversa aleatória sobre animais, não sei bem como chegamos nisso, mas era incrível como não nos faltava assunto. Conversávamos sobre os assuntos mais desnecessários possíveis, mas que no fundo precisava ser discutido.
— Olha, obrigada Nic, de verdade. Acho que faz um século que não saio assim para algo sem que seja extremamente estressante.
— Eu sei como é, eu gostei. Agora o que nos resta é voltar para a realidade de segunda-feira. - Eu menti, estava satisfeito, aquele dia seria o suficiente para encarar o que a semana me guardava, era aconchegante estar junto a sua presença
— Bem, é a minha deixa - Abracei-a pelos ombros estendendo apenas um braço de forma lateral, nos envolvendo em um encaixe amigável.
Não era intenção, mas sua barriga logicamente estaria sensível.
Já estávamos do lado de fora da cafeteria. Eu não queria deixá-la ir. - Será que eu me tornaria um problema? Ela está grávida, e sensível, e se eu a magoar? - Eu me perguntava, e não conseguia me responder.
Quando senti um toque suave em meu braço, um toque macio, e eu consegui sair seja lá de onde estivesse.
— Eu preciso ir tudo bem, Obrigada Nicolas. - Ainda de frente começou a dar passo para trás. - Estou curiosa para saber qual vai ser o próximo capítulo dessa história.
Entre tantas coisas, tantas oportunidades e formas, ela escolheu a fala perfeita, a melhor oportunidade, e a expressão mais bela que conseguiria fazer. Eu fiquei preso, e de repente meus olhos não piscavam mais, nem mesmo se quisessem. Entre dentes meu sorriso se congela e resiste em se desfazer.
O fato dela ter usado minha escrita como referência, me deixou sem palavras. Talvez saiam em forma de versos mais tarde.
— Eu posso ser a caneta, se você for o papel. -Eu disse, ela riu, e eu pirei.
...
No relógio marcava exatamente 15:19, eu estava saindo do sono da tarde, quando meu celular toca.
Nicolas — Alo?
xxx — Poxa já me esqueceu?
Nicolas — Fernanda?
Fernanda — Agora sim.
Nicolas — Foi mal é que eu não tenho culpa se você vive mudando de número.
Fernanda — Tem razão, eu tenho que parar logo com isso.
Fernanda— Eu estou indo pra Manaus, era para ser surpresa, mas eu fiquei enrolada na questão do hotel.
Nicolas — Hotel??, Fernanda, podia ter me ligado antes, você também tem parentes aqui.
Fernanda — Eu sei, mas iam me encher de perguntas, você sabe como é a mãe e o pai.
Nicolas — Não vou me meter nos seus assuntos, mas quando quiser conversar eu tô aqui.
Fernanda — Valeu, do nada eu vou chegar aí.
Nicolas — Tem uma chave reserva embaixo do tapete, vou avisar para o porteiro e você só dá seu nome para ele.
Fernanda — Tá ok, se precisar eu te ligo, se cuida Nic.
Nic — Você também. Até.
Muitas informações para um dia só, como sempre Fernanda me enchendo de surpresas. Fernanda era minha prima, sua vida era resumida em um vai e vem. Às vezes eu tenho medo, mas eu a conheço, ela é esperta.
Apenas ela conseguia trazer o Nicolas impulsivo e confiante. Somos família.
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Atualizado até capítulo 20
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