O Seu Adeus

O Seu Adeus

Aquele que meu pai me ligou

...✦ Olívia ✦...

Dizem que os pais nunca deveriam enterrar seus filhos. Eu diria que também não é justo para os filhos ter que enterrar seus pais.

O silêncio na sala era esmagador, refletindo o vazio que se instalara dentro de mim nos últimos dias. A notícia da morte da minha mãe ainda pairava sobre mim, como uma sombra que não conseguia me abandonar. Emília, minha amiga e editora-chefe da Nexus, observava-me com um olhar que misturava preocupação e empatia.

— Olívia, você está bem? — ela perguntou suavemente, quebrando o silêncio.

Assenti, mesmo sabendo que a resposta estava longe de ser verdadeira. “Estou bem.” Uma mentira que eu já havia repetido tantas vezes que quase começava a acreditar nela.

— Sabe, se precisar de um tempo, é completamente compreensível. Ninguém vai te julgar se você precisar se afastar por um tempo — continuou Emília, sua voz firme mas cheia de compaixão.

Desviei o olhar, tentando controlar a onda de emoções que ameaçava me dominar. Tempo. Era isso que todos me ofereciam, mas tempo era a última coisa que eu queria. O que eu precisava era de uma distração, algo que me afastasse das memórias que continuavam a surgir sem ser convidadas.

— Eu agradeço, Emi, mas não quero ficar sozinha. O Theo ainda não voltou para casa. — digo frustrada mas agradecendo pela distração que Sara estava proporcionando a ele.

Ela assentiu, compreensiva. Sabia que insistir seria inútil. Eu sempre fui boa em evitar o que realmente sentia. O trabalho seria a minha fuga, como sempre foi.

Mas, mesmo enquanto tentava me convencer de que continuar trabalhando era a melhor solução, não pude evitar sentir culpa. Culpa por sentir um vazio profundo, mas também... um alívio que me envergonhava admitir.

Dizia para mim mesma que era uma relação complicada, tentando justificar a ausência de lágrimas, a falta de dor aguda que se esperava sentir quando um dos pais morre.

— Liv? — a voz de Emília me trouxe de volta à realidade. — Sei que você quer continuar, mas prometa que se precisar de um tempo, mesmo que só por um dia, você vai me dizer.

Assenti novamente, oferecendo um sorriso fraco que não atingia meus olhos.

Enquanto Emília começava a discutir os próximos passos, focando em como poderíamos avançar com meus projetos sem muita pressão, eu me afundava em pensamentos. Por que não consigo chorar? Por que, ao invés de tristeza, sinto um peso sendo tirado dos meus ombros?

— Tudo bem? — Emília perguntou de novo, e percebi que havia perdido parte da conversa.

— Sim, estou. Vamos continuar — respondi, com mais firmeza do que realmente sentia.

Claro que ela não acreditou nas minhas palavras. Emília me conhecia bem demais.

A notícia que recebi de milhares de pessoas assistindo uma live em que eu dava uma entrevista ao vivo deveria ter sido arrebatadora para mim. Afinal, receber a notícia da morte de sua mãe através de mensagens de pessoas que você nunca nem viu na sua vida, é, ou deveria ser, simplesmente desolador. Mas eu não conseguia sentir nada, nem na hora, nem agora, além de pura confusão.

— Ok! Então é isso. — Emília exclama largado a caneta e se recostando na cadeira enquanto olha para mim.

— Isso o quê? — pergunto meio aérea.

As lembranças com minha mãe vêm à tona, mas eu rapidamente as empurro de volta para o fundo da minha mente, recusando-me a dar-lhes espaço. Não agora. Não aqui.

— Você vai para casa. — ela fala como se fosse a solução de todos os meus problemas.

— De jeito nenhum! — reclamo indignada — O lançamento está quase chegando e temos tanto…

— Não quero saber. Amiga, estou te dando uma ordem como chefe, e um conselho como amiga. — ela pega minhas mãos de forma acolhedora enquanto fala me olhando nos olhos. — Você precisa resolver o que quer que esteja se passando aí dentro.

Ela aponta um dedo para meu coração.

— Além do mais — continua enquanto eu resmungo desconfortável. — Você já deixou toda a sua parte pronta e estava adiantando o da equipe, coisa que já conversamos sobre.

Ela faz uma pausa me encarando com seu olhar severo de chefe dando bronca.

— Considere como suas férias adiantadas, e deixe que a gente lida com tudo por aqui.

— Mas Emi… — começo mas ela me interrompe.

— Nada de “Emi”. Você vai colocar sua cabeça em ordem e ponto. Você tem um mês inteirinho para se reorganizar.

— Desde quando você estava com isso planejado? — pergunto em choque.

A diabinha só me dá um sorriso como resposta.

Estou pronta para dar um belo de um “não” quando o toque do celular soa estridente indicando um número desconhecido com o DDD do Brasil.

Franzindo a testa atendo a ligação.

— Alô? — falo em português.

— Olívia. Precisamos conversar sobre o testamento da sua mãe. — a voz do meu pai era seca, sem qualquer calor.

— Testamento? Agora? — suspiro, já cansada só de começar uma simples conversa com ele.

— É necessário. Tem documentos, cartas… coisas que só você pode resolver pessoalmente.

— Por que não posso fazer isso daqui? — pergunto, tentando manter a voz firme.

— Porque não é só burocracia, Olívia. Sua mãe deixou coisas importantes para você. Algo que ela queria que fosse tratado apenas na sua presença.

— E você não poderia ter me dito isso antes? — minha voz se elevou um pouco, mais por nervosismo que raiva.

Acontece que receber uma ligação do pai que você não fala há 9 anos é perturbador.

— Não. — respondeu seco. — Agora, você vai voltar. Não é um pedido.

Hesitei, sentindo o peso daquela ordem.

— Por que está tão interessado nisso de repente? — questiono, desconfiada.

— Porque… — ele pausou, e então, com uma voz menos dura, quase implorando — você é tudo o que me resta. E não quero perder isso também.

Aquilo soou estranho, mesmo eu tendo sonhado com esse momento várias e várias vezes ao longo dos anos.

— Vou pensar… — murmuro.

— Não pense demais. Se não voltar, vai ser só mais uma coisa que vai nos separar. E eu não quero isso.

O silêncio pesou do outro lado da linha.

Suas palavras me atingiram em cheio, como um golpe direto no coração.

— Tudo bem, eu vou voltar. — finalmente cedi, sentindo um peso inexplicável nos meus ombros.

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